A juíza federal Maria do Carmo Cardoso, tida como nova conselheira jurídica da família Bolsonaro e madrinha da indicação do juiz Kassio Nunes para a vaga de Celso de Mello, no Supremo Tribunal Federal, é muito conhecida no Judiciário.
Citada, segundo a Folha de S. Paulo, como amiga do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), ela faz parte de um grupo de magistrados que circula em torno do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e do também alagoano ministro Humberto Martins, atual presidente do Superior Tribunal de Justiça. Martins é considerado um afilhado de Calheiros.
A figura central desse grupo é o advogado Cesar Asfor Rocha, ex-presidente do STJ, que deixou o cargo em 2012 mas ainda é influente no Judiciário.
Os nomes desses magistrados figuram em eventos, se revezam em listas de candidatos a vagas no Tribunal da Cidadania e estão presentes em manifestações de lobby.
“Tia Carminha”, como é chamada, segundo reportagem de Julia Chaib e Gustavo Uribe, da Folha, disputou, sem sucesso, as vagas dos ministros Arnaldo Esteves Lima e Eliana Calmon no STJ, em 2014. (*)
Em 2011, ela participou de evento em Alagoas, em homenagem a Humberto Martins.
O encontro foi promovido pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal –até então dirigido pelo próprio Martins. Trata-se do mesmo órgão que mantém um conselho editorial para o qual Asfor Rocha recentemente foi nomeado membro do conselho editorial, um mês depois de ter sido alvo de operação de busca e apreensão pela Polícia Federal.
Entre os oradores, discursou o governador de Alagoas, Renan Filho (PMDB) –filho do ex-presidente do Senado Federal.
A última mesa do evento em Maceió foi presidida por Asfor Rocha. A presença de Maria do Carmo Cardoso, então presidente do TRF-1, foi registrada como uma tentativa de pavimentar o terreno para sua indicação ao STJ, ao lado do então presidente do TRF-3, Fábio Prieto. Ambos não chegaram ao STJ.
Na ocasião, a OAB alagoana criou uma medalha, cujos primeiros homenageados foram Humberto Martins e o advogado Marcus Vinicius Coêlho, ex-presidente da OAB nacional.
Em 2014, Marcus Vinicius apoiou a frustrada candidatura de Kassio Nunes à vaga do ex-corregedor nacional Gilson Dipp, no STJ. Havia resistência no Judiciário a candidaturas de magistrados oriundos da advocacia, concorrendo com juízes de carreira.
Como este Blog registrou, Kassio Nunes, quando atuou como advogado, e Marcus Vinicius Coêlho ajuizaram, cada um, no Tribunal de Justiça do Piauí, ações contra a Toyota do Brasil que resultaram em indenizações milionárias, em valores exorbitantes, a partir de alegados defeitos de fabricação de veículos.
Numa das duas ações patrocinadas por Kassio Nunes, a Toyota foi condenada a pagar uma indenização de R$ 18 milhões, dos quais R$ 4 milhões foram executados. A autora da ação de indenização –uma concessionária– alegou danos materiais, lucros cessantes e danos morais.
A Toyota alegou, durante a tramitação do processo, que “em razão da apreensão de um veículo, há cinco anos, a autora pretende receber o valor de R$ 7,3 milhões, quantia com a qual poderia comprar facilmente nada menos do que 49.618 automóveis zero quilômetro semelhantes”.
Na ação em que Marcus Vinícius Coêlho foi um dos advogados, a Toyota foi condenada a pagar uma indenização de R$ 7,7 milhões a um empresário e a sua mulher por causa de um acidente –sem vítimas– com um veículo Hilux SW4, sendo que a mulher do empresário não estava no veículo no momento do acidente.
Ouvidos pelo Blog na ocasião, Kassio Nunes e Marcus Vinicius comentaram os processos.
Em 2014, no cargo de corregedor-geral da Justiça Federal, o ministro Humberto Martins incluiu Kassio Nunes e Maria do Carmo Cardoso entre os eventuais auxiliares em correições e inspeções nos TRFs.
Em maio deste ano, a juíza Maria do Carmo Cardoso estava entre os magistrados homenageados pela Justiça Federal de Minas Gerais com a distribuição virtual de medalhas e comendas “a personalidades que auxiliaram a Justiça Federal em Minas”.
O evento foi visto como parte do lobby mineiro para reforçar a proposta de criação do TRF-6, novo tribunal regional com sede em Belo Horizonte, projeto do ministro João Otávio de Noronha, ex-presidente do STJ.
Em junho de 2019, “Tia Carminha” assinou moção de apoio ao então ministro da Justiça Sergio Moro, hoje hostilizado pelos bolsonaristas.
Voluntariamente, 271 juízes foram contrários à exclusão de Moro dos quadros da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), por entenderem que não havia elementos concretos para justificar o processo administrativo requerido por um grupo de 30 magistrados.
Para os signatários, “Moro jamais se desviou dos deveres exigidos de um magistrado sério, alinhado com os princípios éticos, comprometido com a busca da verdade e aplicação da Justiça, com o império da lei, com imparcialidade, atuando no maior caso de corrupção conhecido no mundo, com imensa dedicação, sacrifício e se sujeitando a riscos pessoais e familiares de toda ordem”.
Um entendimento que, nos dias atuais, possivelmente não tem a aprovação dos seguidores dos conselhos de “Tia Carminha”.
(*) Procurada pela Folha, segundo Julia Chaib e Gustavo Uribe, a juíza informou que não iria se manifestar.