Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso votaram na madrugada desta terça-feira pela suspensão da execução do chamado orçamento secreto. Em sessão virtual do plenário da Corte, Rosa Weber, que é relatora de ação sobre o assunto, foi a primeira a se manifestar. Os magistrados julgam uma liminar concedida pela própria ministra, proferida na sexta-feira. São necessários seis votos para se formar maioria. Seguiram a relatora a ministra Cármen Lúcia e os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Fontes da Corte afirmam ao jornal Valor, que o placar tende a ser bem apertado e não descartam a possibilidade de algum ministro pedir vista, para ganhar tempo e conseguir chegar a uma solução intermediária, ou apresentar um pedido de destaque, para levar o caso a ser discutido no plenário físico.
A análise do caso iniciou na madrugada de hoje, em sessão do plenário virtual do STF, e os ministros terão até as 23h59 de quarta-feira para depositar seus votos no sistema eletrônico.
Na sexta, a ministra Rosa Weber suspendeu integralmente a execução das emendas de relator-geral, que somam cerca de R$ 18,5 bilhões na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2021. A liminar foi concedida em ação movida em junho pelos partidos Psol, Cidadania e PSB contra as emendas do relator-geral da LOA, senador Marcio Bittar (MDB-AC).
Para as legendas, as emendas, sancionadas em parte pelo presidente Jair Bolsonaro, não atendem a critérios objetivos, favorecendo aliados do governo e violando os princípios da impessoalidade e da transparência, previstos na Constituição Federal.
Ao deferir a liminar, ministra afirmou serem incompatíveis com a democracia “práticas que, estabelecidas à margem do direito e da lei, promovam segredo injustificado sobre os atos pertinentes à arrecadação de receitas, efetuação de despesas e destinação dos recursos públicos”.
Segundo ela, há “evidente prejuízo do acesso da população em geral e das entidades de controle social aos meios e instrumentos necessários ao acompanhamento e à fiscalização da gestão financeira” do Estado.
Rosa também determinou que se dê “ampla publicidade, em plataforma centralizada de acesso público”, a todos os documentos que embasaram as demandas e que resultaram na distribuição das emendas, inclusive com os nomes dos parlamentares solicitantes.
A medida deverá ser cumprida em conjunto pelo Congresso Nacional (Senado e Câmara dos Deputados), Presidência da República, Casa Civil da Presidência da República e Ministério da Economia.
Ao seguir a relatora nesta terça, Cármen Lúcia disse que “a utilização de emendas orçamentárias como forma de cooptação de apoio político pelo Poder Executivo, além de afrontar o princípio da igualdade, na medida em que privilegia certos congressistas em detrimento de outros, põe em risco o sistema democrático”.
Segundo a ministra, isso “compromete a representação legítima, escorreita e digna, desvirtua os processos e os fins da escolha democrática dos eleitos, afasta do público o interesse buscado e cega ao olhar escrutinador do povo o gasto dos recursos que deveriam ser dirigidos ao atendimento das carências e aspirações legítimas da nação”.
“O controle de legalidade e da finalidade dos comportamentos e gastos dos recursos pela Administração Pública não pode ser escamoteado nem esvaziado pela sombra a impedir a garantia da transparência na gestão pública. As ações institucionais e a atuação dos agentes estatais são sempre de interesse público. O Estado põe-se a serviço dos cidadãos e como tal deve satisfação de seus atos.”
Fachin e Barroso apenas registraram na plataforma do plenário virtual que acompanhariam a relatora, sem anexar voto detalhado. Ainda faltam votar os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
O julgamento acontece após uma reação coordenada da cúpula do Congresso, que se reuniu ontem com o presidente do tribunal, ministro Luiz Fux. Foram à Corte o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), o primeiro-vice presidente do Senado, Veneziano Vital do Rego (MDB-PB), e o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), líder do governo no Senado. Segundo o Valor apurou, os parlamentares afirmaram ser impossível tecnicamente detalhar as emendas de relator já executadas, mas concordaram que é necessário dar mais transparência ao mecanismo daqui para frente.
Também chamadas de “orçamento secreto”, essas emendas são criticadas por especialistas e pela oposição por causa da falta de transparência e controle em sua execução. Diante do impasse, parlamentares e ministros do Supremo tentaram ontem, durante todo o dia, costurar uma solução intermediária. Essa saída seria manter o instrumento, utilizado por parlamentares para beneficiar suas bases e usado também pelo governo para obter apoio no Congresso, mas determinar a adoção de critérios para dar mais publicidade ao mecanismo.
Em nota, o STF disse que parlamentares explicaram a Fux o rito para a execução das emendas do Orçamento e defenderam a legalidade dos atos do Congresso. “O ministro Fux ouviu e informou aos parlamentares que o tema já foi submetido a julgamento no plenário virtual”, diz o texto.
Além de Fux, outros integrantes da Corte, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli, também conversaram com parlamentares.
A avaliação de um integrante do STF é que a liminar pode acirrar a crise institucional e levar a uma nova onda de ataques à Corte, porque tem impacto no dia a dia da execução orçamentária de Estados e municípios.
Na manifestação oficial que enviou ao Supremo, o presidente da Câmara defendeu que esse é um assunto “interna corporis”, isto é, que deve ser decidido pelo Poder Legislativo, não pelo Judiciário. Lira também afirmou que a decisão suspende “por tempo indefinido da execução de parcela substancial do orçamento público” e que isso vai trazer prejuízo para a execução de políticas públicas em todo o país.
O Senado também se manifestou nos autos. A decisão de defender a revogação da liminar passou diretamente pelas mãos do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O parlamentar mineiro acionou a equipe jurídica do Senado por entender que a suspensão do mecanismo afeta diretamente o empenho de verbas em Estados e municípios em um momento delicado da economia.
Na manifestação que enviou ontem ao Supremo, o Senado afirmou que o novo modelo é um “aperfeiçoamento do sistema de alocação de recursos públicos, permitindo a maior participação do Poder Legislativo” e admitiu que permite alocar o dinheiro “de acordo com a formação da base de apoio ao governo federal”. “A sistemática atual, portanto, atendendo ao sistema de freios e contrapesos, permite ao Congresso Nacional influenciar com maior eficiência na alocação de tais recursos, de acordo com a formação da base de apoio ao governo federal e de acordo com as necessidades de suas bases eleitorais, observando-se, portanto, o regime democrático e a representação política”.