O pedido da oposição para que o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) seja cassado na Câmara servirá de teste para a força política do clã e dependerá de apoio dos partidos de centro que fazem parte do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Casa.
A possibilidade de punição foi levantada pelo próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), poucas horas após as declarações em que o filho do presidente Jair Bolsonaro defende um novo AI-5.
Em nota, Maia afirmou que a “apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras”.
O presidente da Câmara afirma que o Brasil “jamais regressará aos anos de chumbo”. Ele lembra que Eduardo conquistou o mandato por voto popular e, ao tomar posse, “jurou respeitar a Constituição de 1988”.
“Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática”, prossegue Maia.
“A Carta de 88 abomina, criminaliza e tem instrumentos para punir quaisquer grupos ou cidadãos que atentem contra seus princípios -e atos institucionais atentam contra os princípios e os fundamentos de nossa Constituição.”
A maior punição, a cassação, depende inicialmente de a oposição conseguir apoio nas fileiras do centrão no Conselho de Ética. Dos 21 assentos, os partidos que se declaram contrários ao governo ocupam apenas 6 cadeiras. O PSL, legenda de Eduardo, tem 2 membros.
“A questão é política. Vamos ver como é que o centrão vai reagir a isso”, afirmou Ivan Valente (PSOL-SP), líder do partido na Câmara.
Irmão de Eduardo, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) reagiu à tentativa de cassação do deputado. “A simples tentativa de cassar o mandato de um deputado POR FALAR já é o próprio AI-6”, afirmou em suas redes sociais nesta sexta-feira (1).
O pedido de cassação de Eduardo não é o primeiro da família no colegiado. Quando deputado, Jair Bolsonaro foi alvo de representações por declarações polêmicas. Os processos não avançaram.
As regras da Câmara permitem abrir uma investigação contra parlamentares por causa de declarações que se enquadrem como quebra de decoro. Uma eventual punição, no entanto, dependerá das forças políticas que o sustentam.
Nesta quarta-feira (30), por exemplo, o conselho abriu um processo contra o deputado André Janones (Avante-MG). O pedido foi feito pelo Solidariedade em reação a uma transmissão ao vivo feita pelo congressista em rede social na qual ele declarou que revelaria os “canalhas e vagabundos da Câmara”.
O rito de uma representação por suposta quebra de decoro parlamentar não é simples.
Quando o pedido chega ao conselho, o presidente do colegiado, deputado Juscelino Filho (DEM-MA), escolhe o relator do caso com base em uma lista tríplice. O relator não poderá ser do mesmo estado ou partido de Eduardo, nem do partido que entrar com a ação contra o deputado.
A partir daí, começa a correr o prazo de dez dias úteis para que seja apresentado o parecer, que pode ser pelo arquivamento ou pela abertura do processo.
Se for dado seguimento ao caso, o deputado acusado tem de ser notificado pessoalmente para poder apresentar a defesa por escrito. Depois disso, há, em média, 40 dias úteis para que o conselho reúna provas e colha depoimentos.
Por fim, o relator tem mais dez dias para apresentar o voto, recomendando a cassação, punição mais branda ou o arquivamento da denúncia.
Seja qual for o resultado, o pedido de cassação tem de passar pelo plenário da Câmara para que algum deputado seja punido.
Na comissão, é preciso maioria simples para aprovação; no plenário, maioria absoluta (são necessários 257 votos dos 513 deputados).
A manifestação de Maia foi mais incisiva que o tom adotado pelo presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que afirmou ser um “absurdo” que um agente político como Eduardo, “fruto do sistema democrático”, faça algum tipo de incitação antidemocrática.
“E é inadmissível essa afronta à Constituição”, disse ele. Alcolumbre, que também é presidente do Senado, disse que “não há espaço para que se fale em retrocesso autoritário”.
ENTENDA O QUE DIZ A LEI SOBRE APOLOGIA À DITADURA MILITAR
Não há uma lei que tipifique como crime especificamente a apologia à ditadura militar. Mas, segundo a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, declarações em defesa do regime militar podem ser enquadradas como crime com base na Lei de Segurança Nacional (lei 7.170/83), na Lei dos Crimes de Responsabilidade (lei 1.079/50) e no artigo 287 do Código Penal.
A Lei de Segurança Nacional, em seu artigo 22, qualifica como crime “fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social”, com pena de 1 a 4 anos de detenção. Já o artigo 23 da mesma lei afirma que é crime “incitar à subversão da ordem política ou social, à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis”, com pena de 1 a 4 anos de reclusão.
Tramita na Câmara um projeto de lei que criminaliza a apologia à ditadura militar. Apresentado em 2015 por Wadson Ribeiro (PC do B-MG), aguarda parecer do relator na Comissão de Cultura da Casa.
Deputados, como Eduardo Bolsonaro, e senadores têm imunidade parlamentar. Eles não podem ser processados por opiniões, palavras e votos dados no exercício do mandato e só podem ser presos em flagrante de crime inafiançável.
AI-5, 13 DE DEZEMBRO DE 1968
Deu novamente ao presidente o poder de fechar o Congresso, Assembleias e Câmaras. O Congresso foi fechado por tempo indeterminado no mesmo dia. Renovou poderes conferidos antes ao presidente para aplicar punições, cassar mandatos e suspender direitos políticos, agora em caráter permanente. Suspendeu a garantia do habeas corpus em casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e a economia popular. Deu ao presidente o poder de confiscar bens de funcionários acusados de enriquecimento ilícito.