Com os partidos políticos diante de uma crise de representatividade e associados à corrupção, compliance deixou de ser para eles assunto de outro mundo.
A palavrinha entrou na rotina dos diretórios paulistas do PSDB e do PSL e nas direções nacionais dessas e de outras siglas. A ordem é estabelecer regras mais severas.
O PSDB, por exemplo, aprovou um inédito código de ética e compliance, que prevê verificação da idoneidade de doações e de fornecedores, canal de denúncias com sigilo da fonte e divulgação de receitas e despesas na internet.
A iniciativa é impulsionada pelo governador João Doria, cujos aliados encampam um discurso de faxina anticorrupção no PSDB, preparando terreno para a candidatura presidencial dele em 2022.
Seguindo as diretrizes da cúpula nacional, o diretório paulista da sigla, chefiado por Marco Vinholi, ligado a Doria, contratou um especialista para desenhar regras próprias. O advogado Fernando Palma, escolhido para a missão, sugeriu o nome “tolerância zero” ao programa.
“Compliance se aprende no amor ou na dor”, diz Palma, ressaltando que os tucanos é que tomaram a iniciativa de “fazer o certo porque o certo é certo”. Questionado sobre os escândalos que afetaram o partido recentemente, o especialista fala que “várias empresas públicas e privadas tiveram problemas”.
Foi com a derrota eleitoral do ano passado como pano de fundo que o PSDB discutiu suas novas regras. Contudo, o código de ética aprovado pelo comando nacional da sigla não afasta de imediato envolvidos em corrupção.
Legendas de variadas posições ideológicas, como PT, PSL, PDT e Podemos, começam a estudar programas na mesma linha. Recorrem a essa grife por diferentes razões: limpar a imagem, evitar novos malfeitos e se reconectar com a sociedade.
Depois de ter seus principais líderes engolidos pela Lava Jato, o PT avança na discussão sobre um programa para andar em dia com a lei. Segundo a presidente nacional da sigla, Gleisi Hoffmann (PR), a ideia é que “as melhores práticas administrativas e de contabilidade sejam seguidas pelos dirigentes”.
“Uma coisa é prestar contas ao TSE e outra mais importante é fazer uma gestão de riscos internamente e se adequar”, diz a deputada federal. Para decidir sobre transgressões, continuará valendo a análise da comissão de ética, segundo ela.
A formulação do programa foi entregue ao escritório França da Rocha & Advogados Associados, de Curitiba. O advogado Luiz Carlos da Rocha, fundador da banca, é próximo de Lula.
No PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, a intenção também é apresentar nos próximos meses um conjunto de regras. A legenda está no alvo de uma investigação sobre candidaturas laranja.
A direção nacional contratou a consultoria Alvarez & Marsal para traçar o projeto.
Ao mesmo tempo, o PSL em São Paulo se antecipou no debate interno. Em fase de reestruturação –depois que a presidência foi assumida pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente–, o diretório estadual cogita estabelecer regras mais rígidas para admissão de dirigentes.
Uma das ideias em debate é proibir que alcem posições de liderança na sigla pessoas que tenham sido filiadas, nos dez anos anteriores, a PT, PC do B, PSOL, PDT, PSTU, PCO e PCB.
Se a norma já estivesse em vigor, Major Olímpio, que era o presidente estadual até abril, não poderia ter ocupado a função. O hoje senador foi filiado ao PDT até 2015.
No PDT, o programa que está em andamento terá como princípio “dar transparência total” à divulgação dos gastos e à distribuição interna dos recursos, segundo o presidente Carlos Lupi.
Para o trabalho, o PDT pediu a orientação do Instituto Brasileiro de Compliance (IBC), entidade do Rio mais habituada a atender empresas, mas que pretende oferecer auxílio a outras legendas.
No Podemos, a presidente nacional Renata Abreu conduz a implementação do programa de conformidade com o objetivo de aproximar a agremiação dos cidadãos.
“Um partido representa anseios da sociedade, e a sociedade clama por uma nova tendência, de mais participação”, observa ela, que é deputada federal por São Paulo.
Para adequar os partidos à lei anticorrupção, regulamentada em 2015, o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) apresentou um projeto de lei que corta o direito ao fundo partidário por 3 a 12 meses em caso de inoperância ou inexistência de programas de compliance nas siglas.
Favorável ao rigor nas contas, Marcelo Issa, do Movimento Transparência Partidária, faz ressalvas à proposta. Para ele, a lei pode se tornar inócua se não houver controle social. “A mera existência de regras de conformidade ou de códigos de ética não é suficiente para prevenir e combater ilegalidades.”
Ele critica, por exemplo, o que considera uma blindagem no projeto de lei: quando for comprovado que o diretório estadual ou municipal é que não cumpriu as regras, o diretório nacional não perde o acesso ao fundo.
Anastasia contesta o entendimento. “Não podemos penalizar o diretório nacional por um equívoco do diretório regional”, diz o senador tucano à Folha de S.Paulo. “É a teoria do bom e do ótimo: nós temos também que tentar uma coisa que seja exequível, razoável, equilibrada.”