Você deixaria seus filhos embarcarem numa viagem para Marte? Eles iriam sozinhos, sem supervisão, e lidariam com baixa gravidade, alta radiação, raios cósmicos, temperaturas inóspitas. A resposta tende a ser um sonoro não, como defende o americano Jonathan Haidt no recém-lançado “The Anxious Generation – How the Great Rewiring of Childhood is Causing an Epidemic of Mental Illness”.
Haidt, psicólogo autor de best-sellers, usa esta analogia segundo matéria de Lucas Amorim, na revista Exame, na abertura de sua nova obra, sugerindo que, mesmo sabendo de riscos enormes e incalculáveis, os adultos mundo afora estão permitindo que seus jovens vivam num outro planeta. No caso, no mundo digital, consumidos pelas redes sociais.
“Os líderes da companhia por trás do projeto Marte não parecem saber nada sobre desenvolvimento infantil e não parecem ligar sobre a segurança das crianças. Pior ainda: a companhia não requer prova de permissão parental”, afirma. “Nenhuma empresa deveria levar nossas crianças para longe e expô-las ao perigo sem nosso consentimento, ou deveriam enfrentar leis massivas, certo?”.
Haidt usa argumentos duros para tratar de um tema dominante na literatura dos últimos anos, a influência da tecnologia em nossas vidas. Enquanto nas últimas semanas expoentes do mundo tech, como Elon Musk, passaram a alertar sobre o rápido avanço de ferramentas de inteligência artificial, o psicólogo dá um passo anterior: o risco maior, argumenta, está na própria formação psicológica das próximas gerações.
Ele usa uma extensa base de pesquisas — que reconhece ser aberta às mais variadas críticas — para mostrar que a geração Z, aquela nascida após 1995, é a mais ansiosa da história. Mostra, também, que os adultos de outras gerações nunca viram uma queda em sua sanidade mental como a que aconteceu nos últimos 15 anos.
Crianças e adolescentes, claro, sempre foram os primeiros a adotar novas tecnologias. Mergulharam na televisão nos anos 60 e 70, e nos computadores nos anos 90. Mas, argumenta o autor, as novas tecnologias estão mais “portáveis, personalizadas e engajantes” mesmo para recém-nascidos. “Muitos pais descobriram que um smartphone ou um tablet poderia manter uma criança felizmente engajada e quieta por horas. Isso é seguro?”, questiona. “Ninguém sabe, mas como todo mundo estava fazendo, todo mundo presumiu que devia ser ‘okay'”.
Segundo Haidt, falta às big techs pesquisas sobre o impacto mental de seus produtos em crianças e adolescentes. Falta, também, uma clareza mais ampla de que seus negócios estão “mudando o desenvolvimento humano numa escala quase inimaginável”.
As redes sociais, pondera, têm produtos que ajudam adultos a encontrar informações, empregos, amor e sexo; permite compras e organização política, fazendo a vida mais fácil.
Mas, assim como adultos são livres para fumar ou beber, e crianças têm uso proibido para essas substâncias, o acesso a redes sociais também deveria ser socialmente controlável, argumenta.
Haidt é psicólogo social, não clínico, e diz analisar o problema sob a ótica da moral, das emoções e da cultura. Construiu carreira, e fortuna, com pesquisas e livros que buscam a causa da felicidade. Começou analisando historicamente verdades pretensamente imutáveis que explicavam vidas saudáveis.
Esse tópico serve de base para cursos que ministra na Stern School of Business, da Universidade de Nova York. O contato com os estudantes, e com seu crescente nível de ansiedade e de adição a smartphones, o levou a se aprofundar nesta faceta em suas pesquisas mais recentes.
Com The Coddling of The American Mind (Mimando a mente americana, numa tradução livre), chegou às listas de mais vendidos ao mostrar como a juventude americana tem dificuldade de lidar com frustrações e pensamentos contraditórios, o que leva a ansiedade e depressão.
Neste novo livro, ele se aprofunda nas causas desta catástrofe coletiva, e culpa a mudança na forma de apresentar o mundo às crianças. “Não é somente sobre smartphones ou redes sociais, é sobre uma histórica e sem precedentes transformação na infância humana”, diz. Se de um lado as crianças têm total liberdade de ação no mundo virtual, são cerceadas como nunca no mundo real, uma combinação tenebrosa, na visão do autor.
As soluções para o problema propostas pelo autor podem ser consideradas drásticas e algumas até eventualmente impossíveis de serem cumpridas.
São quatro ações principais:
1-Sem smartphones antes do ensino médio (high school);
2-Sem redes sociais antes dos 16;
3- Escolas sem smartphones;
4- Mais atividades sem supervisão e uma infância mais independente.
Com essas soluções implantadas desde já, argumenta Haidt, podemos ter evoluções num prazo de dois anos, mesmo sem o apoio dos legisladores. Com o avanço da inteligência artificial e de devices imersivos, como os óculos, diz ele, “acho que devemos começar hoje”.
Escolas pelo mundo estão de fato proibindo smartphones. Executivos das gigantes tech estão sendo cobrados por iniciativas contra uso abusivo de redes sociais; Mark Zuckerberg, da Meta, chegou a pedir desculpas aos pais de crianças vítimas de violência na rede. Dentro de casa, nove entre 10 famílias buscam usos mais construtivos de smartphones e redes sociais para os filhos — e para eles próprios.
Uma vida mais livre e menos encarcerada é um sonho de consumo sobretudo nas grandes cidades. O chamado de Haidt, portanto, é valioso e atual. As iniciativas propostas, claro, estão sujeitas a intensos debates — de preferência no mundo real.