Em Salvador, são 374 mil famílias com contas em atraso.
O programa Desenrola foi anunciado esta semana pelo governo federal e tem como objetivo a renegociação de dívidas. Ações como essa são sempre bem-vindas, sobretudo em momentos como o atual, no qual o nível de famílias inadimplentes está num patamar histórico elevado.
Em Salvador, por exemplo, são 374 mil famílias que não pagaram a dívida até a data do vencimento, de acordo com dados da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, a PEIC, da Fecomércio-BA e CNC – Confederação Nacional do Comércio. Em termos percentuais, são 40% das famílias da capital baiana que precisam acertar as contas com os credores, como o varejo, bancos etc.
Até o momento, não foram divulgadas todas as informações sobre o programa, mas já é possível saber qual o público será beneficiado. São consumidores com renda de até 2 salários-mínimos e com dívida de até R$ 5 mil, com atraso superior a 6 meses.
“A ideia é que os bancos públicos paguem a dívida desse consumidor, que precisará fazer o cadastro num site específico, e o pagamento será feito no máximo em 5 anos, com uma taxa de juros de 1,99% ao mês, o que anualizada, da 26,6%, quase o dobro da taxa básica de juros, a SELIC, hoje em 13,75% ao ano”, destaca o consultor econômico da Fecomércio-BA, Guilherme Dietze.
Para a Fecomércio-BA, o programa deve ajudar milhares de consumidores no estado da Bahia a acertarem as suas contas. No entanto, o efeito deve ser limitado. Para Dietze, o primeiro ponto a se destacar é o cenário por trás dessa inadimplência. “Em muitos casos são contas essenciais como a de luz, agua e etc. Isso acontece pela situação econômica atual, de uma inflação alta, pesando principalmente no gasto básico com alimentação.
Assim, mesmo que esse consumidor consiga realizar uma renegociação através do Desenrola, há um potencial latente para que deixe de pagar novos compromissos, pois a renda está curta. A inflação de alimentos sobe, em 12 meses, 11,58% na região metropolitana de Salvador, muito acima da média geral, de 6,53%”, analisa o economista.
Outro aspecto é que, ainda segundo a PEIC, há um grupo de 18,3% que dizem que não conseguirão pagar a dívida que está em atraso, sendo a maior taxa em 13 anos, envolvendo 171 mil famílias na capital.
“Ou seja, mesmo com prazos alongados, com descontos vantajosos, e um valor médio relativamente baixo por mês, há muitos consumidores que não conseguirão arcar com esse compromisso. Em muitos casos, o consumidor aceita que tem a dívida em atraso, é sabido do nome sujo, mas a preferência é para a manutenção do consumo diário da família, apesar dos juros elevados que esse consumidor terá que pagar no futuro”, esclarece o consultor econômico.
O economista ainda destaca que em alguns casos pode haver a situação na qual o inadimplente negocia a dívida, começa a pagar e, após alguns meses, deixa de efetuar o pagamento, ficando em débito com o banco público. Com preços instáveis, sobretudo o de alimentos, é difícil fazer um planejamento doméstico, ainda mais se tratando de famílias de baixa renda que no seu dia a dia dificilmente sobra algum recurso.
“Portanto, o programa Desenrola é muito bem-vindo certamente, mas é necessário um contexto econômico mais favorável para que haja uma melhora estrutural da inadimplência no país. O governo precisa caminhar para ter uma inflação mais baixa e, por consequência, contribuindo para que o Banco Central inicie o ciclo de redução de juros”, esclarece Dietze.
O consultor econômico da Fecomércio complementa que “com juros baixos e inflação controlada num patamar mais adequado, além da maior geração de emprego, é o quadro ideal para a inadimplência baixar dos atuais 40% em Salvador para um patamar médio de 2019, pré-pandemia, de 15%”.