Fustigado pela falta de fidelidade de sua base no Congresso, o Palácio do Planalto tenta enquadrar o PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para garantir a aprovação do novo arcabouço fiscal, enquanto tenta apagar incêndios nas relações entre integrantes do primeiro escalão do governo. Com menos de cinco meses no cargo, o petista vê as disputas internas se acumularem em áreas sensíveis , diz Sérgio Roxo do O Globo, e, ao menos por ora, diz o colunista, não dá sinais de que planeje medidas enérgicas para conter as desavenças entre seus auxiliares.
As reprimendas até agora vêm sendo vocalizadas por homens de confiança de Lula no Planalto e no Congresso. Diante dos focos de instabilidade na base num momento em que o governo espera votar o arcabouço fiscal na Câmara até o final deste mês, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, e o líder do PT na Casa, Zeca Dirceu (PR), afirmaram que os petistas não vão apresentar emendas ao texto, com o objetivo de dar celeridade à tramitação da proposta.
Alinhado às expectativas do Ministério da Fazenda, o relator da matéria, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), também cobrou coesão dos correligionários do presidente. Em uma amostra da importância dada ao assunto, o PT deixou de indicar o deputado Lindbergh Farias (RJ), um dos quadros mais experientes que a sigla tem na Casa, para a CPI dos Ataques Golpistas depois que ele criticou o projeto do governo.
Cabo de guerra
No caso com potencial para ser o mais espinhoso, Lula deve ser obrigado a arbitrar um conflito entre a Petrobras e a área ambiental por causa da exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, já disse que o empreendimento é “altamente impactante” e que observa o caso do mesmo jeito que olhou para a usina de Belo Monte. A construção da hidrelétrica no Pará gerou conflitos com o presidente durante o segundo mandato dele (2003-2010) e foi um dos motivos que a levaram a deixar o governo em 2008 e, depois, o PT.
Tanto a Petrobras quanto o Ministério de Minas e Energia atuam para levar o projeto de exploração de petróleo adiante. No mês passado, um parecer interno do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recomendou que a licença ambiental para a Petrobras seja negada. Caberá ao presidente do instituto, Rodrigo Agostinho, indicado por Marina, decidir. O caso foi revelado pelo site “Sumaúma”.
Nesta semana, também ganhou corpo a disputa entre o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e a Polícia Federal pelo controle da segurança pessoal de Lula, do vice Geraldo Alckmin e dos familiares dos dois. Historicamente, a função sempre foi desempenhada por militares do GSI.
Por desconfiança da infiltração de bolsonaristas no órgão, Lula decidiu, no começo do ano, criar a Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata do Presidente da República para assumir essa função. A nova estrutura, formada predominantemente por policiais federais, atuará, a princípio, até 30 de junho. A cúpula da PF, porém, começou a trabalhar para tornar a secretaria permanente.
Na semana passada, porém, o novo ministro do GSI, Marcos Amaro, disse que há sinalização de que a segurança voltará para os militares. A afirmação provocou reação imediata dos policiais federais. Eles chegaram a divulgar um vídeo exaltando o trabalho dos agentes da Secretaria Extraordinária de Segurança Imediata. Também buscaram o apoio da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja, para manter os militares longe do comando da proteção do presidente.
Primeira-dama
Uma outra disputa envolve diretamente Janja. A primeira-dama quer ter um cargo formal não remunerado na administração federal. Ela gostaria de assumir o Gabinete de Ações Estratégicas em Políticas Públicas, vinculado à Presidência. O posto funcionaria como braço do governo para ações estratégicas de articulação política entre diferentes ministérios e aconselhamento do presidente.
A Casa Civil, comandada por Rui Costa, porém, se opõe. A avaliação é que, se assumir o posto, Janja corre o risco de se tornar alvo da oposição, com convocações para prestar esclarecimentos em comissões do Congresso.
Em outro tema, a relação com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o presidente não será obrigado necessariamente a tomar decisão, mas terá que administrar diferenças. Ministros como Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Márcio Macedo (Secretaria-Geral) mantêm diálogo e negociam com o movimento. Já o titular da Agricultura, Carlos Fávaro, afirma que não há sentido em haver invasão de terra durante a gestão Lula. Teixeira e outros cinco ministros — Padilha, Paulo Pimenta (Comunicação Social), Luiz Marinho (Trabalho), Wellington Dias (Desenvolvimento Social) e Márcio França (Portos e Aeroportos) — são esperados numa feira do MST em São Paulo neste fim de semana.
A pressão sobre o MST deve ampliar os constrangimentos do governo no Congresso, pois a oposição usará a CPI sobre o movimento, que deve ser instalada na semana que vem, como arma contra o Planalto.
Mensagem de paz
Lula tem buscado se preservar, guardando certa distância dos episódios de tensão. Ele não participou, por exemplo, das reuniões em que o governo cobrou fidelidade de PSB e PSD nesta semana. MDB e União Brasil serão os próximos da lista da reprimendas.
Como parte da estratégia, ontem, o presidente buscou distensionar a relação com a base e transmitir a mensagem de que respeita a autonomia dos parlamentares.
— Ninguém é obrigado a votar como o governo quer. O deputado pode pensar diferente, fazer uma emenda, mudar um artigo. Faz parte do jogo democrático. Não é o Congresso que precisa do governo. É o governo que precisa do Congresso — afirmou petista, durante um evento no Ceará.
Alguns embates já foram resolvidos. Num deles, o Ministério da Fazenda decidiu cobrar imposto de encomendas de até US$ 50 do exterior para pessoas físicas. Janja chegou a se envolver publicamente no caso e ajudou a convencer Lula a determinar que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, revisse a medida.
Outro ocorreu durante as discussões sobre a formulação do novo arcabouço fiscal, quando houve divergências entre a Casa Civil e a Fazenda sobre a forma de controle dos gastos. A equipe de Haddad queria regras mais rígidas de controle da dívida, e a de Rui Costa, mais espaço para investimento. Prevaleceu neste caso, com a anuência de Lula, a visão da Fazenda.
— Quando dois ministros antagonizam, cabe ao chefe do Executivo liderar a decisão. Desde a redemocratização isso aconteceu — diz a cientista política Carolina Botelho, da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).