As cadeiras de presidente da Câmara dos Deputados e do Senado federal, que novamente entram em disputa nesta quarta-feira (1º), carregam conforme reportagem de Ranier BragonDanielle Brant, da Folha, uma “maldição” para a maioria daqueles que as ocuparam.
A de se manter em evidência ou, mais difícil ainda, ascender politicamente em comparação à ex-função, que está entre as mais importantes da República.
Nenhum político que ocupou essas cadeiras na história recente conseguiu depois chegar à Presidência da República pelo voto direto. Isso só ocorreu há cerca de 100 anos, com três senadores da República Velha (1889-1930).
No atual período democrático, 20 dos 30 antecessores do deputado Arthur Lira (PP-AL) e do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) —que disputam a reeleição nesta quarta (1º)— passaram por estagnação política, declínio ou morreram pouco depois de deixar o mandato.
A perda ou iminente perda de poder é descrita na política por meio de algumas simbologias, como a de que até o café servido passa a ser frio, ou expressões como a síndrome do pato manco, mais comumente usada na política norte-americana para descrever a situação de presidentes em fim de mandato.
No caso da Câmara dos Deputados brasileira, uma metáfora usada por Ulysses Guimarães, que presidiu a Casa de 1985 a 1989, é repetida por Arlindo Chinaglia (PT-SP), que ocupou o mesmo posto do início de 2007 ao início de 2009.
A de que o presidentes da Câmara que volta ao rame-rame diário de um deputado comum é igual a um piano de cauda saindo do caminhão de mudança —todo mundo acha imponente, digno de respeito, mas ninguém sabe direito onde colocar aquilo.
“O determinante é como você chegou à presidência da Câmara e como você exerceu. Eu cheguei à conclusão de que às vezes mais importante do que você ganhar é como você ganhou. No meu caso, o que mais me sensibilizou foi o dia que eu presidi a última sessão. A hora que eu levantei da cadeira, eu fui aplaudido de pé. É aí que você sabe se você é respeitado ou não”, afirma Chinaglia.
O petista, que toma posse na quarta do seu oitavo mandato, tentou voltar ao comando da Câmara em 2015, mas, mesmo sendo o candidato oficial da presidente Dilma Rousseff (PT), perdeu no primeiro turno para Eduardo Cunha (MDB-RJ), que se tornou posteriormente o líder do processo que resultou no impeachment da presidente.
Os quatro antecessores de Arthur Lira passaram por situação parecida ou pior.
Marco Maia (PT-RS), que presidiu a Câmara no biênio 2011-2012, não conseguiu se reeleger deputado federal em 2018, saiu em período sabático no ano seguinte e, depois, virou diretor de uma fintech.
Seu sucessor no mais alto posto da Câmara, Henrique Eduardo Alves (MDB-RN) virou ministro do Turismo na gestão Dilma Rousseff, mas acabou preso em 2017 pela Operação Lava Jato. Tentou voltar à Câmara dos Deputados em 2022 para o seu 12º mandato, mas não se elegeu.
Eduardo Cunha (2015-2016) começou a assistir ao declínio político ainda na cadeira da presidência da Câmara.
Após liderar o impeachment de Dilma, foi afastado do cargo e do mandato pelo STF (Supremo Tribunal Federal), em maio de 2016, em meio às investigações da Lava Jato. Em setembro teve o mandato cassado pelo plenário da Câmara e, em outubro, foi preso.
Tentou voltar à Câmara nas eleições de 2022, desta vez por São Paulo, mas teve pouco mais de 5.000 votos e não se elegeu. Ele não quis dar entrevista.
Rodrigo Maia (RJ), que derrotou o centrão de Cunha e o sucedeu em 2016, foi um dos mais poderosos e longevos presidentes da Câmara.
Foram quatro anos, seis meses e 19 dias de comando —um mandato-tampão e dois completos—, o maior período ininterrupto desde Ranieri Mazzilli (1958-1965).
Nesse período, Maia foi, por exemplo, crucial para que Michel Temer (2016-2018) resistisse no cargo de presidente da República durante o escândalo da JBS, em 2017.
Já sob Bolsonaro, Maia conteve o andamento da chamada “agenda de costumes”, distribuiu uma profusão de notas de repúdio contra assanhos antidemocráticos do mandatário e capitaneou ações na área econômica, como a reforma da Previdência.
Ao ver seu candidato (Baleia Rossi, do MDB) ser derrotado por Lira em 2021, porém, o poder se esvaiu de uma hora para outra.
“Essa é a beleza da democracia, a alternância de poder. A pessoa, quando sai da presidência da República, cai no mesmo dilema. Eu acho que o grande desafio é você não ficar olhando para trás, compreender que aquele circo passou e que você tem que procurar outros caminhos”, afirmou Maia.
O deputado assumiu uma secretaria na gestão de João Doria, em São Paulo, não se candidatou em 2022 e afirma que voltará para a iniciativa privada a partir desta quinta-feira (2).
“Eu mesmo vim para São Paulo, foi um ótimo aprendizado. Agora estou indo para a iniciativa privada, e não deixei de ter meu espaço. Dei várias entrevistas desde que eu saí da da presidência da Câmara, dando a minha opinião. Então, continuo sendo um ator importante da política brasileira, sabendo que nada é comparável com a presidência da República, da Câmara ou do Senado.”
Voltando mais no tempo, há os casos de presidentes que morreram de forma inesperada pouco após deixar o poder (Ulysses Guimarães e Luís Eduardo Magalhães) ou que, assim como Cunha, tiveram o nome envolvido em suspeitas de malfeito ainda na cadeira ou logo após deixá-la (Ibsen Pinheiro, Severino Cavalcanti e João Paulo Cunha).
Ibsen foi uma das figuras centrais do impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992.
No entanto, teve o mandato de deputado cassado dois anos depois em meio ao escândalo dos Anões do Orçamento. Embora o STF tenha em 1999 arquivado por falta de provas o processo no qual ele era acusado de enriquecimento ilícito e sonegação fiscal, Ibsen jamais recuperou o status político.
Como exceções à “maldição”, é possível citar, entre outros, Michel Temer (MDB-SP) e Aécio Neves (PSDB-MG).
Ambos tinham forte ascendência sobre os seus partidos quando deixaram o posto. O primeiro se elegeu vice-presidente e, após ser um dos líderes do movimento pelo impeachment de Dilma, assumiu a Presidência.
O segundo, governou Minas Gerais por dois mandatos e se elegeu senador, chegando a quase vencer a disputa à Presidência da República, em 2014.
Ambos passaram por declínio político, mas muitos anos depois de deixarem o comando da Câmara.
Uma das explicações para a “maldição” das cadeiras de presidente da Câmara e do Senado é a de que elas representam um dos principais cargos da República, o que torna complexa a tarefa de manter ou ampliar o poder após deixá-la.
O presidente da Câmara é o segundo na linha sucessória da presidência. O do Senado, o terceiro. Além de chefiarem o Congresso, ambos têm em suas mãos o controle sobre projetos e temas que irão a voto ou serão engavetados, distribuição de relatorias e verbas do Orçamento aos parlamentares, entre outras funções.
No Senado, a lista de ocupantes da principal cadeira que conseguiram escapar de declínio político é mais extensa, como mostram os ainda hoje senadores Renan Calheiros (MDB-AL) e Davi Alcolumbre (União-AP), ambos mantendo ainda grande influência política no Congresso.
Mas a queda livre também é observada por lá.
Eunício Oliveira (MDB-CE), por exemplo, não conseguiu a reeleição para senador em 2018, quando ainda estava sentado na cadeira de presidente da Casa. Ele voltará ao Congresso a partir desta quarta, mas na condição de deputado federal. A Folha não conseguiu falar com o parlamentar.