Tudo é grandioso. A partir de hoje, as escadarias do Grande Salão do Povo, em Tiananmen (Praça da Paz Celestial), ficarão tomadas por 2.296 representantes (27% de mulheres) que deixaram todas as províncias e as regiões mais remotas da China para ajudarem a decidir o futuro da nação. A cada cinco anos, os delegados e os principais líderes do Partido Comunista da China — uma estrutura política de 96,7 milhões de integrantes — se reúnem em Pequim para renovarem seus quadros e traçarem as estratégias para as próximas décadas. A estrela do 20º Congresso do PCC será o presidente Xi Jinping, 69 anos, que deverá confirmar o terceiro mandato e se consolidar como o dirigente mais poderoso da China desde Mao Tsé-tung. Todos os olhos do planeta se voltam para uma nação de 1,4 bilhão de habitantes que, para confrontar a pandemia, aplicou rígidas medidas de lockdown e praticamente se isolou, dentro da política “covid zero” implementada por Xi.
Os delegados também elegerão os 200 membros do Comitê Central do PCC, os quais terão a incumbência de escolher os 25 integrantes do Escritório Político e os representantes do Comitê Permanente, a principal instância decisória da China. Detalhe: os integrantes do Comitê Permanente somente serão anunciados ao fim do encontro, em 22 de outubro. Neste ano, também haverá a escolha dos 11 membros da Comissão Militar Central — responsável por controlar o poderoso Exército de Libertação Popular — e dos integrantes da Comissão Central de Controle Disciplinar, responsável pelo combate à corrupção.
Em 18 de outubro de 2017, durante a abertura da última edição do Congresso, Xi fez um discurso de três horas e meia, no qual anunciou uma nova era do socialismo com características chinesas e uma maior abertura do país para o mundo. “Chegou a hora de nos colocarmos no centro do palco mundial e oferecermos uma contribuição maior à humanidade”, afirmou. “Somente o socialismo pode salvar a China e somente a reforma e a abertura podem desenvolver a China, o socialismo e o marxismo.” Na ocasião, Xi declarou que “a China não fechará suas portas ao mundo, ficará cada vez mais aberta”. Mas o governo não contava com a pandemia. Em 2018, a Constituição chinesa adotou uma referência ao “Pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas para uma nova era”. Na prática, a filosofia de Xi passava a ser comparada à do líder comunista Mao Tsé-tung (1949-1976).
Em entrevista ao Correio, Li Qi (leia Três perguntas para) — ministro conselheiro da Embaixada da República Popular da China no Brasil — explicou que o 20º Congresso do Partido Comunista Chinês é um evento de extrema importância para o país. “A cada cinco anos, o partido celebra um congresso nacional. Este será o primeiro depois da celebração do centenário do partido, em 2021. Mais de 2.200 representantes participarão do congresso e tomarão decisões relevantes sobre os rumos da nação e de que modo seguirá melhorando a vida de 1,4 bilhão de cidadãos. O evento também apontará quais serão as diretrizes e as novas metas, mas o objetivo será responder aos anseios do povo por uma vida melhor”, disse.
Com mais de 20 anos de carreira diplomática, Li lembrou que, na última década, como segunda maior economia do mundo, a China duplicou o Produto Interno Bruto (PIB), alcançou 18% do PIB global e manteve crescimento de 6,6%. “Enquanto todo o mundo observa a imensa magnitude econômica da China, nós priorizamos a qualidade do desenvolvimento, mais igualitário, inclusivo e inovador. Nos últimos 10 anos, nosso PIB per capita aumentou de US$ 6,3 mil a US$ 12 mil, o que significa maior poder aquisitivo. Eliminamos a pobreza extrema”, observou. “O país avança e daí vem a maior expectativa da sociedade pelo Congresso.”
“Homem forte”
Diretor do SOAS China Institute da Universidade de Londres — a maior comunidade de estudiosos chineses na Europa —, Steve Tsang afirmou ao Correio que, pela primeira vez desde a morte de Mao, não haverá troca de poder após dois mandatos, durante o Congresso. “Xi chega ao evento como um homem forte e não como o chefe de uma liderança coletiva”, destacou. “O presidente fortalecerá o próprio poder e o controle sobre o país. O quanto é a única questão. Quanto mais poderoso ele se tornar, maior o risco de ignorar os pontos de vista dos outros e de cometer erros políticos.”
Segundo Tsang, pouco importa quem será promovido ao Comitê Permanente do Politburo do Partido Comunista. “Todos eles são leais a Xi. Ninguém que não apresente obediência será admitido no topo do poder. O tema real será observar se haverá alguém jovem o suficiente para ser visto como potencial sucessor.”
Para Bonnie Glaser, diretora do Programa Ásia do think tank German Marshall Fund of the United States (sediado em Washington), o significado mais importante desse Congresso é a concessão de um terceiro mandato a Xi Jinping, possivelmente de caráter vitalício. “É provável que Xi traga para o Politburo e para o Comitê Permanente vários de seus partidários”, afirmou a especialista, por e-mail.
Eu acho…
“Sob a perspectiva de Xi Jinping, o socialismo de características chinesas, implementado em 2017, funciona perfeitamente. Da perspectiva de um chinês que apenas deseja mais liberdade para fazer as coisas, gozar da liberdade e ser respeitado pelas autoridades, ele tem sido algo ruim. Sob a perspectiva da manutenção da paz no mundo e no leste da Ásia, tem sido muito ruim.”
Steve Tsang, diretor do SOAS China Institute da Universidade de Londres
“Durante o 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, Xi poderá assumir o título de presidente da legenda, o qual tinha sido abolido em 1982. O pensamento de Xi também pode ser formalizado na Carta da Partido. A principal mensagem do congresso será a de que o Partido Comunista, com Xi no comando, lidera com sucesso a China no caminho do rejuvenescimento nacional.”
Bonnie Glaser, diretora do Programa Ásia do think tank German Marshall Fund of the United States
Três perguntas para…
Li Qi, ministro conselheiro da Embaixada da China no Brasil
Como vê o impacto do lockdown sobre as decisões do Congresso do Partido Comunista Chinês?
A pandemia da covid-19 é algo inédito e um imenso desafio para todo o mundo, que ainda conhece pouco sobre o vírus. Os últimos dois anos e meio foram um tempo limitado para os estudos científicos. A humanidade também tem pouca experiência em fazer frente a uma pandemia dessa magnitude. Pouco a pouco, ela explorará uma forma de combater a pandemia e proteger a si mesma. Nesse processo, cada país tem suas próprias condições e adota medidas próprias. A China opta por priorizar a saúde da população. Defendemos a ideia de que algumas coisas podem ser recuperadas; outras, não, como a vida humana. A China é um país muito populoso. Se a pandemia golpeia a nação, haverá milhões de famílias impactadas. Jamais colocaremos a saúde de tanta gente à prova. Por isso, colocamos uma séria política de controle da pandemia. Tampouco deixamos de lado a economia e a vida normal das pessoas. Enquanto tratamos de controlar a pandemia, nos esforçamos por estabilizar e reativar a economia. Não é algo fácil, mas assumimos esse desafio com todos os esforços. Felizmente, a economia chinesa passa por uma sólida fase. Temos plena confiança de que, com o uso de novas tecnologias, o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, e uma gestão pública mais precisa, vamos superar a pandemia sem arriscar a saúde pública e, ao mesmo tempo, mantendo o crescimento econômico.
Qual é a importância da escolha dos novos membros do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista?
O Congresso renovará o conselho diretivo do partido. Os mais de 2.200 representantes o elegerão, por meio do voto democrático. A China tem sua forma própria de capacitar, eleger e empoderar funcionários e dirigentes. Essa forma tem origem na cultura e na história de longa data. Usamos a palavra chinesa “Xuanba”, que significa “selecionar por mérito e eleger pela democracia”. É um termo um pouco diferente de “Xuanju” (“eleger”). Por esse sistema, os líderes eleitos sempre contam com destacadas experiências e com o apoio da sociedade. Esperamos com paciência e confiança os resultados do Congresso. Por meio da internet, o Partido Comunista Chinês fez um convite público à sociedade para que compartilhasse sugestões com o Congresso. Mais de 8,4 milhões de comentários foram enviados.
O presidente Xi prometeu uma maior interação da China com o mundo. A China tem sido bem-sucedida nesse sentido?
O mundo é complexo, mutável e com adversidades. Fala-se de “ismos”, como capitalismo, socialismo, liberalismo, etc. Cada país tem o direito soberano de seguir e aplicar o “ismo”. A responsabilidade do Estado, do governo e dos partidos políticos é desenvolver o país e melhorar a vida da população. A China tem seu sistema, sua ideologia, sua teoria e seu caminho. Mas o objetivo é o mesmo de outros países: desenvolvimento e bem-estar do povo. A diplomacia chinesa se fundamenta nesse consenso. Buscamos convergências, superar as divergências. A convergência é estabelecida na base da cooperação e no desenvolvimento compartilhado. A divergência é superada com respeito mútuo e diálogo de igual para igual. Essa é a visão da China para o mundo. No mundo cheio de desafios, defendemos a paz, a estabilidade , o respeito, o diálogo, a cooperação e o multilateralismo.