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Presidencialismo de mudanças em 2019?

quinta-feira 30 de agosto de 2018 às 11:04h

Chegou a hora da campanha para a sucessão presidencial no Brasil. Depois da campanha de 1989, que demarcou o início da Era da predominância do contrato social da Constituição de 1988, essa agora é, historicamente, a mais importante dos últimos 30 anos. Os brasileiros esperam que ela venha a significar a demarcação de uma nova Era de construção de um novo contrato social, ao longo do quadriênio 2019-2022 – e depois.

Nesta direção, o curto período político-eleitoral de eleições gerais e sucessão presidencial precisa caracterizar-se por um debate que conduza à inauguração de uma nova agenda de restauração do Estado brasileiro. Num processo a ser deslanchado no período 2019-2022, com a instalação de um novo governo legitimado pelas urnas. Trata-se de um processo histórico de restauração e de busca de conexão entre o poder político e a sociedade e o espírito da época no Brasil. Uma ordem de mudanças constitucionais, infraconstitucionais e microeconômicas. O espírito da época é o espírito das mudanças e das reformas.

O próximo presidente do Brasil poderá perder força e poder muito cedo se não anunciar os termos de uma agenda de mudanças, a partir de sua diplomação ainda em 2018. É fundamental um choque de confiança à sociedade e ao mercado. Já a partir daí, ainda antes da posse, o Presidente eleito vai precisar usar a força da sua legitimidade, advinda das urnas, para enviar e aprovar no Congresso a Reforma da Previdência, provocando na partida uma reversão de expectativas. Aprovar pelo menos a idade mínima e uma reforma minimalista. A ser depois aperfeiçoada ao longo de 2019, para sinalizar ao mercado a mudança de ambiente político e o compromisso com o crescimento econômico com geração de empregos.

Este gesto inicial é crucial para construir capital simbólico, capital social e capital político para a garantia da governabilidade.

Sem este ímpeto por uma agenda de mudanças, respaldado pelas urnas e articulado com o Congresso Nacional, com noção acurada de “timing político”, o novo presidente poderá perder condições de governar o País. Provavelmente eleito com minoria dos votos dos brasileiros, ao mesmo tempo em que o Congresso poderá ter baixa taxa de renovação e forte presença do chamado Centrão, o presidente terá baixa legitimidade.

Vai ter que conviver com um parlamentarismo branco. Isso tudo sem ter a maioria da sociedade ao seu lado e diante de um quadro de politização do judiciário e de fragilidade do sistema de pesos e contrapesos entre os três poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário.

Será urgente a implementação gradual, consistente e sincronizada de uma agenda pactuada de reformas constitucionais e infraconstitucionais – incluindo a desconstitucionalização de temas de políticas públicas, inclusive de gestão econômica. Será fundamental, ainda, a operacionalização de novas mudanças microeconômicas para a melhoria do ambiente econômico e da produtividade. São, todas, mudanças necessárias para a retomada do desenvolvimento sem a síndrome do voo de galinha.

Sem tais iniciativas de tais agendas, o Brasil poderá exacerbar um quadro já quase estrutural de crise política, crise econômica e anomia social – vale dizer, em última instância, de crise de Estado. Para além de figuras de
retórica, todos nós sabemos que é disso que se trata.

É preciso sair dessa armadilha. Por isto, é preciso pensar fora da caixa. Já a partir da campanha política a ser iniciada agora. Não bastará prometer a entrega e melhoria dos serviços públicos. A capacidade de entregar é, sim, um requisito essencial para a legitimidade de uma candidatura presidencial vitoriosa. As entregas são as grandes demandas concretas dos brasileiros. Será preciso ser crível na demonstração de capacidade de entrega. Mas, além disso, é preciso apontar um rumo para o Brasil.

O brasileiro quer rumo, para além do bolso, do emprego, da renda, dos serviços de saúde, segurança, educação e infraestrutura. Quer, e precisa, voltar a acreditar no Brasil: como projeto de Nação e como lugar para viver.

Para onde vai o país? Quem terá capacidade de criar e comunicar uma narrativa com poder de convencimento e aceitação da sociedade? Qual candidatura terá condições de amealhar e aglutinar capital simbólico, capital social e capital político para apontar o rumo da estabilidade econômica, da estabilidade política e da (re)inclusão social, reconstruindo laços de confiança entre a sociedade e o poder político? Comunicar-se com a nação, com a sociedade civil organizada e com as pessoas desorganizadas e os fluxos das redes sociais e dos grafos sociais.

Tudo isso precisa ser construído e amalgamado por uma forte atitude política que venha, na campanha e depois, a forjar a possibilidade de um ambiente de mudanças, articulando e implementando as reformas possíveis e necessárias para o país. Uma vontade socialmente construída de mudar o que precisa ser mudado, a partir da ascensão de uma nova coalização politicamente dominante respaldada pelas urnas: vale dizer, um novo bloco no poder.

O ímpeto de mudanças advirá da formação e da legitimidade desse novo bloco de poder. Um bloco de poder com força suficiente para restaurar o Estado brasileiro: para além do sistema de partidos políticos, bloco de poder, na definição cirúrgica de Fernando Henrique Cardoso, “é algo que engloba, além dos partidos, os produtores e os consumidores, os empresários e os assalariados, os cientistas e os criadores de cultura, e que se apoia também nos quadros civis e militares das grandes carreiras de Estado”.

Ao novo presidente eleito será necessário conquistar o apoio do Congresso para esse atuar com lógica de reformas e mudanças, num “modus vivendi” parlamentarista. Sistematizando e reencaminhando, gradualmente ao longo de 2019, as iniciativas legislativas relevantes que estão “adormecidas” na Câmara e no Senado.

Entretanto, este apoio congressual será necessário, mas não suficiente. O governo que vai ser formado vai precisar ter conexão com a sociedade e expressar a natureza do novo bloco de poder. Ter diálogo permanente com os segmentos representativos da sociedade civil organizada; ter capacidade de alcançar e comunicar-se com as pessoas desorganizadas; e ter meios para dialogar com as algaravias dos fluxos das redes sociais. Ou seja, atingir os segmentos sociais que vão amalgamar o novo bloco de poder. Para além do Congresso, a formação da agenda do país precisa passar pela sociedade.

Hoje, o bloco de poder tem como espinha dorsal a predominância de parte da burocracia estatal – no Executivo, no Judiciário e no Legislativo – que se articula para conquistar e preservar benefícios e direitos, e parte do empresariado, que se articula para conquistar e preservar isenções, subsídios e desonerações.

Essa percepção e consciência de que a mudança requer o capital político respaldado em novo bloco de poder precisa guiar a narrativa da campanha e da liderança que, uma vez vitoriosa nas urnas, vai governar o Brasil. As mudanças e reformas necessárias no país vão mexer no cerne do pacto de poder vigente e provocar fortes conflitos distributivos a serem mediados e superados pela via do embate congressual e pela força política do novo presidente. Sem capital político, capital simbólico e capital social, o novo presidente não vai conseguir refazer o pacto de poder e o rearranjo das forças sociais.

O caminho da mediação do conflito distributivo (quem fica com que na divisão do bolo) passa também pelas decisões do Orçamento da União e pela “verdade orçamentária”. Hoje, o orçamento público está capturado por interesses corporativos e por fortes resquícios do capitalismo de laços. A verdade orçamentária passa pela adoção do orçamento base-zero e pelo escrutínio dos gastos públicos. Vai gerar fortes conflitos e resistências poderosas.

A opção, socialmente legitimada nas urnas, pelo “presidencialismo de mudanças” e pela verdade orçamentária que mostre ao país quem fica com que, vai ter como resultante uma agenda para o país. Essa agenda precisa ser construída na perspectiva da necessidade de ter efeitos estruturais pertinentes, numa ordem política de restauração do Estado.

No plano político, é preciso desatar o nó górdio da desconexão da representação política com a sociedade organizada, com as pessoas desorganizadas e, mais difícil ainda, com os fluxos das redes e grafos sociais. Lidar com o fortalecimento e restauração das instituições e com as possibilidades de “dialogar com os fluxos”.

Além do fim das coligações proporcionais a partir de 2020 e da implantação gradual da cláusula de barreira a partir de 2018, há que se retomar o projeto do sistema distrital misto, de inspiração alemã. Esse sistema proporcional de voto misto, como se sabe, melhora a proporcionalidade da representação do eleitorado, além de aproximar mais os eleitores dos eleitos e diminuir os custos das campanhas políticas. O adensamento dos partidos e a adoção do distrital misto tornam possíveis eleições mais baratas e torna factível a adoção do financiamento misto de campanhas, com regras bem definidas e com monitoramento online pela Justiça Eleitoral.

Ainda no plano político-institucional, será importante encaminhar uma reengenharia do pacto federativo. Incluindo-se, aí, a fusão de municípios fiscalmente inviáveis e a descentralização de recursos e encargos, na direção do deslocamento do centro de poder. Para superar os problemas do federalismo assimétrico e concorrente que está em vigor e que acarreta superposição administrativa na prestação dos serviços e baixa capacidade de mediação política e administrativa dos municípios brasileiros.

No plano socioeconômico, a imediata retomada do crédito e do consumo, alavancada pelos bancos públicos no primeiro momento, poderá estimular a retomada do crescimento pela diminuição do hiato de produto. Esta retomada poderá ter o efeito real da reversão das expectativas e do retorno dos investimentos, colocando a economia para girar outra vez.

Ao mesmo tempo, ao longo de 2019, o destravamento, revisão e aprofundamento do programa de investimentos em infraestrutura poderá estimular a melhoria da produtividade e da taxa de crescimento, retomando o sentimento de bem estar na sociedade e acumulando forças políticas para repactuar com o Congresso Nacional uma agenda de reformas em 2019 e 2020: a continuidade da reforma da Previdência; a reforma tributária; a reforma do Estado; a agenda do pacto federativo; e as medidas microeconômicas.

Tudo somado, o que é preciso é o exercício da liderança política, reconstruída pela campanha política e pela legitimidade das urnas, com respaldo em novo bloco de poder, para o País sair da armadilha do jogo de soma zero e da autofagia do ódio e ingressar na retomada do caminho da sustentabilidade, do bem estar e da (re) inclusão social. Utopia? “Wishful thinking”? Não necessariamente. Não, se a nova liderança advinda das urnas e da formação de novo bloco de poder ganhar a coragem necessária para liderar as mudanças com respaldo
da sociedade.

Com a palavra os presidenciáveis. O Brasil é uma nação viável, mesmo com o fim próximo do bônus demográfico. É um país com instituições resilientes às crises e às constantes ciclotimias e “solavancos” dos ciclos políticos. Celeiro do mundo, com um agronegócio de alta produtividade. Com recursos naturais – água, biodiversidade, clima- ainda abundantes. Com um povo criativo e trabalhador. Com eixos de clivagens sociais e políticas “manejáveis” no âmbito das instituições vigentes de uma jovem democracia em processo de democratização e de convivência, sem rupturas, com as ondas de populismo.

Se a nova liderança, legitimada pelas urnas, articular e acionar com sabedoria política os canais de mediação política da democracia representativa. Se, ao mesmo tempo, articular canais e fóruns extraeleitorais de mediação, participação e diálogo com associações civis, movimentos cívicos e redes socais. Aí, aí sim, poderá ser possível espantar o fantasma do retorno do complexo de vira-lata nos brasileiros; refazer laços de confiança nas relações interpessoais; e, o que é fundamental, reconectar a sociedade com o poder.

 

Por Antônio Carlos de Medeiros, pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science

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