Uma foi a primeira medalhista olímpica do voleibol feminino na história do Brasil e trabalhou durante décadas com políticas públicas do esporte. O outro é filho do prefeito de Alto Alegre do Pindaré, município de 30 mil habitantes no interior do Maranhão. Mesmo assim, no último dia 13, o deputado federal André Fufuca (PP-MA) substituiu a ex-atleta Ana Moser no comando do Ministério do Esporte, pasta com orçamento de R$ 1,2 bilhão para este ano.
Levantamento do Estadão mostra que a substituição no Esporte segue um padrão mantido pelos últimos cinco governos, desde 2007: ministros de perfil “técnico”, sem filiação partidária, duram menos no cargo que os colegas filiados a partidos – e que tendem a ter o apoio das respectivas bancadas no Congresso.
De 2003 a 2022, 340 pessoas passaram pelo cargo de ministro de Estado. Aqueles que não eram filiados a partidos duraram, em média, quatro meses a menos no cargo. Segundo especialistas e ex-ministros ouvidos pela reportagem, o motivo é simples. Presidentes da República frequentemente precisam ceder espaço no primeiro escalão para obter apoio dos partidos no Congresso, e é mais fácil demitir um ministro sem partido do que o representante de uma bancada.
Assim como ocorreu com Ana Moser, o apetite de partidos do Centrão alcançou outra pasta comandada por uma técnica. Ao longo do mês de junho, o Progressistas negociou com o Palácio do Planalto a substituição da ministra Nísia Trindade por um nome do partido. Nos bastidores, chegou-se a cogitar o deputado federal Doutor Luizinho (PP-RJ), atual secretário de Saúde do Rio de Janeiro – mas o governo não cedeu.
Além de durarem mais no cargo, os ministros partidários também são maioria: cerca de 71% dos 340 membros do primeiro escalão. Na média, os ministros brasileiros permanecem por 551 dias no cargo, ou um ano e meio. Aqueles com filiação partidária ficam no posto, em média, por 582 dias. Já os sem partido duram apenas 470 dias. A regra se manteve para cinco dos seis governos do período, analisados pelo Estadão. A exceção foi o primeiro mandato de Lula, de 2003 ao fim de 2006, quando os ministros sem filiação partidária duraram mais no cargo que os colegas filiados a partidos. Jornalista e ex-ministro da Secretaria de Comunicação (Secom) de Dilma Rousseff (PT), Thomas Traumann diz que a sobrevida mais curta dos ministros sem apoio dos partidos políticos era esperada.
“O sistema brasileiro obriga o presidente a montar amplas alianças partidárias para sustentar sua base no Congresso. Em troca desse apoio nas votações, os partidos ganham cargos e emendas. Por isso, ministros indicados por partidos devem seus cargos não ao presidente, mas à sua bancada”, disse. “Enquanto mantiverem sua bancada satisfeita, ficam no cargo não importando a opinião do presidente”, afirmou Traumann.
Nem todas as cadeiras são iguais, porém. “Há exceções. Os ministros da Casa Civil e da Fazenda precisam ser uma indicação pessoal do presidente, numa relação pessoal de confiança. Quando isso não acontece (como com Dilma/Levy e Bolsonaro/Ciro Nogueira) é um sinal da fragilidade do governo”, disse Traumann, que é autor de um livro sobre a trajetória dos ministros da Fazenda (O Pior Emprego do Mundo, da ed. Planeta).
Para Marco Antonio Carvalho Teixeira, pesquisador do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV), o presidente Lula sabe que tem um desafio maior para definir os nomes nas pastas. “Nos dois governos anteriores (de Lula) não houve processo de impeachment nem Lula foi preso. A dependência do Legislativo para ele era menor”, afirmou.
O desafio apareceu especialmente no segundo governo Lula (2007-2010), quando o petista precisou garantir a votação para reformas. Ali, houve mudanças significativas, quando Lula tirou nomes ligados à esquerda das pastas de Integração Nacional e Cidades, por exemplo, para entregar ao então PMDB (hoje MDB).
O resultado aparece nos números. O segundo mandato do petista foi o mais estável desde 2003 até 2022, pelo menos do ponto de vista dos integrantes do primeiro escalão. Naquele período, a sobrevida média de um ministro de Estado foi de 733 dias, ou pouco mais de dois anos. Já no governo Bolsonaro, os ministros permaneceram em média 589 dias, ou pouco mais de um ano e meio.
Marco Antonio Carvalho Teixeira aponta que o ônus de demitir alguém da cota pessoal é muito menor. “Os novos ministros são mais seguros porque não são facilmente demissíveis”, disse. “Para Lula, foi fácil demitir Ana Moser, porque era cota pessoal dele. Com Márcio França, ele não pode. Ele precisou criar um novo espaço para ele para dividir com o Centrão.”
Para um ministro de Estado, segurar-se no cargo até o fim do governo não é tarefa fácil. Dos 240 ministros de Estado, só 37 (ou 15,4%) conseguiram se manter na Esplanada durante todo o mandato presidencial – incluindo aqueles que atuaram nos governos “curtos” do segundo mandato de Dilma (2015-2016) e de Temer (2016-2018). Desses, só 12 eram pessoas sem ligação com partidos. Apenas cinco pessoas conseguiram repetir o feito duas vezes: os petistas Celso Amorim, Guido Mantega, Paulo Bernardo e Tereza Campello, e a bióloga e pesquisadora Izabella Teixeira, que não tem filiação partidária.
Responsabilidade compartilhada com partidos políticos
A doutora em Ciência Política Graziella Testa lembra que os partidos políticos também têm uma parcela de responsabilidade em indicar representantes capacitados para os ministérios.
“Essa cobrança precisa ser feita para o Executivo, evidentemente, para que o presidente da República busque, entre os aliados, aqueles que têm uma expertise e uma capacidade técnica relevante, mas tem de recair também sobre os partidos políticos.”
“Cabe aos partidos políticos escolher para os ministérios as pessoas, dentro dos quadros deles, que têm esse tipo de expertise. E isso a gente tem muita pouca cultura de fazer no Brasil, mas existem alguns casos emblemáticos, sobretudo no Ministério da Saúde”, afirmou.
Graziella Testa ressalta que nem sempre as diferenças entre “técnicos” e “políticos” importam tanto. “Essa divisão entre ‘técnico’ e ‘político’ não é tão clara e definida. Existem políticos que têm background técnico; e os técnicos têm seus posicionamentos políticos. Podem não ter filiação partidária, mas certamente têm uma inclinação política, uma ideologia”, disse.
Talvez, o prejuízo maior não seja nem a troca de ministros, e sim essa coisa de ficar aumentando e diminuindo o número de pastas ministeriais, criar novos ministérios, remanejar estruturas entre eles
Cristiano Noronha, analista político e vice-presidente da consultoria Arko Advice
O analista político Cristiano Noronha lembra que os ministérios contam hoje com um corpo técnico concursado e capaz de manter a máquina pública funcionando, mesmo com as trocas de dirigentes.
“Até mesmo o orçamento disponível para cada pasta gastar com suas políticas já está definido anualmente (…). Talvez, o prejuízo maior não seja nem a troca de ministros, e sim essa coisa de ficar aumentando e diminuindo o número de pastas ministeriais, criar novos ministérios, remanejar estruturas entre eles. Isso é bem pior do que a troca de ministros”, disse Noronha, que é vice-presidente da consultoria Arko Advice.
Ministros com mais tempo na função
Conhecido pela lealdade a Lula, Celso Amorim é a pessoa que mais tempo passou como ministro de Estado. Foram mais de 11 anos na função, sendo 8 deles como ministro das Relações Exteriores de Lula, e quase quatro como ministro da Defesa do primeiro mandato de Dilma, posto ao qual chegou em agosto de 2011 sucedendo a Nelson Jobim. Em seguida, vêm Guido Mantega (10 anos e meio), Paulo Bernardo (quase 10 anos), Patrus Ananias (7 anos e meio) e Fernando Haddad (cerca de seis anos e meio). O primeiro não petista da fila é Edison Lobão (MDB), com pouco mais de seis anos no posto.