Apesar dos avanços recentes, ainda há muito a se fazer para atrair o interesse dos investidores do mercado de capitais no Brasil para o setor de mineração, particularmente aqueles projetos que ainda estão em fase de pesquisa mineral, sem geração de caixa. Esta foi uma das conclusões do painel “Por que investir no setor mineral no Brasil?” durante o Brazilian Mining Day, evento organizado pela Adimb durante o PDAC 2024, realizado em Toronto, de 3 a 6 de março. O painel foi coordenado pelo Head-South America da Toronto Stock Exchange, Guillaume Lègaré, e contou com a participação de Ricardo Fonseca, da Genial Investimentos, Leonardo Barbosa Resende, executivo da B3, João Paulo Braga Santos, diretor-presidente da Invest Minas e Pedro Paulo Mesquita, gerente de Mineração e Transformação Mineral do BNDES.
Iniciando as discussões, Ricardo Fonseca disse que o cenário atual de investimentos em mineração passa por três pilares. Primeiramente está o fator geopolítico, em que se vê o mundo dividido em duas superpotências, cada uma buscando seus minerais ao redor do mundo. “Vemos as restrições da China sendo levantadas, muito recentemente, em terras raras e em grafite, no final do ano. Do outro lado, vemos a Rússia em guerra com a Ucrânia, atrapalhando o cenário mundial dos fertilizantes. Portanto, o fator geopolítico é muito importante, atualmente”. O segundo fator, em sua opinião, é o da eletrificação, que já é uma realidade. “Gostemos ou não, o mundo vai estar eletrificado. Acho que não é mais uma questão de saber se o mundo vai ser ou não vai ser eletrificado, mas de quando essa eletrificação vai acontecer. Então, acho que este é um papel do setor privado. O terceiro pilar para mim seria saber onde os direitos minerais estão sendo alocados no mundo”. Neste caso, divide-se o mundo geograficamente em três: a Australásia, com predominância da China, a América do Sul, mais alinhada com Estados Unidos e Europa, e a África, onde é um desafio operar. “Quem já opera, operou, ou viveu na África, sabe que, se alguém tem um cliente preocupado com o ESG, não consegue comprar cobalto no Congo”.
Para ele, quando se compara com outros países produtores, como África e Indonésia, o Brasil está mais bem estruturado, tem uma economia e uma democracia estáveis e uma cultura mineral, já que todas as grandes empresas mineradoras operam no Brasil há décadas, o que é muito importante. Para Fonseca, a pergunta a se fazer não é “por que investir no Brasil?”, mas como investir no Brasil. Como a Faria Lima (centro financeiro) se aproxima da mineração, como já aconteceu com o campo (agronegócio).
Ele diz que há um gap enorme de conhecimento em relação à mineração, tanto de um lado quanto do outro, para se poder trazer o dinheiro da Faria Lima, dos investidores, para a pesquisa mineral. “Por que hoje o empreendedor mineral, além de descobrir o direito mineral, tirar a licença, colocar o projeto de pé, fazer EIA-Rima, ainda tem que pegar um avião, colocar terno e gravata e ir para Toronto, levantar dinheiro?”.
O executivo menciona que recentemente mais de 20 companhias australianas vieram investir no Brasil, o que ele considera ao mesmo tempo positivo e negativo. Positivo, porque há empresas motivadas a investir no Brasil. E negativo, porque não se pode ficar 100% dependente de empresas estrangeiras. É preciso haver maior participação do investidor local. “Como comunidade financeira, temos que trazer para o empreendedor mineral toda a facilidade para ele poder fazer o que sabe melhor, que é sondar, encontrar, desenvolver ativos minerais. E temos que facilitar que esse dinheiro saia da Faria Lima e chegue no campo, na atividade de sondagem, nos estudos”.
Respondendo a questionamento de Guillaume Lègaré sobre o potencial da B3 ter mais empresas de mineração listadas, o executivo da bolsa brasileira, Leonardo Resende, disse que a B3 tenta construir um ambiente que permita o financiamento do setor de mineração na fase de junior mining companies de forma complementar, até acessória, à bolsa de Toronto. “Afinal de contas, de 2020 até 2023, as companhias listadas na B3, de todos os setores, levantaram mais de R$ 1,5 trilhão e há 200 novos investidores institucionais na bolsa, com mais de 2 trilhões de ativos sob sua gestão.
Então a B3 tem diversificação e apetite para receber essas companhias. A grande pergunta que fazemos é porque as junior companies, que no mercado de capitais brasileiro se encaixam na categoria de pré-operacionais, não conseguem se financiar na bolsa do Brasil”. Ele afirmou que existe apetite por parte do investidor brasileiro pelo setor de mineração e um exemplo são os BDRs da Sigma Lithium, que tem negociado quase R$ 1 milhão/dia. “Então existe apetite do investidor brasileiro pelo setor de mineração. Mas precisamos traduzir para ele, para o investidor, o risco geológico e o risco do investimento”.
Pedro Paulo Mesquita, do BNDES, disse que há muita oportunidade no Brasil, como a Província Mineral de Carajás, “que é reconhecida como uma das mais abençoadas do mundo em termos de riqueza geológica e onde ainda há muito por se descobrir”. Ele acrescentou que a mineração subterrânea no Brasil ainda está começando. “O Brasil tem uma combinação única de características transversais que favorecem a mineração. Eu queria fazer destaque específico para o nosso sistema energético interligado. Nós temos um sistema interligado nacional com 92% de energia renovável. Além disso, o Brasil tem uma estabilidade política combinada a sistema de licenciamento ambiental validado. Isso também nos coloca numa posição de fato bastante diferenciada. E por terceiro ponto, temos o mercado de capitais, que já está avançando”.
Ele acrescentou que, pelo lado do BNDES, têm sido feitas discussões com os investidores, que hoje estão em nível mais avançado. “Já vemos amadurecimento no mercado de capitais brasileiro para isso. Quando nós também trouxemos a iniciativa da Rede Invest Mining, foi pensando justamente em como agregar esforços. Então, acredito que estamos no momento excelente para avançar para um mercado de capitais muito mais participativo na viabilização de projetos de mineração do País”.
João Paulo Braga, diretor-presidente da Invest Minas, disse que o estado de Minas Gerais tem sido muito proativo na promoção dos investimentos em mineração, talvez como reação ao momento muito difícil pelo qual passou a mineração em Minas Gerais alguns anos após Mariana, especialmente após Brumadinho, referindo-se aos dois acidentes mais recentes com barragens de rejeito. E num contexto em que havia grandes dificuldades para licenciar empreendimentos minerais, especialmente porque o técnico do órgão licenciado tinha receio de ter o seu CPF comprometido, o que gerou um contexto de quase paralisia no licenciamento ambiental. Isto é grave, em sua opinião, porque se trata de uma indústria cuja cadeia responde por cerca de 20% do PIB do estado de Minas Gerais. “Esse movimento de reação vem num contexto em que o mundo está buscando exatamente o que nós, em Minas Gerais, temos para oferecer. Minas é uma tabela periódica em forma de estado. Isso nos permitiu superar as adversidades e colocar o estado no Spot Light de investimentos, a começar pelo lítio”, disse ele.
O executivo acrescenta que, em 2023, o Vale de Jequtinhonha, que sempre foi uma das regiões menos desenvolvidas do Brasil, conhecida como Vale da Fome, despontou como uma das principais províncias de lítio do mundo. Apesar do potencial, nunca se tinha olhado para aquela região no sentido de alavancar o seu desenvolvimento a partir da riqueza mineral. “E nós fizemos isso, há pouco mais de ano, quando lançamos o nome Lithium Valley Brasil. E de lá para cá, os resultados têm sido muito significativos. Já captamos mais de R$ 5 bilhões em investimentos para projetos de lítio na região do Vale de Jequitinhonha. E a projeção que fazemos, com base nos processos que temos acompanhado, é que isso chegue em R$ 30 bilhões até 2030, provavelmente. E quando nós olhamos o número de processos minerários na Agência Nacional de Mineração, de um ano para cá o número de processos de lítio no Jequitinhonha mais do que triplicou. A região, que sempre foi uma das menos dinâmicas do Brasil, terminou o ano de 2023 como a região de Minas Gerais (são dados da junta comercial), que mais teve abertura de empresas. Como reflexo desses investimentos na cadeia da mineração, há uma dinamização dos pequenos negócios, como hotéis, restaurantes etc. Agora estamos ampliando um pouco o discurso para captar mais oportunidades, porque Minas Gerais é lítio, mas também silício. Temos, a partir da produção do quartzo, a extração do silício. 5% do market-share de silício metálico do mundo sai de Minas Gerais a partir de três ou quatro empresas que produzem ali. O silício está na rota do painel solar, que a China domina 90%. Mas se um produtor de placas solares nos Estados Unidos comprar matéria-prima da China, não consegue fazer uso dos incentivos proporcionados pelo Reduction Inflation Act. E num cenário em que os Estados Unidos têm que multiplicar em cinco vezes, até 2028, a capacidade de geração de energia solar para atingir o que está estabelecido dentro do plano”.
João Paulo aponta também o potencial das terras raras na Caldeira de Poços de Caldas, com custos de extração bem menores do que em outras regiões do mundo.
Respondendo à pergunta de Guillaume Lègaré sobre como realmente aproveitar o mercado local nos próximos anos, com a questão da transição energética, Ricardo Fonseca opinou que se deve fazer, no Brasil, algo similar ao que foi feito no Canadá, embora considere que montar um ecossistema desses não é fácil. Ele salientou que, para as junior mining companies, o setor bancário vai exigir garantia corporativa, de balanço. Além disso, o setor financeiro no Brasil hoje não está preparado para atender a esse tipo de empresa. Não há analistas que cubram o setor de junior mining companies, embora haja aqueles que cobrem empresas como Vale, CSN, Votorantim. “É preciso ter analistas que saibam analisar o resultado de um furo de sondagem e qual o impacto desse furo sobre a ação de uma companhia”.
Ele acrescenta que o fundo anunciado pelo BNDES é de suma importância, porque traz atenção e dinheiro para esse mercado, o que hoje não existe. E elenca outros pontos que podem ajudar o mercado citando como exemplo dívida incentivada para a mineração, como forma de atrair o dinheiro que hoje está aplicado em renda fixa para a mineração, ressalvando que, neste caso, só vale para projetos operacionais.
Para Leonardo Rezende, da B3, não há uma solução única para o mercado brasileiro e para que as instituições financeiras invistam em junior mining companies. Ele salienta que talvez se consiga captar reduzindo o tamanho das captações, mas que provavelmente a B3 terá que atuar de forma complementar, ou seja, primeiro as empresas captam na bolsa de Toronto ou em outras que se especializaram em mineração e depois complementem o financiamento através da bolsa brasileira. Ou seja, talvez o caminho seja mesmo o da dupla listagem.
Ele acrescenta que atualmente, pela regulamentação, não há nenhum entrave para o ingresso de uma empresa de mineração na B3. A questão, portanto, está na visão do investidor, como ele consegue informação suficiente para avaliar o risco. No Canadá, essa resposta é dada pela NI-43.101 e pelos geólogos que fazem análise na bolsa. É este ecossistema que ainda falta desenvolver no Brasil. “Quando perguntamos ao investidor sobre o seu apetite pelas junior mining companies, eles perguntam: mas quem vai me dar a informação técnica? Porque eu não entendo muito bem. Então, falta esse suporte para dar o conforto ao investidor no sentido de que ele está colocando o seu dinheiro em algo que é idôneo, embora com risco, que é mensurável. Acho que a resposta é trazer informação para o investidor de uma forma padronizada, para que ele consiga mensurar”.
João Paulo, do Invest Minas, afirmou que há carência de maturidade não apenas no desenvolvimento do mercado de capitais, mas também na parte técnica do desenvolvimento dos projetos, mencionando que há detentores de projetos que não estão estruturados adequadamente para levar adiante seus empreendimentos e sequer dão ao mercado de capitais a oportunidade de fazer as perguntas que precisam ser feitas. Para ele, deve haver um ecossistema, uma cadeia de serviços especializados, com capacidade técnica para levar os projetos adiante.
Perguntado sobre os próximos passos a serem dados para concretização do Fundo proposto pelo BNDES, Pedro Paulo Mesquita disse que o fundo tem o papel também de aglutinador para impulsionar, de fato, o ecossistema de investimento para trazer novos investidores que atuam no Brasil. mas que ainda não analisaram uma tese de investimento na mineração. Ele também acredita que, de fato, o Fundo vai gerar uma atenção e mobilização de novos atores para a mineração no País. “E o momento não poderia ser melhor. Quando estivemos no PDAC, em 2020, havia um projeto de lítio que ainda não estava em operação no Vale do Jequitinhonha. E hoje, nós temos uma operação comprovada. Temos outros projetos lá no entorno avançando bem. Nós tínhamos perspectivas de um grande projeto de terras raras, com recursos de argila iônica. Hoje, nós temos projeto em produção e recentemente foram anunciados outros projetos, reconhecidos por muitos como dos melhores projetos em nível mundial. Então, o momento, de fato, não poderia ser melhor para tomarmos essa decisão, dentro da estratégia do BNDES, muito vinculada à transição energética e ao Plano Nacional de Fertilizantes, para apoiar o desenvolvimento desses empreendimentos no Brasil”, conclui.