A oposição à política externa do governo Jair Bolsonaro, comandada pelo chanceler Ernesto Araújo, uniu partidos políticos e titulares do Itamaraty de todos os governos desde a redemocratização do País.
Segundo o jornal Estadão, o ex-ministros das Relações Exteriores e embaixadores se organizaram no chamado Grupo Ricupero, que pôs lado a lado adversários históricos na diplomacia que agora articulam apoio e defendem ações no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir danos à imagem do País e o desrespeito à Constituição que, segundo eles, são promovidos pela gestão de Bolsonaro.
Na reunião, os diplomatas relataram aos partidos por que consideram que as ações de Araújo violam a Constituição. Os argumentos devem servir a questionamentos das legendas no Congresso e no STF. “O Brasil está isolado. Isso trará consequências graves para o futuro do País”, afirmou Ricupero, que dá nome ao grupo por simbolicamente representar um elo entre duas alas da diplomacia nacional.
Após o encontro, o PSB decidiu, por meio do deputado Alessandro Molon (RJ), seu secretário de Relações Internacionais, encaminhar requerimento de convocação de Araújo ao Congresso para ele “apresentar e esclarecer questões sobre as sistemáticas violações da Constituição na condução da política externa brasileira”.
“A situação do Brasil em termos de política externa é lamentável, deplorável. A imagem de uma atuação equilibrada do Itamaraty construída ao longo de décadas de trabalho está sendo destruída rapidamente. Somos um país que não merece ser levado a sério. Recentemente fomos criticados por Paraguai e Colômbia em razão de nossa política contra o coronavírus. Olham para nós com incredulidade, o que traz muito prejuízos para o Brasil”, disse Ricupero.
Para Molon, deve-se ainda analisar ações no Supremo. “Não descartamos ir ao Supremo para barrar ações do Itamaraty como a que deixou o Brasil fora do esforço mundial para a busca de uma vacina contra a covid-19.” O líder do PSDB na Câmara, deputado Carlos Sampaio (SP), afirmou que “a política externa deve estar a serviço dos interesses brasileiros e a diplomacia, como o próprio termo já diz, é avessa a confrontos com parceiros comerciais de primeira grandeza do Brasil, como a China, e críticas a organismos internacionais, como a OMS”.
As críticas feitas à China por Araújo e pelo bolsonarismo são uma das principais reclamações contra as ações do atual chanceler. O receio é de que elas prejudiquem as exportações para o país asiático pelo agronegócio – a China é o principal parceiro comercial do País.
Outros pontos também mobilizaram os partidos. Um deles foi a decisão de o Brasil retirar todos os seus diplomatas da Venezuela, deixando 12 mil brasileiros residentes naquele país sem nenhuma assistência consular. A representação do deputado Paulo Pimenta (PT-RS) pede à procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Déborah Duprat, que tome providências a fim de obrigar ao presidente e ao Itamaraty reabrir a embaixada ou pelo menos o consulado em Caracas para “garantir a proteção dos cidadão brasileiros que lá se encontrem sob qualquer pretexto ou residam naquele país bem como proteger o legítimo interesse das empresas brasileiras que comercializam com entes públicos e privados da Venezuela”.
Pimenta obteve recentemente uma vitória no Supremo. O ministro Luís Roberto Barroso concedeu liminar suspendendo decisão de Bolsonaro que expulsava os diplomatas da Venezuela. Para o professor e ex-chanceler Celso Lafer – governos Fernando Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso -, “estão em andamento e podem crescer no Congresso Nacional o controle político e a fiscalização da política exterior do governo Bolsonaro”.
De acordo com Lafer, o grupo de chanceleres foi construído “por pessoas de distintas orientações e visões políticas”. Para ele, trata-se de “um esforço para viabilizar um centro vital voltado para agregar – e não para fragmentar – a sociedade brasileira, o que é tão necessário para uma apropriada governança”.
A ação dos chanceleres provocou reação do governo. Em artigo publicado no Estadão, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que o grupo usa seu prestígio “para fazer apressadas ilações e apontar o País ‘como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global’, uma acusação leviana”.
Além de Ricupero, Lafer e Amorim, fazem parte do grupo de ex-chanceleres o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – chanceler de Itamar Franco -, Aloysio Nunes Ferreira (Michel Temer), José Serra (Michel Temer), Francisco Rezek (Fernando Collor de Mello) e o ex-secretário de Assuntos Estratégicos Hussein Kalout (Michel Temer). Eles publicaram um artigo no Estadão e em outros jornais do País com o título A Reconstrução da Política Externa Brasileira.
Exemplo
Para FHC, o documento deve ser o embrião de novas iniciativas. “No que depender de mim, sem partidarismos ou sectarismos, a resposta é: sim.” Ele afirmou acreditar em ações pontuais que unam os partidos. No mesmo sentido, Amorim disse esperar a “reação de outros setores, que talvez não tenham percebido que, embora seja loucura, há método no governo Bolsonaro”.
“Cabe aos congressistas tomar uma atitude mais direta”, disse. “Criamos uma convergência entre nós em torno da democracia e da defesa da Constituição, um diálogo entre forças que vão do DEM ao PSDB e ao PT”, disse Aloysio Nunes Ferreira. Para o articulador do grupo, o cientista político e professor da Universidade de Harvard Hussein Kalout, a ação está “apenas começando”.
A crítica fundamental dos ex-chanceleres é de que o governo Bolsonaro viola com sua política externa os princípios do artigo 4º da Constituição. “O Executivo tem uma certa margem de apreciação na sua interpretação e aplicação. Esta margem no entanto, tem limites. O que argumentamos no nosso artigo é que a diplomacia do governo Bolsonaro extrapolou estes limites, que são um marco normativo a ser seguido”, afirmou Lafer.
O grupo denuncia a submissão do Brasil à política externa do governo de Donald Trump bem como o “apoio a medidas coercitivas em países vizinhos, violando os princípios de autodeterminação e não intervenção”. Para Amorim, o Brasil hoje “se converteu em um pária internacional”.
O Estadão informa que procurou o Itamaraty sobre a ação dos ex-chanceleres e dos partidos, mas a pasta não se manifestou. Pelo Twitter, após a divulgação do artigo, Araújo chamou Fernando Henrique, Ricupero e Amorim de “paladinos da hipocrisia”.