Safra recorde, queda nos preços das commodities agrícolas e uma desinflação global vão fazer os preços dos alimentos caírem este ano, numa situação que não se via desde 2017. O grupo alimentação no domicílio está com os preços em média 2,4% menores no acumulado até novembro, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que acompanha o custo dos produtos para famílias que ganham de um a cinco salários mínimos, do IBGE.
Segundo reportagem de Carolina Nalin e Cássia Almeida, do jornal O Globo, as estimativas dos economistas é de deflação de pouco mais de 1%, com as carnes ficando 9,4% mais baratas e as aves e ovos, 6,8%.
No ano, o INPC ficou em 3,1% até novembro, menor valor desde 2017. Enquanto o IPCA (índice amplo) engloba as famílias com renda entre um e 40 salários mínimos, o INPC acompanha bens e serviços que as famílias que ganham menos consomem.
Por isso, o INPC funciona como um termômetro do impacto da variação dos preços dos alimentos entre a população de menor renda, para a qual a alimentação tem maior peso no orçamento. O índice representa metade da população do país, em média.
Além disso, os preços dessas commodities agrícolas que tinham subido por mais de dois anos com taxas de dois dígitos, por causa da pandemia e da guerra na Ucrânia, têm desacelerado fortemente e já chegam ao consumidor final, abrindo espaço no orçamento.
— Acho que, de fato, a população de renda mais baixa teve um ano bem melhor do que os anteriores. O Bolsa Família voltou, e o salário mínimo teve um aumento real (acima da inflação) no começo do ano. E agora, no fim do ano, teve o Desenrola, ajudando a reduzir dívidas. Tudo isso ajuda — afirma Cunha, ao elencar fatores que também contribuíram para aumentar o orçamento das famílias.
Coordenador dos índices de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), André Braz avalia que o menor custo dos alimentos foi a principal âncora da inflação este ano, permitindo um índice de 4,4% no ano, dentro da meta estabelecida pelo governo de até 4,75%.
Ele diz que óleo de soja, feijão-carioca, leite longa vida e frango devem terminar o ano com preço menor do que no ano passado, o que melhora a qualidade da alimentação:
— As famílias não comem mais, elas comem melhor. Além de poder comprar outras coisas que fazem falta no dia a dia — explica Braz.
Riscos em 2024
Apesar da melhora nos preços em 2023, o economista da FGV pondera que a queda não elimina todos os aumentos que os alimentos tiveram nos últimos anos. Eles continuam mais caros do que antes da pandemia. A alimentação no domicílio segundo o IPCA acumula alta de 45%, de janeiro de 2020 a novembro de 2023.
—Na parte de proteína, estimamos queda de 9,4% nas carnes. O preço de aves e ovos deve cair 6,8%. Muitos itens na alimentação perderam força, e alguns entraram em deflação.
Mas o cenário positivo não deve se repetir no ano que vem, apontam especialistas. O aumento das temperaturas com o fenômeno El Niño deve afetar as lavouras brasileiras e tende a encarecer frutas, legumes e verduras, além de carnes, frangos e ovos.
— O que foi fonte de alívio neste ano eu diria que não será no ano que vem — resume Cunha.
O economista explica que a previsão de uma safra menor e os efeitos climáticos do El Niño devem impactar produtos mais sensíveis ao calor, como frutas, hortaliças e legumes:
— (A inflação de alimentos) ainda não vai ser um vilão, mas seguramente não será como a gente está vendo neste ano — diz Cunha.
Braz afirma que o El Niño deve atrapalhar a safra do ano que vem, mas seus efeitos podem ser atenuados caso o volume de chuvas seja maior e mais regular. Mas a tendência é que as altas temperaturas perdurem até meados de abril de 2024, afetando o ciclo de plantio das culturas de soja e milho.
Como resultado, há o repasse para os preços de óleo de soja, carnes, frangos e ovos, já que essas commodities são a base da alimentação na pecuária e na avicultura.
Compensação para a alta
Este ano, o El Niño já afetou preços de alguns alimentos in natura no fim do ano, levando o IPCA de alimentos ao patamar positivo nos últimos dois meses, após uma sequência de quatro deflações entre junho e setembro. Agora, poderá afetar também os preços de proteínas.
“Na parte de proteína, estimamos queda de 9,4% nas carnes. O preço de aves e ovos deve cair 6,8%. Muitos itens na alimentação perderam força, e alguns entraram em deflação”, diz Fábio Romão, economista sênior da LCA Consultores.
— Ano que vem não vai ser tão favorável, os alimentos vão voltar a subir. Espero uma queda de 1% para alimentos e bebidas em 2023. Para 2024, pode-se registrar uma alta de 4%, já embutido o risco do El Niño. Vai depender do rigor do fenômeno climático e do quanto ele vai prejudicar essa safra que ainda não foi plantada. Por isso, essa estimativa pode até subir — alerta Braz.
Outros preços que também pesam no orçamento das famílias que ganham menos podem compensar, contudo, o encarecimento dos alimentos. Segundo Romão, não é esperado aumento na tarifa de ônibus. Em ano eleitoral, os prefeitos evitam dar reajuste.
Os remédios também devem subir menos, já que acompanham a inflação do ano anterior. Como, em 2023, os índices serão menores do que os de 2022, espera-se uma alta inferior à deste ano. Além disso, as carnes e aves não devem subir muito, diz Romão:
— Estamos prevendo alta de 6,3% para as carnes em 2024, abaixo da queda deste ano. Para as aves, prevemos reajuste de 2,8%. Não vão devolver a queda deste ano.