Além das conclusões de investigações envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o procurador-geral da República, Paulo Gonet, tem como prioridade na volta do recesso do Judiciário tirar do papel a promessa de criar um Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) nacional. O tema será votado nesta sexta-feira, em uma sessão extraordinária do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF) convocada com exclusividade para o debate do assunto.
A ideia por trás da criação do Gaeco nacional é o combate unificado às organizações criminosas, bandeira que tem sido empunhada por Gonet desde o início da gestão. Quando tomou posse, em dezembro do ano passado, o procurador-geral da República disse que o Ministério Público tem “o dever indeclinável” de combater a corrupção e as organizações criminosas.
Interlocutores da Procuradoria ouvidos pelo jornal O Globo, detalham que a proposta que será levada para discussão pelo relator, o subprocurador-geral da República Mario Bonsaglia, prevê a criação de uma estrutura fixa de procuradores que serão escolhidos pela cúpula do órgão a partir de um processo seletivo e que vão se dedicar de forma exclusiva a investigações consideradas complexas.
A proposta prevê uma equipe entre 15 e 20 procuradores, que será coordenada por um nome escolhido pelo próprio PGR, a partir de uma lista elaborada pelo Conselho Superior. A ideia é que o Gaeco nacional atue em casos que envolvam crimes contra o Estado Democrático de Direito, terrorismo ou graves violações aos direitos humanos. Além disso, vai participar de investigações sobre crimes contra administração pública, como corrupção e outras modalidades praticadas por meio de organização criminosa e que tenham a participação de autoridades com prerrogativa de foro.
— Com a criação do Gaeco nacional, o MPF passará a atuar de maneira ainda mais intensa no enfrentamento do crime organizado, indo além do que as estruturas atuais têm permitido — explica Bonsaglia.
Nos bastidores da PGR, a expectativa é que a proposta seja aprovada no Conselho Superior do MPF, hoje composto pelos subprocuradores Hindemburgo Chateuabriand, José Bonifácio de Andrada, Elizeta Ramos, Carlos Frederico, Nicolao Dino, Luiza Frischeisen, Alexandre Camanho e Samantha Dubrowski — além do relator, Bonsaglia, e do procurador-geral, Gonet.
Ainda que não seja referendada nos exatos moldes que for apresentada por Bonsaglia, o que se espera é que os ajustes pontuais que possam ser feitos ao longo dos debates não interfiram no cerne do projeto inicial.
Ideia no Ministério da Justiça
A proposta que se encaminha para aprovação no MPF também conta com articulações em outros braços do governo federal, como o Ministério da Justiça. A ideia de um Gaeco nacional no âmbito do Ministério da Justiça para integrar polícias foi defendida por Mario Luiz Sarrubbo, escolhido de Ricardo Lewandowski para o cargo de secretário nacional de Segurança Pública. Na ocasião, a proposta foi criticada por entidades ligadas a delegados e policiais.
Organizações como a Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol) e a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol) publicaram notas criticando a ideia.
“Sem entrar no discutível mérito acerca da eficácia, tal medida se mostra inconcebível no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública, pois a pasta não pode, por vedação constitucional, se subordinar ou tornar-se uma extensão de outro Poder ou instituição”, afirmaram juntas a ADPF e a Fenadepol.
As associações dizem que a medida é inconstitucional e pode promover embates e “desarmonia institucional”, em especial dentro do sistema de persecução penal. Os delegados temem que haja sobreposição de atribuições das polícias e dos Ministérios Públicos estaduais e subordinações não previstas na Lei. Isso, segundo eles, poderia “vilipendiar atribuições investigativas próprias das polícias judiciárias”.
Integrantes do MPF rebatem as críticas de “desarmonia institucional” e explicam que a criação de um Gaeco nacional não irá interferir nos grupos que hoje já atuam nos estados. A ideia é que o órgão nacional esteja à disposição e auxilie os braços existentes, implementados a partir de 2020, em substituição às forças-tarefas que funcionavam nos moldes da Lava-Jato.
Foi a partir da atuação dos Gaecos localizados nas unidades estaduais do MPF que operações de repercussão foram realizadas recentemente. É o caso, por exemplo, da medida deflagrada em junho pela Polícia Federal, a partir de um requerimento do Gaeco no Rio, na apuração de fraudes bilionárias nas Americanas.
Em julho, a Operação Terra Fértil, realizada em sete estados e destinada a investigar uma organização criminosa dedicada à lavagem de capitais possivelmente provenientes do tráfico internacional de drogas, também foi deflagrada a partir de um pedido do MPF por meio do Gaeco que atua em Minas Gerais.