Segundo o jornal Folha de SP, os protestos antirracistas que eclodiram nos Estados Unidos após a morte do ex-segurança George Floyd e se espalharam pelo mundo não foram suficientes para fazer os principais partidos brasileiros discutirem de forma relevante a expansão do espaço dos negros na política nacional.
A Folha ouviu dirigentes dos grandes partidos nos últimos dias e constatou haver uma pergunta para a qual, em quase todos os casos, a resposta é o silêncio ou a tergiversação: quais são os principais pré-candidatos negros da legenda às prefeituras de capital ou de grandes cidades?
Por ora, não há nenhum indicativo de que os partidos irão repetir por aqui a decisão do líder nas pesquisas à Presidência da mais poderosa nação do mundo, o democrata Joe Biden, que se viu pressionado a escolher uma senadora negra, Kamala Harris, como sua companheira de chapa.
Principal partido de oposição e que tem um dos núcleos de combate ao racismo mais estruturados, o PT foi o único, entre os grandes, que conseguiu citar concorrentes negros nas capitais, mas apenas em três: Rio de Janeiro (Benedita da Silva), Salvador (Denice Santiago) e Florianópolis (Lino Peres).
O partido foi também um dos poucos a definir uma cota da verba eleitoral para candidatos e candidatas negras. O percentual, porém, de 3%, simboliza o abismo que separa o peso dado aos negros na política com o seu tamanho na população —56% de pretos e pardos, de acordo com o IBGE.
“No PT, perto de 32% das candidaturas são negras. O montante aprovado é muito insuficiente para que a gente atenda todas as candidaturas, é muito ruim, vamos ter de trabalhar com o conceito de prioridade. Mas em 2016 quanto era destinado para as candidaturas negras? Zero”, afirmou Martvs Chagas, secretário de Combate ao Racismo do partido.
Na última quinta-feira (20), o Tribunal Superior Eleitoral caminhou para formar maioria que pode obrigar os partidos a destinar recursos de campanha aos candidatos negros na proporção das candidaturas lançadas em 2016.
Uma fatia de R$ 2 bilhões de recursos públicos do fundo eleitoral será distribuída para a campanha deste ano, mas cabe às cúpulas partidárias definir quem receberá a maior parte do bolo. O julgamento deve ser retomado nesta terça (25).
Eventual decisão do TSE de uma cota racial na eleição pode acabar com situações como a do partido Novo, que, criado em 2015, disputou sua primeira eleição no ano seguinte, 2016.
Lançou, na ocasião, pouquíssimos candidatos aptos para a disputa, 138, de acordo com o TSE. Bem menos ainda pardos e pretos, só 14. Nenhum se elegeu, o que tornou o partido não só o que menos lançou candidatos negros como o que menos os elegeu.
“O Novo escolhe seus candidatos a partir de um processo seletivo técnico onde não são feitas análises referentes a cor da pele, gênero, orientação sexual ou condição social. Também não temos ‘principais pré-candidatos’, já que todos são tratados de forma isonômica e devem construir com independência suas candidaturas, demonstrando capacidade de liderança e empenho”, disse a assessoria do partido, acrescentando que em 2016 o Novo participou de sua primeira eleição, nove meses após obter o registro, tendo eleito apenas quatro vereadores.
“A amostragem é pequena para uma análise conclusiva, se comparada aos 461 mil candidatos a vereador lançados por outros partidos no mesmo ano.”
Embora proporcionalmente não apresente um cenário tão agudo quanto o do Novo, a análise de todas as candidaturas de 2016, ano das últimas eleições municipais, mostra que o número de pretos e pardos foi de 48%. Mas, abertas as urnas, os eleitos não brancos somaram só 41%.
Em geral, partidos pequenos e nanicos se destacaram no número de candidatos negros, como PCB, PC do B, PTC, PMN, PRTB, PMB, PSOL e PSTU. Os grandes, com um volume muito maior de candidatos e de recursos, proporcionalmente lançaram poucos negros.
É o caso do MDB, o penúltimo na lista, só superando o Novo (39% de candidatos pretos e pardos).
“Negro não é prioridade dos partidos, nunca foi e não é hoje”, afirma Nestor Neto, presidente do MDB Afro, e pré-candidato a vereador em Salvador. Ele diz que o MDB Afro solicitou à direção da sigla, em julho, 5% do fundo eleitoral para os negros e pardos. Até hoje não houve resposta.
“O MDB, e esse é um problema dos demais partidos, foi construído e consolidado pela elite branca”, diz, acrescentando que o partido precisa fazer o dever de casa e dar condições mínimas de disputa para os negros.
Como principal pré-candidatura negra a uma prefeitura do país, citou a cidade de Corguinho (MS).
O presidente nacional da sigla, o deputado federal Baleia Rossi (SP), afirmou que o MDB tem uma história de fortalecimento do movimento afro, tendo sido o primeiro a criar um núcleo. Também não soube apontar um pré-candidato negro a prefeitura de capital ou cidade grande. Citou Barrinha (SP), município com pouco mais de 30 mil habitantes.
Para vereador, a maior aposta da sigla é a candidatura à Câmara Municipal de São Paulo da líder da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) Aline Torres.
“O MDB sempre abriu espaço para candidaturas de negros com chance de vitória, mas precisa aumentar essa participação em quantidade. Esse é um desafio para a nova direção do partido”, disse a assessoria da sigla.
O MDB se saiu melhor na proporção dos candidatos negros eleitos em relação ao que lançou (18%), só atrás do PSD (19%). Depois, vêm PP (17%) e PSDB (17%), cujo núcleo afro é comandado pela professora Gabriela Cruz, ex-coordenadora-geral de Promoção da Igualdade Racial do governo federal.
“O PSDB, historicamente, é um partido pioneiro no fomento às ações afirmativas. Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro presidente da República a assumir que o Brasil era um país racista, rompendo com o mito da democracia racial”, afirma, ressaltando que a legenda lançou uma campanha nacional específica para os candidatos afrodescendentes, a Vez, Voz, Voto e Vitória.
Sobre o fato de o cenário ainda estar muito aquém do razoável, Gabriela afirma que o racismo estrutural e sistêmico impede os negros de estarem nas estruturas de poder. “O que temos que realmente ter é cota, ação afirmativa no fundo eleitoral. A mudança não vai acontecer de forma natural, vai ter que ser através de Projeto de Lei. Ser antirracista é colocar em prática, não é uma questão filosófica. Não estou lá no PSDB como presidente do segmento negro para filosofar. Quero que o PSDB posso apresentar na prática ações antirracistas.”
A Folha ouviu, ao longo da semana, especialistas sobre o fato de brancos serem escolhidos para o maior número e as mais importantes candidaturas, além de, na disputa, terem muito mais chance de vitória do que os concorrentes negros.
“Acesso a partidos fortes e acesso a recursos de campanha são os dois grandes gargalos. Quando a gente pega os números de candidatos, o que salta aos olhos é que a maioria dos partidos grandes têm mais brancos e os pequenos têm mais pretos e pardos”, afirma Luiz Augusto Campos, professor de sociologia do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e um dos autores do estudo “O que afasta pretos e pardos da representação política?”
Cristiano Rodrigues, professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, afirma que o modelo de recrutamento dos partidos, que em geral privilegia a reeleição e busca pessoas mais próximas dos caciques partidários e em famílias de políticos, tende a favorecer os brancos. Ele ressalta que, entre os negros, as mulheres têm mais dificuldade do que homens. “A junção cor de pele e genero impacta negativamente as mulheres.”
Um dos poucos pré-candidatos negros a uma prefeitura de capital o ex-ministro e deputado federal Orlando Silva (PC do B-SP), cita estudo do economista Marcelo Paixão que também aponta a menor participação de negros nas estruturas de comando nos partidos e o menor acesso aos recursos de campanha.
Na campanha de 2018, 72% dos eleitos se declararam brancos. Dos 27 governadores vitoriosos, 24 eram brancos. Dos 54 senadores, 41. Entre os 513 deputados eleitos, também a maioria, 384. “É muito pequena a presença negra na política, nos espaços principais, nos espaços de poder”, diz o deputado.
PSL e PP não responderam. O PSD diz que só tem condições de se manifestar sobre o tema após as convenções partidárias.