Partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro cujos deputados federais votaram a favor da PEC dos Precatórios agora falam em mudar o voto no segundo turno da votação na Câmara dos Deputados e no Senado. Em tese, PDT, PSDB e PSB são de oposição ao governo de Jair Bolsonaro (sem partido), mas seus deputados — principalmente os pedetistas e tucanos — votaram em massa a favor da Proposta de Emenda à Constituição, ao contrário da maioria das demais siglas oposicionistas.
Dos 21 deputados votantes ontem do PDT, 15 foram favoráveis à PEC — dos 28 do PSDB, 22 votaram a favor. E, dos 31 votantes do PSB, 10 apoiaram.
O plenário da Câmara aprovou, nesta madrugada, em primeiro turno, por 312 votos a 144, o texto-base da PEC. A proposta, que já havia passado por comissão especial, abre espaço fiscal de R$ 91,6 bilhões para o governo federal em 2022, o que viabiliza o lançamento do Auxílio Brasil de R$ 400.
Inicialmente, o governo estava tendo dificuldades para aprovar o texto, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), passou o dia de ontem dedicado a articulações para garantir o quórum na votação. No final, a proposta foi passou em primeiro turno no plenário da Casa por margem estreita de apenas quatro votos a mais do que o necessário.
A PEC precisa ser aprovada ainda em segundo turno de votação na Câmara, previsto para a próxima terça (9), antes de ir para o Senado.
Agora, após repercussão negativa, os presidentes do PDT, PSDB e PSB falam em buscar mudar os votos dos próprios parlamentares. Hoje, porém, Lira afirmou não acreditar em mudanças partidárias bruscas, até porque os termos do acordo para a PEC já foram discutidos.
PDT
Ainda assim, o presidente do PDT, Carlos Lupi, disse ser “possível acontecer a mudança de posição da bancada e eu trabalharei para isso”.
A atuação dos pedetistas na Câmara abriu um racha interno com o pré-candidato à Presidência da República do partido, Ciro Gomes, que anunciou ter suspendido a candidatura até que o PDT reavalie o posicionamento perante a PEC.
Apenas um dos cinco deputados do PDT do Ceará — reduto de Ciro — votou contra a proposta.
“É compreensível a insatisfação dele, porque a aprovação dessa PEC é como dar um cheque em branco para Lira e Bolsonaro”, disse Lupi ao colunista do UOL Chico Alves. “Por outro lado, os deputados se sentiram pressionados. Meu papel agora é botar água nessa fervura”.
“A repercussão foi muito grande. Sabe como é: à mulher de César não basta ser honesta, ela tem que parecer honesta”, declarou. “Como podemos seguir uma linha de oposição tendo um posicionamento assim?”
Lupi também entrou com pedido no STF (Supremo Tribunal Federal) para que a votação da PEC seja cancelada. Para ele, ato da Mesa Diretora da Câmara para mudar uma regra e permitir o voto remoto de parlamentares em “missão autorizada” pela Casa viola o princípio da impessoalidade e da isonomia, servindo “apenas para garantir interesses pessoais na formatação de quórum para aprovação da medida”.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, afirmou, em nota, que a bancada do partido no Senado será “nossa trincheira na defesa de programas de transferência de renda que não gerem inflação”. Os senadores tucanos devem se reunir na próxima terça para se declarar contra a PEC.
Em respeito a compromissos históricos, os senadores defenderão o legado do partido. O PSDB tem convicções já demonstradas de que é possível equacionar políticas de auxílio e distribuição de renda sem ferir de morte o frágil equilíbrio fiscal, ameaçado pela PEC.
— PSDB (@PSDBoficial) November 4, 2021 PSB
Já o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, afirmou que a direção nacional do partido é contra a PEC dos Precatórios e “lamenta que alguns deputados(as) não tenham seguido a orientação partidária e do líder Danilo Cabral”.
“Faremos o possível para reverter os votos no 2º turno. Se necessário, o PSB fechará questão contra a matéria”, acrescentou.
O atual líder da Minoria na Câmara, Marcelo Freixo (PSB-RJ), buscou defender que a bancada do partido orientou o voto contrário à “PEC do Calote”. E, agora, como líder da Minoria, disse estar trabalhando para “virarmos esses votos e derrotarmos” a proposta.
O líder da Oposição na Casa, Alessandro Molon (PSB-RJ), se manifestou no mesmo sentido.
Adiamento de precatórios
O texto aprovado na Câmara traz duas mudanças principais. Em primeiro lugar, permite o adiamento do pagamento de parte dos precatórios devidos pela União em 2022. Pelos cálculos do Tesouro, isso gerará uma folga de R$ 44,6 bilhões.
Precatórios são títulos que representam dívidas que o governo federal tem com pessoas físicas e empresas, provenientes de decisões judiciais definitivas. Quando a decisão judicial é definitiva, o precatório é emitido e passa a fazer parte da programação de pagamentos do governo federal.
Defensor de mudanças nas regras para pagamento de precatórios, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha qualificando como um “meteoro” sobre a economia a necessidade de pagar R$ 89 bilhões em precatórios no próximo ano. Conforme o ministério, não há espaço no orçamento. Em comparação, o orçamento de 2021 prevê a quitação de R$ 54,7 bilhões em precatórios.
Drible no teto de gastos
Em segundo lugar, a PEC dos precatórios muda regras do teto de gastos, a regra fiscal constitucional que limita a despesa pública ao Orçamento do ano anterior corrigido pela inflação. Na prática, a mudança é vista como permissão para furar o teto.
O texto prevê que o limite seja determinado não mais pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior, mas pela taxa apurada nos 12 meses até dezembro do ano anterior. Com esta mudança técnica, haverá uma folga de R$ 47 bilhões em 2022, pelos cálculos do Tesouro Nacional.
Vinculações e espaço para gastos
Considerando o espaço total de R$ 91,6 bilhões calculado pelo Tesouro, R$ 50 bilhões iriam para o pagamento do Auxílio Brasil — o programa que substituirá o Bolsa Família. O programa já conta com R$ 34 bilhões.
Outros R$ 24 bilhões seriam gastos com reajuste do salário mínimo e de benefícios previdenciários pela inflação.
Conforme o Tesouro, a PEC mantém as vinculações de alguns grupos de despesas ao teto de gastos, o que faz com que parte do espaço já seja parcialmente consumida.
Deste modo, haverá um aumento de R$ 3,9 bilhões para a área de saúde, de R$ 1,8 bilhão para a área de educação e de R$ 300 milhões para emendas individuais. Ao se eliminar as vinculações, os custos com o Auxílio Brasil e a recomposição inflacionária, há uma sobra de R$ 10 bilhões, sem destinação ainda.
Parlamentares da oposição afirmam que parte dos recursos pode acabar nas chamadas “emendas de relator”, em que o relator do Orçamento é quem define onde os recursos serão aplicados.