Há mais de 70 anos, a UNRWA presta serviços a refugiados palestinos, mas membros do Knesset – o parlamento israelense – votaram a favor do banimento do trabalho de assistência da organização em Israel. De subfinanciamento crônico a acusações de autoridades israelenses de que perpetua o deslocamento palestino, a agência das Nações Unidas para refugiados palestinos (UNRWA) tem enfrentado ameaças à sua existência há décadas.
Nesta última segunda-feira (28), membros do Knesset – o parlamento de Israel – aprovaram dois projetos de lei para impedir que a UNRWA opere em território israelense, após alegações de que funcionários da agência estavam envolvidos nos ataques terroristas de 7 de outubro de 2023. A decisão tem o potencial de reduzir drasticamente a capacidade da agência de operar na Faixa de Gaza e na Cisjordânia ocupada por Israel.
Os projetos de lei, previamente aprovados pelo Comitê de Relações Exteriores e Defesa do Knesset em 6 de outubro, proíbem as autoridades estaduais de ter qualquer contato com a UNRWA. A agência também fica proibida de operar dentro do território israelense, incluindo Jerusalém Oriental anexada, revogando o acordo de 1967 entre Israel e a UNRWA que facilitou as operações e interações da agência com as autoridades governamentais.
Membros do Knesset do partido de direita Yisrael Beitenu e do partido Likud, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, patrocinaram os projetos de lei.
Espera-se que a legislação leve ao fechamento da sede da UNRWA em Jerusalém Oriental anexada, que serve como centro administrativo e de gerenciamento para todas as suas atividades nos territórios palestinos. De acordo com relatos da mídia israelense, as instalações seriam convertidas em moradias.
A política de não contato significa que Israel não emitirá mais permissões de trabalho e de entrada para funcionários internacionais e locais da UNRWA nem permitirá qualquer coordenação com os militares israelenses, o que é essencial para a passagem de ajuda para Gaza por meio das passagens. Atualmente, Israel também controla a passagem da fronteira de Rafah com o Egito.
As atividades da UNRWA nos territórios palestinos ocupados dependem “fortemente da coordenação contínua com as autoridades israelenses em todos os aspectos de sua operação”, escreveu a organização israelo-palestina de direitos humanos Adalah em uma carta ao procurador-geral de Israel e ao consultor jurídico do Knesset. “Essa coordenação inclui o estabelecimento de sedes operacionais, a obtenção de vistos, autorizações de residência e de trabalho para os funcionários e a coordenação com as autoridades militares em questões operacionais.”
Qual é a atribuição da UNRWA?
A UNRWA foi criada em 1949 com um mandato temporário para cuidar dos refugiados palestinos deslocados durante e após a guerra árabe-israelense de 1948, quando os países árabes vizinhos atacaram Israel após sua declaração de independência. Centenas de milhares de palestinos fugiram ou foram forçados a deixar suas casas. Muitos permanecem apátridas até hoje.
A agência da ONU começou a operar em 1950 e tornou-se permanente, pois não houve acordo político para o retorno dos palestinos deslocados. Ela fornece serviços básicos a milhões de refugiados registrados e seus descendentes em Gaza, na Cisjordânia ocupada, incluindo Jerusalém Oriental anexada, na Jordânia, no Líbano e na Síria. A agência administra campos de refugiados, escolas e clínicas de saúde e é um importante empregador para milhares de palestinos.
Autoridades israelenses e grupos de lobby têm feito campanha contra a UNRWA muito antes das últimas alegações.
Vários países suspenderam doações para a UNRWA no início de 2024 depois de Israel alegar que alguns dos funcionários da agência estavam envolvidos nos ataques de 7 de outubro. As Nações Unidas iniciaram uma investigação sobre as acusações e demitiram nove funcionários. Desde então, a maioria dos países doadores retomou o financiamento, mas os legisladores israelenses insistem em encerrar completamente o mandato da UNRWA.
Durante toda a guerra, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) tiveram como alvo escolas da UNRWA onde palestinos deslocados buscam refúgio, alegando que elas servem como centros de comando do grupo radical Hamas, onde militantes se escondem entre os civis. Em fevereiro, um suposto centro de informática subterrâneo do Hamas foi descoberto sob a sede da UNRWA na Cidade de Gaza. A entidade negou as alegações.
Na sexta-feira (25), militares israelenses disseram que um comandante sênior do Hamas, responsável por sequestrar e matar israelenses em um abrigo antibomba à beira da estrada perto do Kibutz Re’im em 7 de outubro de 2023, era funcionário da UNRWA desde 2022. A agência confirmou que ele era um de seus funcionários.
Israel também acusou reiteradamente a UNRWA de incitar o ódio contra Israel em suas instituições educacionais e em livros didáticos ensinados em escolas administradas pela agência. As autoridades também dizem que o fato de a UNRWA conceder o status de refugiado não apenas à primeira geração de refugiados, mas também a seus descendentes, perpetuou o conflito e alimentou a ideia do direito de retorno dos palestinos à sua terra natal.
Observadores dizem que não é a UNRWA que perpetua o conflito, mas a ausência de um processo de paz e de um acordo político que forneça uma solução justa para os refugiados palestinos e seus descendentes.
Possíveis consequências da nova legislação
Os planos do Knesset foram duramente criticados pela maioria dos países doadores da UNRWA, pela União Europeia, pelos Estados Unidos e várias organizações de ajuda e direitos humanos. No domingo, os ministros das Relações Exteriores do Canadá, Austrália, França, Alemanha, Japão, Coreia do Sul e Reino Unido divulgaram uma declaração conjunta expressando “grave preocupação” sobre o projeto de lei no Knesset.
O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, disse que aprovar o projeto de lei seria uma “catástrofe”.
O representante de relações exteriores da UE, Josep Borrell, disse que a União Europeia “compartilha a preocupação de que este projeto de lei, se adotado, teria consequências desastrosas”.
A organização independente de direitos humanos Adalah, sediada na cidade israelense de Haifa, argumentou que os projetos de lei também violariam o direito internacional, que exige que os estados-membros da ONU, como Israel, apoiem as Nações Unidas em seu trabalho. Também disse que restringir as atividades da UNRWA em Gaza violaria as medidas provisórias ordenadas pela Corte Internacional de Justiça em janeiro de 2024 e novamente em março de 2024 para permitir o fornecimento de serviços básicos e ajuda humanitária.
Espera-se que os projetos de lei obtenham pelo menos 68 votos de legisladores do atual governo de coalizão de extrema direita religiosa — o suficiente para uma maioria no Knesset de 120 assentos — assim como votos de vários membros da oposição. Embora um projeto de lei adicional para designar a UNRWA como uma “organização terrorista” não esteja mais na mesa, ainda não está claro como os serviços fundamentais da agência seriam substituídos em um futuro próximo.