O Parlamento alemão (Bundestag) elegeu oficialmente nesta quarta-feira (8) o social-democrata Olaf Scholz como o novo chanceler federal do país, encerrando os 16 anos de governo da conservadora Angela Merkel.
Scholz recebeu 395 votos dos 707 deputados presentes (mais do que os 369 necessários), num pleito que já tinha resultado conhecido de antemão. Ele recebeu 303 votos contrários, e houve seis abstenções.
Em seguida, o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, nomeou Scholz como chefe de governo. Com a entrega da certidão de nomeação, o poder foi oficialmente transferido de Merkel para seu sucessor.
Antes de ascender à Chancelaria, Scholz, de 63 anos, foi Ministro das Finanças e vice-chanceler no quarto mandato de Merkel, quando o Partido Social-Democrata (SPD) foi o parceiro minoritário em uma coalizão liderada pela União Democrata-Cristã (CDU) da antiga chanceler. Nas eleições federais de setembro, os papéis se inverteram, e o SPD foi o partido mais votado, com 25,7%, à frente da CDU, que ficou com 24,1%.
Merkel não havia concorrido a um novo mandato e o SPD decidiu formar uma nova coalizão com o Partido Verde e o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão), que ficaram em terceiro e quarto lugar, respectivamente. Social-democratas e verdes já governaram juntos entre 1998 e 2005. Já os liberais foram parceiros do SPD nos anos 1970 e início dos 1980.
No sistema alemão, um governo que pretende ser estável precisa contar com mais de 50% dos deputados do Bundestag. Como raramente um partido consegue sozinho essa marca, entra a costura de coalizões. O governo liderado por Scholz terá uma característica inédita em mais de seis décadas: será a primeira vez desde o final dos anos 1950 que um governo alemão será formado por uma coalizão com mais de dois partidos.
A equipe
O primeiro governo liderado pela centro-esquerda em 16 anos também será o primeiro com um ministério distribuído igualmente entre mulheres e homens no país.
Seguindo uma promessa de campanha de Scholz, oito pastas serão ocupadas por mulheres, e oito, por homens. O percentual de mulheres no comando de ministérios, de 50%, é o maior da história da Alemanha.
O vice-chanceler será o copresidente do Partido Verde Robert Habeck, de 52 anos, que assumirá também um superministério da Economia e Clima.
Já o Partido Liberal Democrático ficará com o mais poderoso dos ministérios do governo alemão, o das Finanças, que será comandado pelo presidente da sigla, Christian Lindner, de 42 anos. Ele deverá dar continuidade a uma política de austeridade fiscal, sem aumento de impostos.
O ministério do Interior será liderado pela primeira vez por uma mulher, a também social-democrata Nancy Faeser, de 51 anos. Candidata do Partido Verde para a Chancelaria Federal nas eleições de setembro, a copresidente do Partido Verde Annalena Baerbock ficou com a pasta do Exterior.
A idade média do novo chanceler federal e de seus 16 ministros e ministras é de 50,4 anos – menor do que as médias de todos os inícios de legislatura dos quatro governos anteriores, liderados por Merkel. O mandato mais recente de Merkel teve uma média de idade de 51,4 anos.
Aos 63 anos, o mais velho do governo é o próprio Scholz. As ministras mais jovens são as verdes Baerbock e Anne Spiegel (à frente da pasta da Família), que fazem aniversário no mesmo dia e completarão 41 anos em 15 de dezembro.
Os desafios
O novo governo alemão assume em um momento extremamente delicado, com a quarta onda da pandemia pressionando o sistema de saúde de diversos estados do país e com seguidos recordes de novas infecções.
O SPD nomeou o deputado e epidemiologista Karl Lauterbach como ministro da Saúde. Lauterbach se tornou uma figura conhecida durante a pandemia, defendendo a vacinação e a imposição de lockdowns em diversas entrevistas. Ele também já defendeu tornar a vacina obrigatória e restringir ainda mais a locomoção dos não vacinados. No momento, apenas 69,1% da população está totalmente vacinada.
Scholz já manifestou ser favorável a uma obrigatoriedade, e o novo governo deve começar a impor a exigência para trabalhadores da área da saúde e funcionários de lares de idosos, que terão até março para estarem totalmente imunizados. A pandemia “vai exigir toda a nossa força e energia”, afirmou Scholz na terça-feira.
No plano externo, Scholz também terá que lidar com as recentes ações da Rússia para desestabilizar a Ucrânia. Nesta terça-feira, ele já havia exortado a Rússia a respeitar a integridade da fronteira ucraniana e descreveu a situação criada pela movimentação de tropas russas como “muito grave”.
“Para nós, a inviolabilidade das fronteiras é inquestionável”, disse Scholz na sua primeira conferência de imprensa depois da assinatura, em Berlim, do acordo de coligação entre SPD (sociais-democratas), verdes e os liberais do FDP.
No plano interno, o novo governo alemão terá que lidar com as cobranças crescentes para que o país faça mais para a proteção climática, especialmente na transição para uma matriz energética mais limpa. Também estão na pauta o combate ao extremismo de direita, especialmente no seio das forças de segurança, a modernização da infraestrutura na Alemanha e o combate à desigualdade.
Scholz ainda tem um desafio pessoal adicional: assumir o mesmo papel de liderança na Europa que Merkel interpretou com destreza por 16 anos. A agora ex-chanceler federal marcou a história recente do bloco europeu com seus esforços para manter a coesão da UE em meio a recorrentes crises nos últimos anos. Analistas apontam que, até Scholz consolidar seu poder, é provável que outros líderes europeus, como o presidente francês, Emmanuel Macron, enxerguem uma oportunidade para assumir papéis mais assertivos de liderança, aproveitando o vácuo deixado por Merkel.
O relacionamento franco-alemão, considerado o motor da unidade europeia, também deve continuar a ser uma prioridade para o novo governo. A primeira viagem oficial de Scholz deve ocorrer ainda nesta semana. O destino: Paris.
Os planos
A nova coalizão de governo expôs seus planos de governo em um documento de 177 páginas, divulgado no fim de novembro. As diretrizes buscaram um compromisso entre os três partidos, que exibem concordância em muitas questões sociais, mas divergem mais na área econômica.
O acordo prevê mudanças significativas na política ambiental da Alemanha e aborda problemas persistentes do país, como o envelhecimento da população alemã e a escassez de habitações.
Entre pontos de mais destaque estão a criação de um Ministério da Habitação e planos para construir 400 mil novos apartamentos por ano. Os partidos também concordaram em legalizar a maconha para fins recreativos, incluindo a venda em lojas autorizadas; baixar a idade mínima para votar de 18 para 16 anos; criar um sistema de imigração baseado em pontos para atrair trabalhadores qualificados; facilitar a obtenção da cidadania alemã; e aumentar o salário-mínimo para 12 euros por hora – hoje ele é de 9,60 euros.
O novo chanceler
Com 63 anos, Scholz exibe várias características similares às de Merkel: conhece as limitações da sua falta de carisma, preferindo ter como marca pessoal a eficiência e o pragmatismo. Experiente em lidar com crises, ele também é considerado um hábil negociador. É muito raro que ele demonstre emoções. Mesmo em momentos de alegria, ele exibe a contenção de um mordomo britânico, como observou um jornalista. Já a revista Der Spiegel o classificou certa vez como a “encarnação do tédio na política”.
Como ministro das Finanças no governo Merkel, Scholz também ocupou uma boa posição para brilhar na crise causada pela pandemia de coronavírus: ele foi responsável por desembolsar bilhões de euros em fundos de emergência para ajudar a economia e os cidadãos do país.
Nascido em Osnabrück em 14 de junho de 1958, Olaf Scholz entrou para o SPD aos 17 anos. Inicialmente, ele flertava com as ideias mais à esquerda do partido, mas com os anos, conforme galgava posições no interior da sigla, moveu-se mais para o centro.
Antes de ocupar a pasta das Finanças no governo Merkel, Scholz foi secretário-geral do SPD e secretário do Interior e prefeito de Hamburgo.
Ele se tornou um rosto nacionalmente conhecido durante o governo do chanceler social-democrata Gerhard Schröder (1998-2005), quando foi encarregado de defender publicamente e negociar a aprovação da Agenda 2010, um programa de modernização do mercado de trabalho, que trouxe rígidos cortes em benefícios sociais, mas também proporcionou um caminho para o crescimento econômico da Alemanha nos anos seguintes.
Durante a campanha eleitoral de 2021, Scholz teve sucesso em emplacar entre os eleitores uma imagem de “nova Merkel”, ou seja, uma figura de continuidade tranquilizadora. Em agosto, o ministro das Finanças chegou a posar para uma revista imitando o “Merkel-Raute”, o gesto com as mãos em formato de losango que é a marca registrada da chanceler.
A tática de se confundir com Merkel fez sucesso. Seu partido, o SPD, era considerado moribundo no início de 2021, após sucessivos anos de declínio eleitoral, mas no final conseguiu vencer as eleições legislativas de setembro. Grande parte da vitória foi atribuída a Scholz, que em várias pesquisas aparecia como mais popular que sua própria sigla entre o eleitorado.
O fim da era Merkel
Angela Merkel deixa o posto de chanceler federal após 16 anos e 16 dias no posto. Com isso, ela se tornou a terceira mais longeva chanceler do país, atrás apenas do seu antigo padrinho político Helmut Kohl, que permaneceu 16 anos e 26 dias, e Otto von Bismarck, o primeiro chanceler do Império Alemão, que ocupou o posto por quase 23 anos.
Merkel anunciou que não concorreria à reeleição três anos atrás. Ainda que mais enfraquecida no seu quarto e último mandato, ela se tornou a primeira chanceler federal da Alemanha moderna que deixou o poder nos seus próprios termos, e não como resultado de uma derrota eleitoral ou maquinação interna da sua sigla, como havia ocorrido com todos os seus antecessores no período pós-guerra.
O pleito de 2021 marcou a primeira vez na Alemanha moderna que um chanceler no cargo decidiu não concorrer à reeleição.
Ela já havia expressado essa ideia em 1998, quando disse: “Quero, em algum ponto, encontrar o momento certo de deixar a política.”
Aos 67 anos, Merkel é considerada jovem o suficiente para assumir outras funções. Nos últimos anos sua aposentadoria iminente alimentou especulações sobre ela vir a assumir algum cargo de prestígio em alguma instituição internacional ou até mesmo lucrar com consultorias e palestras, como vários de seus antecessores o fizeram.
Mas Merkel tem desconversado sobre seu futuro e o que pretende fazer após deixar o dia a dia da política alemã, limitando-se a falar sobre planos mais prosaicos. “Tentarei ler algo — e então meus olhos ficarão pesados, porque estou cansada, daí dormirei um pouquinho. Depois veremos onde reapareço”, afirmou ela há alguns meses. “Decidi que primeiro não vou fazer nada — e verei o que acontece. Acho essa ideia realmente fascinante.”