Samuel Colin-Canivez, engenheiro-chefe do sistema de águas de Paris, está em uma caverna de concreto de 30 metros de profundidade, onde centenas de trabalhadores da construção civil correm para concluir o projeto faraônico antes dos Jogos Olímpicos de 2024.
A missão deles segundo reportagem de Leila Abboud, Financial Times, é construir um túnel de 700 metros e um grande tanque de armazenamento para limpar o rio Sena e permitir que os atletas compitam em eventos de natação e triatlo.
“Tem sido uma maratona, mas estamos na reta final”, diz Colin-Canivez, aos gritos em meio ao barulho dos operários martelando para instalar uma última seção de aço que reforçará o concreto abaixo do piso do tanque. A construção começou há quase quatro anos e está prevista para ser concluída no segundo trimestre a um custo de 90 milhões de euros.
Encaixada entre um hospital do século XVII e a movimentada estação de Austerlitz, a piscina subterrânea terá capacidade equivalente a 20 piscinas olímpicas. Foi projetada para receber o transbordamento do antigo sistema de esgoto e de águas pluviais da capital francesa quando há fortes chuvas.
“O objetivo é impedir que a água não tratada seja despejada no rio”, disse Colin-Canivez.
Atualmente, os túneis subterrâneos da cidade ficam sobrecarregados cerca de uma dúzia de vezes por ano, ocasiões em que, para evitar inundações nas ruas, liberam as águas residuais no rio, incluindo a perigosa bactéria E. Coli encontrada em descargas de vasos sanitários.
O novo tanque de armazenamento deve ajudar a reduzir tais incidentes para apenas duas vezes por ano, retendo a água durante tempestades e liberando-a gradualmente depois.
É um dos cinco projetos de engenharia que a região de Paris está realizando para limpar os rios Sena e Marne, permitindo que os moradores voltem a nadar neles. Novas estações de tratamento de água, tubulações e bombas também foram construídas.
Ceticismo
Muitos moradores continuam céticos em relação a nadar no Sena, e não há garantias de que a limpeza feita para a Olimpíada seja eficaz o suficiente para reduzir os níveis de bactérias a patamares seguros o bastante para os atletas competirem.
Paris precisou cancelar vários eventos-teste neste verão europeu quando exames laboratoriais mostraram níveis muito altos de E. Coli no Sena. A poluição excessiva foi causada por um período de chuvas intensas – algo que o novo tanque deverá ajudar a prevenir.
No entanto, um segundo conjunto de eventos-teste no fim de agosto também foi cancelado, apesar do pouco volume de chuva dos dias prévios, o que deixou os organizadores perplexos quanto à razão da má qualidade da água. Investigações posteriores descobriram que uma válvula defeituosa ficara aberta, permitindo o escape de águas residuais, e que um sistema automático de monitoramento falhara.
“Foi decepcionante, mas estamos confiantes de que podemos fazer isso funcionar a tempo dos jogos”, disse Pierre Rabadan, vice-prefeito de Paris encarregado da área de esportes.
Se a qualidade da água não estiver de acordo com os padrões, Rabadan disse que as competições podem ser adiadas por alguns dias ou uma semana para permitir a melhora da qualidade da água, mas não há plano de contingência para realizar as provas de natação em outro local.
Pressionados
Isso coloca mais pressão sobre os operários de Colin-Canivez que trabalham no subsolo, assim como sobre os encarregados de outros projetos do plano de limpeza do Sena, como a tentativa de conectar as casas flutuantes ancoradas no Sena ao sistema de esgoto.
Outro desafio tem sido convencer os donos de imóveis residenciais a realizar reformas dispendiosas em cerca de 20 mil casas e edifícios em Paris e seus subúrbios que não estão devidamente conectados ao sistema de esgoto.
“Cada coisinha que pudermos fazer será útil”, disse Colin-Canivez.
Entrar nas águas do Sena foi proibido em 1923 em razão da poluição e políticos prometem solucionar a questão há muito tempo. O ex-presidente Jacques Chirac fez a promessa quando era prefeito de Paris nos anos 1990, mas falhou. Chuvas intensas traziam regularmente fluxos de lixo e plástico para o Sena, prejudicando a histórica artéria de Paris.
A prefeita de Paris, Anne Hidalgo, descreveu a Olimpíada como um catalisador para, até 2025, abrir 20 áreas ao público nas águas do Sena na capital, cujas temperaturas têm sido cada vez maiores com o aquecimento mundial.
“Teríamos levado 20 anos para fazer a limpeza sem o impulso e o orçamento extras da Olimpíada”, disse Rabadan.
Além dos eventos de natação, o Sena estará no centro dos planos dos jogos de Paris de maneiras que, alertam críticos, podem ser ambiciosas e arriscadas demais.
Abertura da Olimpíada
Um plano de realizar a cerimônia de abertura no rio gerou receios quanto à segurança, com policiais e autoridades militares levantando preocupações sobre como fariam para garantir a segurança de um desfile de cerca de 150 barcos com 10 mil atletas, além de multidões de espectadores na beira do rio.
Os organizadores rebatem esses temores e argumentam que a cerimônia seria única e mostraria a beleza dos edifícios à beira do rio, como a Torre Eiffel, a catedral de Notre-Dame e o palácio Les Invalides.
Rabadan é a favor do desfile e dos esforços de limpeza do Sena: “Não há plano B, pois executar o plano A será complicado o suficiente”.