Em fevereiro do ano passado, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, atendeu um pedido de Sérgio Cabral. O plano do ex-governador, cujas penas já somam 342 anos de prisão, era o de fazer uma delação grandiosa em troca de sua liberdade. Ou, ao menos, uma redução nos anos de cárcere.
Em setembro, conforme publicou o ConJur, depois que a Procuradoria-Geral da República demonstrou que as acusações de Cabral não tinham provas, indícios ou elementos mínimos de corroboração, o presidente do tribunal, Dias Toffoli, mandou arquivar os 12 inquéritos abertos, segundo a PGR, “inutilmente”.
O passo seguinte de Cabral, guiado pelo delegado da Polícia Federal Bernardo Guidali Amaral, foi ousado. Desse certo a fórmula, destravaria qualquer colaboração emperrada. A manobra consistiu em envolver o ministro Dias Toffoli — que bloqueara a delação “imprestável”, no dizer da PGR.
A acusação: quando integrante do Tribunal Superior Eleitoral, o ministro fez parte da maioria que votou, em 2015, contra a anulação da vitória do prefeito de Volta Redonda (RJ) por propaganda fora de época, em 2012. O voto teria sido “comprado”. A alegação foi contestada pelos aliados de Cabral à época e foi feita sem indícios materiais.
Na situação de “tudo ou nada”, Cabral engatilhou mais 20 anexos envolvendo autoridades com foro privilegiado e tinha a intenção de acusar mais dois ministros do STF. Nos acertos feitos nos bastidores, porém, os próprios membros da “força tarefa” montada para ajudar o ex-governador acharam demasiada a audácia. O juiz Marcelo Bretas e o ministro Edson Fachin autorizaram a Cabral o compartilhamento de provas de outros processos para ajudar em sua delação.
A manifestação da PGR, assinada pelo vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, merece leitura atenta. A peça recoloca a discussão sobre o poder de celebrar delações por parte da polícia e repõe os parâmetros para homologação de acordos de colaboração premiada.
Jacques de Medeiros rebate ponto a ponto a validade da delação. Opõe as imputações do ex-governador aos de outras delações, documentadas e as descreve como “narrativas (que) carecem de mínima plausibilidade fático-probatória”. O único elemento novo apresentado como prova por Cabral, diz a manifestação, é a sua agenda pessoal. Nas suas palavras:
“Os elementos coligidos resumiram-se as declarações do colaborador — que, como destacado, atua em contrariedade com a boa-fé objetiva —, não havendo documentos de corroboração do alegado. As mídias digitais anexas continham, apenas, o registro audiovisual dos depoimentos do colaborador e documento intitulado “Agenda SERGIO CABRAL”, que não elucida os fatos. Essa agenda, ademais, foi o único documento novo apresentado pelo colaborador no curso da celebração do acordo.”
Depois de apontar outras contradições e inconsistências, Jacques de Medeiros conclui que “a única razão que se observa para que agora venham aos autos esses supostos fatos é a tentativa do colaborador de constranger os órgãos de persecução a lhe conceder os benefícios decorrentes da colaboração ou retaliar o sistema penal que o condena”. “É evidente a má-fé com que atua o agente.”
E conclui: “o ímpeto de SERGIO CABRAL de constranger as autoridades públicas é de tal dimensão que chega o colaborador a atribuir a prática de crime a Ministro do STF por ter acolhido arquivamentos de inquéritos promovidos pelo MPF, providência irrecusável nos termos da pacífica jurisprudência da Corte”.