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segunda-feira 10 de julho de 2023 às 08:26h

Para onde olha a auditoria interna dos municípios brasileiros?

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A película “Casamento grego”, direção de Joel Zwick, já com duas décadas desde o seu lançamento, é uma comédia romântica improvável, com cenas curiosas, nas quais se destaca singular fala do pai da protagonista: “O homem pode ser a cabeça da família, mas a mulher é o pescoço e ela gira a cabeça para onde ela quiser. “Espirituosa, a frase foi imortalizada.

Como expresso pela arte, muitas vezes existe a ilusão de que há poder na estrutura formal visível, ou seja,na “cabeça”, e esquece-se das dinâmicas condutoras das ações de tais estruturas formais, das forças que realmente direcionam oolhar, o foco, materializado coletivamente por aquelas, já que as instituições não tem racionalidade própria,  não pensam e não agem por si, são dependentes e refletem as pessoas que as movem e, que o fazem a partir de seus interesses, conhecimentos, limitações, contextos de visões e de poder.

Correlacionando de forma simples, mas crítica, arte e auditoria, é possível usar tal enfoque para refletir quanto ao contexto da atividade de auditoria interna governamental no âmbito municipal no Brasil, indo em direção a raiz de umaquestão, com um certo grau de autonomia de pensamento, a partir de novas perguntas sob respostas já prontas, produzidas, mesmo que em forma declaratória e com suas limitações metodológicas, por estudo publicado pelo Conselho Nacional de Controle Interno (CONACI) em parceria com o Banco Mundial, de junho de 2023, intitulado “Diagnóstico Nacional do Controle Interno” (1).

Unindo a partir da analogia inicial controladorias e auditores, e atribuindo, de forma simples, que uma parte deste movimento, dos olhares das entidades ‘controladorias’, advém da força motriz do pescoço de suas estruturas e de seus profissionais, buscaremos uma reflexão autônoma sobre o tema, a partir do achado do diagnóstico a seguir:

Em quase metade dos municípios que contam com Unidades Centrais de Controle Interno, no âmbito do Poder Executivo, não existem ações voltadas para o acompanhamento da execução de políticas públicas, o que é um indicativo, nesses casos, de uma baixa vinculação e/ou atenção das UCCI às atividades finalísticas dos municípios. “

Esse achado, que tem potencial para ser mais abrangente em termos numéricos, visto o caráter declaratório e os vieses presentes neste tipo de coleta, como o de desejabilidade social, a um simples exame crítico, é revelador quando reflete o conjunto de escolhas operacionais desses órgãos de controle interno municipais e é, ao mesmo tempo, preocupante.

Para onde olham nossos auditores internos municipais no Brasil, que guiam suas instituições? Que temas (não) tem guiado suas propostas e definições de foco, ou seja, como o conjunto pensante das estruturas formais, ambientadas no lócus genérico denominado de controladorias, definem os escopos que conduzem os trabalhos realizados, que teriam, ao final, o condão de produzir diagnósticos e proposições de ajustes e melhorias para atingimento do objetivo da função auditoria interna nos governos e, consequentemente, apoiar um resultado de melhor entrega de serviços públicos?

Articulando a questão e o achado do CONACI, pode-se inferir que a cabeça, denominada controladoria, não tem tido seu olhar direcionado por seu pescoço (auditores), para a atividade fim do estado. Essas entidades formais, criadas para, em tese, operacionalizar um mandamento constitucional, e não necessariamente atender de fato a gestão, aparentam, segundo o achado, ter uma preocupação, em sua maioria, tímida em relação as atividades finalísticas, representadas pelo acompanhamento das políticas públicas no nível municipal.

Para onde caminhamos, em termos de eficiência de órgãos formais de controle interno municipal, quando ainda que, mesmo de forma declaratória, metade dos pescoços afirmam não guiar suas cabeças para olhar a atividade precípua do estado, ou seja, não estão preocupados ou não dispõe de condições formativas ou operacionais mínimas ou de poder que os permitam mover as cabeças para examinar as entregas do município aos seus cidadãos.

Ao distanciar sua atuação precípua do foco no cidadão, as controladorias deste recorte consequentemente, não avaliam, não emitem opinião, e a dimensão corretiva e preventiva, advinda da ação da auditoria em relação às políticas públicas, decorrente de competência constitucionalizada, pelo artigo 74 da Constituição Federal ao órgão de controle interno, há 35 anos, não se realiza.

A preocupação se materializa especialmente em relação ao quanto interconectamos o rumo dos olhares das entidades de auditoria com o papel atribuído aos municípios no federalismo brasileiro desenhado a partir da Constituição de 1988, onde tem-se a premissa que a vida das pessoas ocorre localmente e, assim, os municípios se tornam protagonistas da execução das políticas públicas de forma mais direta para os cidadãos, mormente as sociais. Nesse cenário era de se esperar que as entidades formais de controle e auditoria na esfera municipal se voltassem precipuamente para tal exame, em detrimento de outros enfoques legalistas ou policialescos, por exemplo, caso escolhas de escopo fossem necessárias, contingencialmente.

O impacto desse não direcionamento a políticas públicas das instituições de controle interno municipal, para uma atuação preponderantemente focada na avaliação da estruturação/implementação das políticas públicas na ponta, pode resultar em prejuízos geracionais, em especial na saúde e na educação, e ainda, enfraquece, por consequência, e ao longo do tempo, a ação do controle social e da participação popular, que demanda, para a sua efetividade, a interação com a dimensão técnica desses órgãos de controle interno.

Além deste aspecto de centralidade cidadã, as controladorias são entes mediadores entre o controle social e o controle externo na esfera municipal, e poderia ser um poderoso aliado dos gestores na construção de diagnósticos e proposições em relação as políticas mais relevantes para a municipalidade, que são objeto de pressão popular e de inspeções de fiscalizações externas como da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União.

Nesse contexto, é possível que o pescoço, aqui representado pelo ação do atributo técnico da atividade de auditoria interna, possa estar direcionando a sua já restrita energia em um sentido diverso do qual poderia orientar a cabeça, jogando a lupa dos olhos da estrutura formal sobre questões desalinhadas dos focos da atuação finalística da municipalidade, perdendo espaço estratégico e em última instância, podendo fazer escolhas que, se não impactam no serviço ao cidadão, podem desviar seu propósito ao servir ao jogo político e a interesses paroquiais, deixando de ser um indutor da boa gestão, valorizada pela qualidade do que entrega. Então, não haveria espaço para um redirecionamento?

A narrativa produzida em forma de diagnóstico pelo CONACI é relevante, porém, pode ser inócua sem uma medida de ordem prática. É preciso que se aproveite tal achado, quando articulado por essa nova pergunta, dessa desarticulação majoritária no âmbito técnico das entidades de controle interno formal com as políticas públicas, para inspirar uma correção urgente de rumo.

A partir da proposição de um plano de ação que pode ser de caráter colaborativo com outras esferas e poderes, onde se articule um exame das causas que levam estas entidades ao distanciamento das avaliações de políticas públicas, é possívelconseguir um encaminhamento para queas controladorias municipaistenham uma atuação mais efetiva e voltada para a melhoria dos resultados da aplicação de recursos e, precipuamente, no impactos das políticas públicas na sociedade, que por si já abrangeriam de forma tangencial e objetiva todos os outros aspectos de conformidade e formalidades.

Para que um plano de ação, como proposto, possa ser articulado, outros dados do CONACI fornecem já algumas respostas. Destaca o que “cerca de 25% dos municípios do país não apresentam UCCI estruturadas” e que “em quase 50% dos municípios que contam com UCCI, no âmbito do Poder Executivo, não há exigência de algum tipo de enquadramento específico de quem ocupará o cargo de responsável pela UCCI”.

Esses dados ratificam a existência de lacunas relacionadas à infraestrutura, técnica especializada e até mesmo de arcabouço legal estruturante, o que pode ser fator de impacto na motivação da direção seguida pela controladoria municipal e, consequentemente, por sua auditoria interna.

É preciso destacar que, mesmo considerando as limitações estruturais e operacionais para o ideário das ‘funções controle interno no Século XXI’ atribuídas as unidades de controle interno pelos diversos manuais de boas práticas, como  ações de ouvidoria, transparência, correição, a função de auditoria interna, especialmente sua atuação na avaliação de políticas públicas, não deve ser vista como concorrencial e sim ter sua agenda conciliada com as demais, destacando o seu papel imprescindível na melhoria do ambiente geral da entrega de serviços públicos aos cidadãos e até na implementação das agendas correlatas.

Os dados de uma coleta como a do CONACI  permitem, além do conhecimento de contexto, útil por sua visão histórica e diagnóstica, gerarreflexões, quando submetidas as respostas às perguntas mais críticas e assim sair dos dados frios para formulação de ações concretas.

É possível que após algumas simples reflexões, como as aqui apresentadas, termos a vida imitando a arte, em que os membros, cabeça e pescoço, estariam numa uma única e mesma orientação, alinhada com as políticas públicas e sua execução. Eis uma oportunidade para reflexão e quiçá, de ação por parte dos auditores e demais atores neste processo, que direcionando seu olhar para a avaliação de políticas públicas, podem, mesmo aos poucos, ir moldando o ângulo de olhar de suas instituições com sua força motriz interna e tornando-as mais próximas do ideário constitucional de controle cidadão ou para a cidadania.

Nota

  1. Disponível em https://conaci.org.br/, e que buscou mapear a situação dos órgãos de controle interno municipal, previstos no artigo 74 da Constituição Federal de 1988.

Marcus Vinicius de Azevedo Braga, Doutor em Políticas Públicas (PPED/IE/UFRJ)

Ludinaura Regina Souza dos Santos, Mestra em Gestão em Organizações Aprendentes (MPGOA/ UFPB) e Doutoranda em Contabilidade (PPGCC/UFPB).

Rossana Guerra de Sousa, Professora Doutora em Contabilidade na UFPB

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