A Organização Mundial da Saúde lançou um projeto de testes internacionais para tentar achar uma cura em tempo recorde.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou, na última sexta-feira (20), um projeto de testes de medicamentos promissores na luta contra a Covid-19. Chamada de Solidarity (Solidariedade, em inglês), a iniciativa busca centralizar dados de estudos com milhares de pacientes em dezenas de países para tentar encontrar uma cura o mais rápido possível.
Segundo a revista Super Interessante, quatro tratamentos foram escolhidos até agora para serem testados: o antiviral Remdesivir, desenvolvido para ser usado em casos de ebola, mas que não se mostrou eficaz; a cloroquina e a hidroxicloroquina, usadas contra a malária; uma combinação de remédios contra HIV, formada por lopinavir e ritonavir; e a mesma combinação anterior, mas agora em conjunto com a substância interferon beta-1a, usada no tratamento de esclerose múltipla.
O projeto foi pensado e desenvolvido para agilizar ao máximo o processo de testes. Funciona assim: quando um hospital credenciado recebe um paciente com confirmação de Covid-19, os médicos enviam os dados dos pacientes à plataforma da OMS de forma online, juntamente com a assinatura de consentimento do paciente escaneada. Depois, o sistema irá atribuir aleatoriamente um dos quatro tratamentos que deverá ser usado naquele caso – tudo de forma online e rápida.
Por fim, os resultados que serão reportados pela equipe médica integrarão à base de dados centralizada da OMS, indicando se o tratamento fez ou não efeito, bem como possíveis efeitos colaterais.
Nesse processo, a organização admite que há uma falha: os testes não serão “duplo-cego”, ou seja, os pacientes saberão que estão tomando uma droga possivelmente eficaz – o que pode levar ao efeito placebo e confundir os resultados. Mas a OMS explicou que, no momento, está priorizando a rapidez para se conseguir uma cura em detrimento do rigor científico.
Até agora, nove países já aceitaram participar do experimento mundial: Argentina, Bahrein, Canadá, França, Irã, Noruega, África do Sul, Tailândia e Suíça. Outros candidatos deverão se juntar em breve.
A OMS também deixou claro que o projeto é dinâmico, e pode mudar a qualquer momento: se uma droga se mostrar prejudicial e/ou ineficaz, será imediatamente removida da lista de candidatos. Outros medicamentos podem entrar para os testes caso haja evidência suficiente para incluí-los. Um dos possíveis nomes que podem integrar os testes no futuro é o favipiravir, um medicamento japonês contra o vírus da gripe que já demonstrou certa eficácia contra o novo coronavírus.
Além disso, um estudo preliminar encontrou 69 medicamentos que possam ser eficazes em atrapalhar de alguma forma o ciclo de infecção do SARS-CoV-2, incluindo remédios já utilizados para outras doenças, substâncias em testes clínicos (ou seja, com pessoas) e pré-clínicos (em laboratório). Mas os quatro tratamentos escolhidos pela OMS foram os que se mostraram os mais promissores até agora.
Antes de conhecer cada um deles, lembre-se: todos esses remédios ainda estão em fase de testes e não há garantia de sua eficácia. A automedicação pode ser prejudicial e causar efeitos colaterais.
Remdesivir
Um dos primeiros remédios que se destacou na nova pandemia foi o Remdesivir, um antiviral criado pela empresa Gilead Sciences para combater o vírus da ebola. Em testes na África no ano passado, porém, o remédio não teve efeito – e foi considerado um fracasso. Mas, agora, ele pode ter uma nova chance de brilhar.
Apesar de ter sido feito para combater o ebola, experimentos em laboratório mostraram que o medicamento é eficaz em combater os coronavírus causadores de SARS e MERS, doenças parecidas com a Covid-19. Isso porque seu mecanismo de ação consiste em inibir a replicase de RNA, uma enzima essencial para a replicação dos vírus.
Até agora, dois pacientes dos Estados Unidos com Covid-19 receberam esse tratamento e se recuperaram. Mas a amostragem é muito pequena. São necessários mais experimentos em pessoas para garantir que os resultados possam ser generalizados, e por isso a OMS o escolheu como um de seus candidatos.
Ritonavir/lopinavir
As duas drogas, em conjunto, são utilizados para combater o HIV, vírus que pode levar à Aids. Eles atacam o vírus ao inibir a chamada protease – uma enzima responsável por “cortar” longas cadeias de proteínas e formar peptídeos, os pequenos conjuntos de aminoácidos que os vírus utilizarão para a replicação. O objetivo é ver se os remédios conseguem fazer o mesmo com o SARS-CoV-2.
Apesar de estudos em laboratório indicar que a dupla possa funcionar, os primeiros resultados com pessoas não são muito animadores. Em Wuhan, pacientes receberam a combinação e não mostraram melhoras, segundo um estudo. Mas os remédios foram usados quando os quadros dos pacientes já estavam bem graves, e talvez nada mais conseguisse os salvar. Por isso os remédios continuam em testes.
Ritonavir/lopinavir + interferon-beta
A combinação está sendo testada de dois modos: sozinha e em conjunto com outra substância, a interferon-beta. A molécula está envolvida nos processos inflamatórios do corpo e já se mostrou eficiente em combater o vírus da MERS em outros mamíferos.
O problema desse tratamento é que ele deve ser utilizado com muito cuidado em pacientes em estado grave de Covid-19, porque o interferon pode piorar a inflamação nos pulmões do pacientes, agravando o quadro.
Cloroquina/Hidroxicloroquina
Talvez os nomes mais falados dessa lista, os dois remédios há muito tempo utilizados contra a malária ganharam fama recentemente após indícios de que poderiam curar a Covid-19. Tanto Donald Trump quanto Jair Bolsonaro demonstraram otimismo em relação ao uso da droga para combater a pandemia.
A repercussão na mídia levou a uma busca generalizada pelos medicamentos nas farmácias e o esgotamento da substância. A Anvisa precisou intervir, e incluiu a hidroxicloroquina e a cloroquina na categoria dos medicamentos de controle especial para evitar a venda descontrolada.
O fato, contudo, é que não há evidências concretas que mostrem que os medicamentos funcionem no caso da Covid-19. A OMS, inclusive, não ia incluir as substâncias na lista de testes, mas mudou de ideia após toda a repercussão mundial.
Como já relatamos na SUPER, os dois medicamentos são, de fato, utilizados no combate à malária, uma doença causada por um protozoário, um tipo de organismo unicelular. E um estudo recente mostrou que, em células cultivadas em laboratório, eles podem ser eficazes para inibir o SARS-CoV-2 também.
Mas os estudos feitos em humanos ainda são ambíguos. Uma pesquisa da França com 20 pessoas sugeriu que o remédio pode curar a doença – mas foi feito com várias lacunas. O estudo não foi duplo-cego, e tanto os médicos como os pacientes sabiam quem estava tomando a medicação e quem era do grupo de controle (que não era medicado).
Além disso, não incluiu um grupo de placebo, teve amostragem pequena (20 pessoas) e os resultados ignoraram 6 pacientes que não concluíram o tratamento – um dos quais morreu no meio.
Ou seja, ainda não há evidências suficientes para vender o remédio como a cura definitiva. Pelo contrário: isso seria prejudicial porque os medicamentos podem causar danos graves à saúde se ministrados incorretamente. Isso porque a cloroquina está ligada à danos no coração e já foi responsável por dois casos recentes de intoxicação na Nigéria devido ao uso incorreto. E a hidroxicloroquina, apesar de ser um derivado menos tóxico da cloroquina, também pode ser maléfica em alguns casos. O melhor mesmo, então, é esperar os futuros testes enquanto praticamos o distanciamento social.