O plebiscito de janeiro de 1963 foi convocado durante o grande acordo político que, em 1961, abortou a tentativa de golpe militar contra a posse do vice-presidente João Goulart, que assumiria a presidência devido à renúncia de Jânio Quadros. Nesse acordo, a forma encontrada para superar o impasse político foi a implementação de um governo parlamentarista tendo Jango como presidente, mas com funções restritas a chefe de Estado.
Embora a solução parlamentarista tenha, por um lado, superado a crise político-militar, por outro lado, ela não alterou os planos de todos os principais líderes políticos da época. Jango, por razões óbvias, queria ver restaurados seus poderes presidenciais. Outros, como Juscelino Kubistchek, Leonel Brizola e Carlos Lacerda, aspiravam concorrer à presidência nas eleições de 1965.
Além desta vontade política das lideranças, a campanha pelo “não” à continuidade do parlamentarismo tinha embutida a mensagem do restabelecimento dos poderes usurpados de Jango pelo acordo de 1961. Com esta conjuntura inteiramente favorável não foi surpresa a vitória do presidencialismo. A situação política que envolve o plebiscito de 1993, no entanto, era inteiramente diferente. Primeiro, os constituintes de 1988, sem qualquer tipo de pressão política ou militar, resolveram transferir para a população a decisão sobre o sistema de governo que o país deveria adotar. Fizeram-no simplesmente porque quiseram.
Segundo, o movimento pelo parlamentarismo, dentro e fora da constituinte e principalmente durante o episódio Collor, foi um movimento afirmativo, fruto da vontade política de uma parcela ponderável das lideranças políticas. Finalmente, a campanha de 1993 foi uma disputa de ideias políticas sobre formas e sistemas de governo e não apenas uma campanha entre o “sim” e o “não”, entre devolver ou não os poderes presidenciais tirados de alguém.
Em momentos políticos tão diferentes, os plebiscitos tiveram os seguintes resultados:
A clareza da expressão do eleitorado de 1963 reflete a natureza da campanha pelo “não”, onde o eleitorado respondeu com firmeza o apelo ao fim do golpe branco sobre o presidente João Goulart. Em 1993, a opção pelo presidencialismo diminuiu em 21%. Entretanto, a opção pelo parlamentarismo não cresceu na mesma proporção. Ademais, pelas pesquisas de opinião divulgadas em 1992 e 1993, observamos que a opção pelo parlamentarismo chegou a cativar a maioria relativa do eleitorado, mas após o episódio Collor e principalmente durante os dois meses de campanha publicitária, perdeu adeptos.
O que realmente chama a atenção de 1993, comparado com 1963, foi o enorme aumento de votos em branco e nulos. Não devemos aceitar a explicação fácil de que em 1963 a cédula era bem mais simples do que a usada em 1993. Isto implicaria em anular inteiramente a influência do processo político mais amplo na decisão de Goulart.
Talvez indiferença ou repulsa às questões postas pelos constituintes de 1988 sejam fonte de motivação mais convincente para justificar o comportamento desta parcela, nada desprezível, do eleitorado. A nossa questão não é concordarmos com um ou outro motivo, mas encontrarmos uma resposta ao por que em 1993 foi produzida tanta indiferença ou repulsa, contrariamente ao que ocorreu em 1963.
Afinal, decidir sobre sistemas de governo não é uma questão frívola e nem tão abstrata que exclua do debate 20% do eleitorado.
Veja na tabela abaixo o resultado dos plebiscitos de 1963 e 1993 por estados da federação:
Extraído de: FIGUEIREDO, Marcus. Os plebiscitos de 1963 e 1993 e a participação eleitoral. Opinião Pública, Campinas, vol. I, nº 1, Julho/Agosto, 1993, p. 01-08.