Em resultado considerado surpreendente até mesmo pelos vencedores, dois partidos independentistas levaram a maioria dos 40 mil votos do território ligado à Dinamarca e que está na mira de Trump. O partido oposicionista de centro-direita Demokraatit – Democratas, em português – liderou com quase 30% dos votos as eleições parlamentares que ocorreram na terça-feira (11) na Groenlândia. O resultado foi considerado “surpreendente” pela própria legenda, que cresceu 21 pontos percentuais entre o eleitorado em comparação com a eleição de 2021, quando havia conquistado 9%.
Em segundo lugar, com 24,5%, ficou o partido nacionalista Naleraq – ou Ponto de Orientação, em tradução livre – que mais do que dobrou sua votação em relação ao pleito anterior. Em terceiro, ficaram os ambientalistas do Inuit Ataqatigiit, com 21%, e, em quarto, o seu tradicional parceiro de coalizão, o Siumut, com 14%.
Uma vez que nenhum desses partidos obteve a maioria das 31 cadeiras do parlamento, negociações para formar uma coalizão governamental devem ocorrer nos próximos dias ou semanas.
O Demokraatit defende que a ilha gradualmente se torne independente da Dinamarca, por meio de negociações moderadas, sem admitir controle externo. Já o Naleraq busca a independência de forma mais rápida e direta, com possíveis estreitamentos de laços com os EUA, inclusive por meio de um hipotético acordo de livre comércio.
O pleito, normalmente pouco abordado pela imprensa mundial, desta vez recebeu atenção especial por ocorrer à sombra das recentes declarações do presidente americano, Donald Trump, que, no dia 7 de janeiro, portanto antes de assumir o atual mandato, afirmou que não descartaria o uso de força militar para tomar o controle da ilha, ligada à Dinamarca.
Cerca de 40 mil pessoas, de um total de 57 mil habitantes, estavam aptas a votar nesta eleição.
Busca por soberania
Ainda que setores como saúde e educação tenham sido questões centrais durante a campanha, debates sobre as futuras relações da Groenlândia com a Dinamarca também dominaram a corrida eleitoral.
A Groenlândia é um território autônomo ligado à Dinamarca, com Copenhague administrando suas relações exteriores, defesa e política monetária. E a vitória de partidos pró-independência nas urnas indica a possibilidade de coalizão entre as duas legendas.
“Acho que esse é um resultado histórico na política da Groenlândia”, declarou o líder do Demokraatit, Jens-Frederik Nielsen, de 33 anos, que pareceu surpreso com os tamanhos ganhos eleitores que o partido obteve nesta eleição.
“Não esperávamos que a eleição tivesse esse resultado. Estamos muito felizes”, afirmou ao canal de televisão local KNR.
Nielsen também disse que a Groenlândia precisa se manter unida “em um momento de grande interesse externo” e que “não queremos a independência amanhã, mas sim uma boa transição”.
Primeiro-ministro reconhece resultado
A eleição desta terça-feira na Groenlândia havia sido convocada em fevereiro pelo primeiro-ministro Mute Bourup Egede, de forma antecipada, com o argumento de que o país necessitava de união em um “momento sério”.
Nesta quarta-feira, depois de confirmados os resultados, Egede agradeceu aos eleitores pelo comparecimento às urnas e disse que os partidos estão prontos para dar início às negociações para formar um governo.
O partido de Egede, Inuit Ataqatigiit, obteve 21% dos votos, o que caracteriza um declínio significativo em relação à eleição de 2021, quando havia conquistado o primeiro lugar com 36%.
O ministro da Defesa da Dinamarca, Troels Lund Poulsen, parabenizou o partido Demokraatit e disse que o futuro governo da Groenlândia provavelmente terá que “lidar com a enorme pressão do presidente dos EUA, Donald Trump”.
Poulsen acrescentou que “não se pode simplesmente tomar parte do reino dinamarquês. O futuro da Groenlândia é baseado no que o povo e o governo querem”.
Corrida no Ártico
Ex-colônia dinamarquesa, a Groenlândia passou a conquistar gradualmente certa autonomia a partir de 1979, quando seu primeiro parlamento foi formado. Mas Copenhague ainda controla setores como relações exteriores, defesa e política monetária, além de fornecer mais de 500 bilhões de euros para a ilha anualmente.
Na prática, a independência está em pauta desde 2009, quando, após um referendo, a ilha ganhou o direito de declarar-se independente, embora não o tenha feito por preocupação com a queda do padrão de vida sem o apoio financeiro da Dinamarca.
A Groenlândia também se vê envolvida em uma corrida geopolítica pelo domínio do Ártico, onde o derretimento das calotas polares está tornando recursos mais acessíveis e abrindo novas rotas de navegação. Rússia e China, por exemplo, intensificaram a atividade militar na região.
Além disso, as declarações de Trump abalaram tanto líderes europeus quanto a população local, a exemplo de integrantes do povo indígena inuit, o que também ajudou a colocar a pauta sobre independência no centro da campanha eleitoral.
Na segunda-feira, no último debate antes do pleito, transmitido pela emissora estatal KNR, os líderes dos cinco partidos atualmente no parlamento disseram, de maneira unânime, que não confiam em Trump.
Inicialmente, Trump não descartou a possibilidade de uso de força militar para assumir o controle do território – que é rico em minerais –, embora mais tarde tenha baixado um pouco a guarda, afirmando que respeitaria a vontade da população e sugerindo que estaria “pronto para investir bilhões de dólares” em caso de futuras parcerias com os EUA.