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domingo 25 de julho de 2021 às 12:05h

Oeste da Bahia mostra como agronegócio torna regiões do interior ‘bolhas de riqueza’

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Foi nos anos 1980 que o preço baixo das terras e a promessa de expansão da produção agrícola atraíram muitos brasileiros para o Oeste da Bahia. João Antônio Franciosi foi um deles.

Trocou o Rio Grande do Sul pela paisagem ensolarada de Mimoso do Oeste em 1986, quando o povoado era só um aglomerado de casas com um posto de gasolina a caminho de Barreiras.

A pouca estrutura e o solo difícil foram desafios. Franciosi conta que quase metade dos que chegaram com ele quebraram sem conseguir colher, mas ele prosperou. Em três décadas, a família dele foi de 300 hectares para os mais de 70 mil hectares cultivados hoje.

Foto: Divulgação

Quem se adaptou, como ele conforme excelente reportagem do O Globo com fotos de Pablo Jacob, viu a agricultura transformar a região, que hoje concentra algumas das cidades que integram a lista dos 50 municípios agrícolas mais ricos do país.

Luís Eduardo Magalhães, Barreiras, Correntina e São Desidério formam um corredor de forte expansão do agronegócio no Matopiba — como é chamada a região formada por Tocantins e partes de Maranhão, Piauí e Bahia, a mais nova fronteira agrícola do país —, com destaque sobretudo para a produção de algodão e soja.

Com a alta do dólar e dos preços das commodities com a recuperação de grandes economias após o baque da Covid, sobretudo da China, essa região da Bahia passa pela crise praticamente imune aos seus efeitos. Uma amostra do que acontece em regiões do país impactadas pelo agronegócio.

A bonança das exportações agrícolas ajudou a economia brasileira este ano, mas com efeito reduzido no mercado de trabalho das grandes cidades. O PIB do país no primeiro trimestre avançou 1,2% puxado pelo bom desempenho do setor, que cresceu 5,7%. O maior impacto ficou no interior.

Fila na concessionária à espera de Hilux

As cidades baianas visitadas pelo GLOBO, que eram marcadas pela pobreza há pouco tempo, somam R$ 6,9 bilhões em produção agrícola. E o valor deve aumentar. Segundo o Ministério da Agricultura, a produção de grãos no Oeste da Bahia cresceu 29,7% nos últimos quatro anos. A pasta prevê alta de mais 30% até 2030.

— São indicadores que garantem o abastecimento, geração de emprego e ótimas perspectivas para o agronegócio do estado — diz a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.

O crescimento de Luís Eduardo Magalhães (ou LEM, como é chamada pelos locais) dá uma dimensão de como as fazendas viraram um polo de atração. A cidade batizada com o nome do ex-presidente da Câmara morto em 1998 foi emancipada em 2000 com 16 mil habitantes. Hoje, se aproxima de cem mil.

 Foto: Banco de imagens

Ali, são poucas as placas de “aluga-se” no comércio do centro da cidade, ainda que bares e restaurantes tenham sofrido com as restrições da pandemia. A pobreza existe, embora menos aparente nas ruas. Há 19,7 mil beneficiários do Bolsa Família em LEM e 34,6 mil em Barreiras, por exemplo, cerca de 22% da população nos dois casos, bem próximo da média da Bahia.

Mais visível é o dinheiro circulando entre a nova elite do Oeste da Bahia, que investe na mecanização das fazendas. O tráfego de aviões particulares é intenso. Uma concessionária de veículos da região tem cerca de 200 clientes na fila de espera por uma picape Hilux, importada da Argentina, que custa entre R$ 278 mil e R$ 360 mil.

As entregas passaram dos habituais 30 dias para algo entre quatro e seis meses por causa dos impactos da pandemia na produção das montadoras, mas a demanda só aumentou.

— A gente vive em uma bolha. O agro indo bem, todo mundo vai bem — define Jackson Matos, gestor de vendas da Campo Verde, representante da Toyota no Oeste da Bahia.

Foto: Reprodução

Na Ford da região, a venda de picapes cresceu 21,6% no primeiro semestre, em relação ao mesmo período do ano passado. João Paulo Santana, gerente comercial da Ford Buriti em LEM, observa que a finalização de colheita afeta a dinâmica das vendas. As de julho e agosto deverão representar mais de 40% do total vendido em 2021, ele estima.

O modelo de grandes propriedades agrícolas mecanizadas favorece a concentração de renda, um dos principais problemas do Brasil, mas a riqueza das fazendas acaba transbordando para a economia local gerando empregos, o que fez diferença na crise.

— A agricultura hoje proporciona salários bons, isso começa a se divulgar, e buscam a região para trabalho — observa Franciosi, que tem fazendas e concessionárias de maquinário agrícola.

Contraste visível

A filha dele, Ana Paula Franciosi, constatou o contraste entre o progresso da região e o cenário em outras do país. Ela fazia faculdade em Porto Alegre, mas, com as aulas remotas adotadas na pandemia, voltou à Bahia em junho de 2020.

— Em Porto Alegre, tudo estava fechado, era um clima de muito medo. Aqui está diferente, porque a fazenda não para, o escritório não para — diz Ana Paula, que ajuda o pai.

Henrique Leão, fundador de uma construtora em Barreiras, conta que, no ano passado, vendeu quase 200 unidades, entre apartamentos e escritórios comerciais, incluindo imóveis de alto padrão que chegavam a custar até R$ 2 milhões — valor alto para uma cidade de 157 mil habitantes.

Investidora de um condomínio em LEM, Elcy Dornelas diz que o desafio é convencer quem sempre morou em casa a comprar apartamento. Ainda assim, já vendeu 44 unidades do empreendimento, que custam a partir de R$ 870 mil.

Outro pioneiro dos anos 1980, Luiz Carlos Bergamaschi, presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), atribui o rápido desenvolvimento do agro ali a um processo de adaptação e investimento em tecnologia para elevar produtividade:

— As pessoas se adaptaram, e com a natureza você não duela, você vive em harmonia. Usamos muita tecnologia, porque é o que salva, é como otimizamos a agricultura.

Essa pujança não chega para todos. O diretor-presidente do Grupo Sertaneja, Antônio Balbino de Carvalho Neto, diz que a desigualdade está aumentando.

À frente de um grupo de empresas em setores diferentes, da pecuária aos imóveis, ele observou um movimento de venda de terrenos e imóveis por pessoas que perderam renda na pandemia e não tinha reservas.

Foto: Reprodução

Arthur Bragança, coordenador de Avaliação de Política Pública, Agricultura Sustentável e Infraestrutura da Climate Policy Iniciative (CPI), observa que a produção, principalmente de soja, é o motor do desenvolvimento na região, gerando não só expansão do PIB de agro, mas também serviços.

Isso melhora a qualidade de vida, amplia acesso a bens de consumo, mas o desafio é distribuir essa riqueza, diz ele:

— A grande dificuldade é transformar a riqueza da soja, em que os produtores são capitalizados, e criar um desenvolvimento local mais amplo. Nas localidades que se beneficiam da expansão da soja não há observação de melhoria de indicadores educacionais e de saneamento, por exemplo.

Produtores têm que assumir infraestrutura

Apesar de todo o dinheiro que o agronegócio trouxe para o Oeste da Bahia, essa riqueza não é visível na mesma proporção nas cidades da região. Os gargalos de infraestrutura ainda são muitos na comparação com outras bolhas de prosperidade do agronegócio, como no interior de São Paulo ou em regiões do Centro-Oeste.

Estradas precárias, sinais de telefonia e internet ruins e deficiências até na distribuição de energia elétrica são alguns dos problemas mais relatados pelos produtores, que têm se juntado para tocar obras por conta própria.

É a saída para suprir carências de logística para escoar a produção, diz o presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Luiz Carlos Bergamaschi.

A principal iniciativa do grupo é a abertura e pavimentação de estradas vicinais. Já foram 140 quilômetros bancados por eles e há mais 700 quilômetros nos planos, mas a região tem sete mil quilômetros de vias precárias.

Agora, 27 quilômetros receberão asfalto na chamada rodovia São Sebastião, que dá acesso a fazendas que produzem 150 mil toneladas de grãos e fibras por ano.

Foto: Reprodução

— Nunca imaginávamos um dia estarmos fazendo asfalto. A patrulha começou para consertar a estrada e tirar a colheita do campo. A solução encontrada foi pavimentar — afirma Bergamaschi.

Em nota, o governo da Bahia diz que há um processo de licitação em curso para a recuperação de mais de 330 quilômetros de rodovias estaduais no oeste baiano. Já esses serviços nas estradas vicinais contam com a participação indireta do estado, que renunciou ao ICMS sobre produtos agrícolas industrializados, argumentou o governo.

Em vez de recolher o tributo por meio da secretaria de Fazenda, os recursos são dirigidos ao Prodeagro, um fundo “criado para realizar benfeitorias nas áreas de infraestrutura e pesquisa agropecuária, com vistas à melhoria da produtividade”.

Apagões cotidianos

A distribuição de energia elétrica é outro empecilho. Como a demanda é alta, as quedas são constantes. A ampliação das redes de distribuição depende de obras do estado. Sem elas, produtores estão investindo em energia solar fotovoltaica, que supre parte do consumo das propriedades.

A secretaria de Infraestrutura da Bahia diz que a rede básica está em expansão, com início de operação de linhas de transmissão e leilões para construção de mais linhas e estudos junto à Empresa de Pesquisa Energética para expansão do sistema no Matopiba.

Para os moradores da zona rural, a esses problemas se somam as grandes distâncias para acesso a serviços básicos. O distrito de Roda Velha, que abarca a maior parte das fazendas de São Desidério, parece esquecido no tempo, embora seja o que mais contribui para o alto PIB agrícola da região.

Foto: Reprodução/Compre Rural

— O benefício desse dinheiro do agronegócio aqui é pouco. A renda vai para lá (a sede do município), e aqui não tem investimento, nem emprego — queixa-se a vendedora Maria Luciana Reis, de 33 anos.

Vivem em Roda Velha cerca de 8,5 mil pessoas, de acordo com a prefeitura, mas há muito pouco por ali. Para exames médicos e hospital, os moradores precisam ir até a sede do município de São Desidério, a 130 quilômetros.

Também vai para lá quem precisa ir ao banco, porque não há nenhum ali, o que prejudica o comércio local. Há empregos, mas a localidade está longe de ser um oásis. Faltam profissionais preparados para a modernização da atividade no campo.

— Não falta emprego, mas faltam pessoas que se encaixem no agronegócio e tenham qualificação — diz Alessandra Zanotto Costa, diretora de um grupo agrícola da região, que defende investimento privado em treinamentos, como já faz a Abapa.

Atenção ao meio ambiente

Além da infraestrutura, um desafio dos fazendeiros dessa região é garantir o desenvolvimento da produção sem expandir de forma desordenada a fronteira agrícola no Matopiba, garantindo a proteção do meio ambiente e da produção de gêneros alimentícios pelos pequenos agricultores.

O principal risco vem do modelo de grandes propriedades, que concentram o plantio de poucos itens, mas um estudo do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) que está prestes a ser divulgado indica que o modelo de monocultura não teve grande impacto sobre a diversidade agrícola na região.

— Apesar do mar de cultivo de soja e milho, culturas como arroz, feijão e mandioca não estavam diminuindo. Elas estão em franjas, em nichos que os latifúndios não alcançam e formam uma produção local que ainda se mantém — explica Roberto Palmieri, gerente de programa do instituto.

As culturas intensivas exigem maior cuidado com o aspecto ambiental. Os produtores locais estão antenados com as exigências, principalmente vindas do mercado externo, e dizem estar dispostos a fazer adaptações, embora já adotem boas práticas.

Para Edegar de Oliveira, diretor de conservação e restauração do WWF-Brasil, o país tem uma situação privilegiada para ser liderança em produção agropecuária e conservação ambiental, ainda mais pela conexão entre as duas agendas.

— O Brasil não precisa desmatar novas áreas para seguir ampliando a produção agrícola e atender a expectativa de crescimento do setor para as próximas décadas. A ciência já provou, e lideranças do setor agropecuário também repetem esta informação, de que se utilizarmos melhor as áreas já desmatadas podemos ampliar em muito a nossa produção agropecuária — afirma.

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