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sexta-feira 31 de maio de 2024 às 11:20h

Ódio ao adversário impulsiona filiação partidária, mostra pesquisa; veja os partidos rejeitados

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Apesar do crescimento da desconfiança em relação aos partidos políticos, a filiação partidária tem aumentado no País, e um dos principais motivos é a rejeição dos filiados aos adversários do campo político oposto. A conclusão é resultado de uma pesquisa realizada por cientistas políticos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade de São Paulo (USP). O estudo revela que, entre os filiados, cerca de 70% consideram, em algum grau, a aversão e o ódio ao rival político como motivos relevantes para aderir a uma legenda, conforme reportagem de Hugo Henud, do jornal O Estado de S. Paulo.

Para os cientistas políticos ouvidos pelo Estadão, a nova dinâmica não só fomenta a polarização entre os eleitores, especialmente em anos eleitorais, como também enfraquece a democracia. A pesquisa de abrangência nacional, realizada nos anos de 2020, 2022 e 2023, com 32 partidos, enviou questionários com 52 perguntas para filiados e dirigentes partidários, com o objetivo de descobrir as motivações para a filiação, os elementos que incentivam a participação nas atividades partidárias, além de identificar os partidos mais odiados e rejeitados. Foram consideradas as respostas de 3.266 integrantes dessas legendas que responderam o questionário inteiro. A pesquisa tem margem de erro de 2% e grau de confiança de 95%.

“Queríamos entender por que a filiação partidária estava aumentando, mesmo diante do crescente descrédito e desconfiança da opinião pública com relação aos partidos. Então, descobrimos que o ódio e a rejeição ao adversário motivam não só a filiação, mas também são fatores que tornam os filiados muito mais engajados na vida partidária”, diz Pedro Paulo de Assis, pesquisador do Departamento de Ciência Política da USP.

Engajamento pelo ódio

O estudo aponta que o ódio ao partido rival é um elemento fundamental para incentivar a participação dos filiados partidários. De acordo com o levantamento, 36% dos entrevistados se tornam altamente engajados nas atividades partidárias quando confrontados com a possibilidade de vitória do partido que mais rejeitam e odeiam em uma eleição. É o que os pesquisadores classificaram como “engajamento pelo ódio”.

O percentual está à frente de motivadores tradicionais, como a possibilidade de influência dentro da própria legenda (32%), além de se aproximar cada vez mais do que até então era considerado um dos principais aspectos de incentivo: a vitória do partido ao qual a pessoa se filiou (41%).

No questionário, os pesquisadores perguntaram quantas horas os filiados dedicavam às atividades partidárias em diferentes cenários de estímulo. Para a análise, foram considerados apenas aqueles que responderam que se dedicam mais de 30 horas mensais.

“Para 36% desses filiados, a principal motivação para o alto engajamento é a possibilidade de vitória do partido que mais odeiam e rejeitam em uma eleição presidencial. Portanto, o ódio atua como um incentivo negativo fundamental para que os filiados se tornem altamente engajados. Daí surge a expressão ‘engajamento pelo ódio’”, explica Vinícius Alves, pesquisador da UFSCar e um dos coordenadores da pesquisa.

Alves destaca que a aversão extrema identificada na pesquisa vai além das divergências e debates políticos, aspectos nos quais são normais e presentes em uma democracia.

“Estamos falando de um passo adiante no sentimento de rejeição. Não se trata de debates sobre programas partidários ou da ideia de simples competição entre partidos, por exemplo. É o sentimento de que o outro não pode existir. É o medo, o receio extremo de perder ou do adversário ganhar”, ressalta.

Autor do best-seller ‘Como as democracias morrem’, o cientista político americano Steven Levitsky explica que a polarização, até certo ponto, pode ser benéfica ao estimular o ativismo político entre as pessoas.

Steven Levitsky, autor de 'Como as democracias morrem' (Zahar), diz que polarização até pode ser saudável para a democracia se não houver excessos
Steven Levitsky, autor de ‘Como as democracias morrem’ (Zahar), diz que polarização até pode ser saudável para a democracia se não houver excessos Foto: steven levitsky

“O Brasil, em alguns momentos da era democrática, como nas décadas de 1980 e 1990, experimentou um considerável nível de polarização, por exemplo, entre o PT e seus principais opositores”, diz.

Levitsky, porém, ressalta que a intensificação da polarização nos últimos anos no País fomentou o sentimento do “medo exagerado de perder” entre os partidos, levando figuras políticas a se posicionarem contra a democracia e colocando em risco a alternância de poder.

“Quando a polarização atinge um ponto em que líderes ou membros de um partido começam a temer que um governo do outro partido representará uma ameaça existencial, seja para eles, suas comunidades e suas famílias, isso se torna perigoso para democracia”, ressalta.

“O Brasil, em alguns momentos da era democrática, como nas décadas de 1980 e 1990, experimentou um considerável nível de polarização, por exemplo, entre o PT e seus principais opositores”

Steven Levitsky

Na avaliação do cientista político e fundador do Instituto Quaest, Felipe Nunes, o aumento da polarização ajuda a calcificar as identidades políticas, levando as pessoas a deixarem de se engajar nos aspectos positivos da política, como o debate de ideias, e passarem a se envolver pelos aspectos negativos, como o ódio e a intolerância em relação aos seus adversários.

“A política deixou de ser um espaço para o debate de grandes ideias e projetos, para se transformar em um debate sobre afetos e sobre como não deixar que meu adversário – aquele que eu odeio, que eu não tolero, que eu não quero que vença de jeito nenhum – ganhe as eleições”, explica.

“A intensificação da polarização está fazendo as pessoas deixarem suas paixões sobressaírem sobre aspectos racionais e razoáveis, como os princípios, ideias, programas partidários. É o que eu chamo de polarização afetiva, quando eu olho para o outro, não como adversário, mas como inimigo”, completa.

A pesquisa identificou os partidos mais rejeitados e odiados entre filiados e dirigentes partidários. Os resultados mostram que, embora o PT lidere com 34% de rejeição, seguido pelo PSOL com 27%, o “engajamento pelo ódio” é um fenômeno mais amplo e não se restringe apenas ao antipetismo, afetando outras siglas de diferentes matizes políticas.

“Com os resultados dos partidos mais odiados e rejeitados, percebemos que o engajamento pelo ódio se caracteriza como um processo que vai além do antipetismo. Na verdade, identificamos uma disseminada rejeição a partidos de diferentes espectros”, explica Vinícius.

O PSL (25%) e o DEM (20%), que deram origem ao União Brasil, aparecem na lista entre os seis partidos mais rejeitados. No entanto, o levantamento não captou a rejeição ao União Brasil, já que a fusão ocorreu recentemente, em meados de 2022, quando o levantamento já estavam em andamento.

Rejeição entre filiados afeta eleitores e democracia

Assis pontua que a rejeição extrema entre os filiados transborda para além das relações partidárias, influenciando, em certa medida, tanto o comportamento dos eleitores durante as eleições quanto o funcionamento das próprias instituições e cargos que compõem o sistema político brasileiro.

“Ao identificar o engajamento pelo ódio nos partidos políticos, podemos dizer que isso também chegará aos eleitores. A animosidade que alcançou a presidência com o ex-presidente Bolsonaro pode alcançar as prefeituras nas eleições municipais, por exemplo”, explica.

O pesquisador destaca ainda que o ódio identificado na pesquisa corrói a democracia brasileira, já que a arena política deixa de desempenhar seu papel fundamental de resolver conflitos institucionais por meio do funcionamento dos partidos políticos.

“A política acaba perdendo a sua função principal. Deixamos de ter uma força partidária capaz de resolver conflitos. E aí é um sinal bastante evidente de enfraquecimento da democracia no Brasil. Os partidos, demais instituições democráticas tem que estar atentas a essa questão. É um sinal amarelo para a democracia brasileira, que teremos que observar daqui para frente”, completa.

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