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quinta-feira 2 de novembro de 2023 às 15:12h

O que separa um bom de um mau professor?

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Profissão não é dom e requer compromisso com sua função social, que incluiu formação de indivíduos conscientes de seus direitos e da responsabilidade que carregam para buscar uma sociedade mais justa e igualitária. O senso comum que permeia nosso cotidiano, em especial no dia 15 de outubro, afirma a perspectiva de que o professor é a mais importante das profissões, rotulada como responsável pela formação de todas as demais ocupações laborais, personificada por um dom de ensinar, ao mesmo tempo que supera inúmeras adversidades.

Também é senso comum, já ouvimos e/ou reproduzimos, que existem bons e maus profissionais em todas as áreas e, isso inclui obviamente, professores e professoras. No entanto, que critérios podemos utilizar para estabelecer o diagnóstico que separe um bom ou de um mau professor? A resposta para essa questão não é simples e, muito mudou ao longo do tempo.

A escola, enquanto a instituição que conhecemos, surge no século 19. A figura do professor era central no processo de aprendizagem, uma vez que se compreendia que dele partia o conhecimento que deveria ser absorvido pelos estudantes. A autoridade do professor não deveria ser questionada, sua palavra era a verdade e a obediência um pré-requisito que uma vez não cumprido resultaria em punições, inclusive físicas. Esse autoritarismo velado não cabe mais nos nossos dias, teóricos da educação apontam para uma relação dialógica, de respeito e de compartilhamento dos conhecimentos, ainda que o professor se sobressaia no domínio do conteúdo específico selecionado ou determinado.

Se os tempos são outros, a mercantilização da educação é um fato fundamental para compreender o processo educacional atualmente. A formação de profissionais da educação é bastante questionável. O lucro e/ou o aporte do Estado através de bolsas guiam muitas instituições de ensino superior a diplomarem diversos profissionais sem a formação básica necessária para adentrarem ao ambiente escolar, em quaisquer níveis. Isso traz como consequência imediata a fragilização da escola, que se vê organizada por individualidades, com professores estabelecendo metodologias, conhecimentos e processos avaliativos que não convergem para o mesmo objetivo, prejudicando por consequência todo o processo de ensino-aprendizagem.

Muitos professores e professoras, como eu, poderiam citar inúmeros obstáculos que enfrentamos no nosso dia-a-dia, que frustram nossa prática profissional, que nos desmotivam em vários momentos e em algumas de nossas iniciativas: a pressão numérica do Estado pela aprovação de estudantes; a perseguição ideológica de pais que imaginam a escola como um cardápio de um restaurante, na qual escolhem o que seus filhos podem ou não aprender; o desinteresse estudantil frente aos desafios de aprender, num contexto tecnológico que aparenta – falsamente – lhes fornecer tudo aquilo que precisam; a enorme burocratização que atola professores em papéis, inviabilizando o foco no processo pedagógico; entre diversos outros exemplos. No entanto, nenhum desses problemas justifica a presença, em sala de aula, de profissionais descompromissados ou omissos quanto ao seu papel na sociedade.

Perpetuação de estereótipos

Em mais de 20 anos na educação, eu já vi de tudo um pouco: professores que terminaram o conteúdo programático com dois meses de antecedência (qual de nós consegue trabalhar todos os conteúdos de um ano, com qualidade?), preenchendo os dias finais com atividades banais quaisquer; profissionais que não lecionam (estão mais fora de sala ou dialogando sobre assuntos aleatórios); docentes que se negam a ouvir e/ou a debater os conhecimentos com os estudantes (mantendo a perspectiva verticalizada do século 19); professores e professoras que abrem mão da exigência de qualidade na execução das atividades e de suas aulas, para não serem questionados por estudantes, pais e pelo Estado (não é uma tarefa fácil manter posição, por vezes sucumbi à pressão); profissionais mais preocupados em agradar ou a apenas aguardar o retorno salarial ao final do mês do que compreender enfrentar os desafios cotidianos, buscando na coletividade o apoio mútuo para tornar e manter a escola, em especial a pública, como um caminho que possa conduzir os estudantes aos seus sonhos e objetivos.

Esses profissionais contribuem para que muitos estereótipos acerca dos professores se perpetuem, impedindo também que, apesar das diferenças, professores e professoras se percebam como parte de um todo, tendo a coletividade como a única possibilidade de se conquistar as demandas históricas que permeiam a categoria.

Ser um professor ou uma professora é, acima de tudo, o compromisso com a função social da profissão: contribuir na formação de pessoas que compreendam o mundo em que estão inseridos, conscientes de seus direitos e da própria responsabilidade que carregam na formação de uma sociedade mais justa e igualitária. Ser professor não é dom, somos profissionais que devemos ser reconhecidos muito mais do que por meras mensagens de apoio ou em homenagens vazias no Dia do Professor. O reconhecimento precisa superar o discurso e se fazer solidificado no reconhecimento financeiro, na desburocratização da função, na composição dos recursos estruturais e materiais necessários e, não menos importante, na garantia de liberdade de cátedra, com toda a responsabilidade que ela carrega.

Dadas essas garantias, não haverá mais espaço para profissionais descompromissados, uma vez que, o corpo estudantil e seus responsáveis compreenderão e exigirão seus direitos, tendo acesso a profissionais que enxergam no exemplo profissional, uma das principais formas de ensinar.

Vozes da Educação é uma coluna semanal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do programa no Instagram em @salvaguarda1.

Este texto, foi escrito por Maicon Roberto Poli de Aguiar, historiador e professor na rede estadual de Santa Catarina, reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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