A expectativa de que a eleição de Alberto Fernández possa influenciar, de alguma maneira, a política brasileira e regional acabou atraindo a presença de integrantes e militantes do Partido dos Trabalhadores (PT) para a festa da vitória, na noite de domingo (27/10), na capital argentina.
Pelo menos trinta petistas, entre militantes, integrantes da direção do partido, parlamentares e ex-parlamentares, como os ex-senadores Lindbergh Farias e Aloysio Mercadante, além do ex-ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, participaram das comemorações.
Uma multidão erguendo bandeiras da Argentina, cartazes e até camisetas com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se concentrou, na noite de domingo, em frente ao local onde Fernández e a ex-presidente e senadora Cristina Kirchner, sua vice, fizeram os discursos da vitória, no bairro portenho da Chacarita.
Os políticos e militantes brasileiros, como um dos filhos e um neto do ex-presidente Lula, estiveram no local, como contaram integrantes da comitiva.
Em sua conta no Twitter e no discurso, o presidente eleito da Argentina pediu a liberdade de Lula.
“Lula é um homem preso injustamente e temos de continuar pedindo por sua liberdade: Lula livre. Que a América Latina e o mundo escutem”, disse, sendo acompanhado pelos gritos dos apoiadores.
Fernández e Cristina citaram ainda as ondas recentes de protestos no Chile e no Equador e parabenizaram Evo Morales pela reeleição — que gera controvérsia e protestos em regiões da Bolívia.
Em entrevistas à BBC News Brasil, Amorim, Lindbergh e o jornalista e militante do PT Rogério Tomas contaram por que participaram das comemorações. O ex-chanceler, convidado por Fernández, esteve no palanque do presidente eleito, com quem trocou abraços.
“A vitória de Alberto Fernández é muito importante para a Argentina, para o Brasil e para a região. Estou muito feliz com a vitória dele. Para nós, significa que o neoliberalismo vai acabando nos nossos países. E claro que isso também pode irradiar para o Brasil e para toda a região”, disse Amorim, lembrando a onda recente de protestos no Chile, que costuma ser apontado como símbolo do neoliberalismo.
O ex-chanceler participou ainda de encontros com políticos de outros países, como Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai, e José Luiz Rodríguez Zapatero, ex-primeiro-minsitro da Espanha, que também foram acompanhar a eleição. Amorim disse que a postura de Fernández sobre Lula não deveria afetar a relação entre os dois governos.
“O Brasil e a Argentina têm uma longa história e espero que a integração do Mercosul seja respeitada por parte do presidente (Jair) Bolsonaro. O Mercosul é fundamental”, disse Amorim. Nesta segunda-feira, Bolsonaro disse que a Argentina “escolheu mal”, que não parabenizaria Fernández e o criticou por se envolver na campanha pela liberdade de Lula.
Na visão de Lindbergh, a eleição do político peronista-kirchnerista, que foi chefe de gabinete nos governos de Néstor e de Cristina Kirchner, é “um acontecimento histórico”.
“Nós achamos que a vitória de Fernández significa novos ventos, ventos a favor, na região. A vitória na Argentina significa uma mudança no continente, significa a abertura de um novo período. Foi o México (com Andrés Manuel López Obrador). E antes da chegada de Bolsonaro no Brasil, tivemos um processo regional que incluiu Tabaré Vázquez, Mujica (no Uruguai), Evo Morales (na Bolívia) e Rafael Correa (no Equador). Achamos que este processo está voltando”, disse o ex-senador.
Economia
Sua expectativa, como opositor do governo Bolsonaro, é que assim como a economia foi decisiva no voto dos eleitores argentinos, o mesmo poderia ocorrer no Brasil. “Aqui foi uma crise forte, que gerou desemprego e o aumento da pobreza. No Brasil, a falta de crescimento e de geração de empregos também pode ter influência no eleitor”, disse Lindbergh.
Lindbergh, como o jornalista e militante Rogério Tomás, contaram que se programaram e pagaram suas viagens especificamente para participar da festa peronista-kirchnerista.
“Paguei tudo em dez vezes e vim por conta própria. Não podia perder este momento. E outros militantes pensaram da mesma maneira. A proximidade com Buenos Aires também ajudou que pudéssemos vir”, disse o jornalista e militante do PT, que mora em Brasília.
Outros integrantes do partido que estavam em Buenos Aires no domingo foram o deputado Arlindo Chinaglia e o senador Humberto Costa, observadores e integrantes do Parlasul, além de Mercadante e a secretária de relações internacionais do PT, Mônica Valente, segundo assessores.
Em sua conta no Twitter, Costa publicou uma foto de Fernández e de Cristina e escreveu: “Estamos voltando”.
Além dos petistas, outra representante ilustre da esquerda brasileira foi à capital argentina para a festa: Manuela D’Ávila, do PCdoB. Ela também registrou nas redes sociais o momento. “Vencemos com Alberto e Cristina, vamos para o segundo turno no Uruguai e venceremos, tivermos vitórias importantes na Colômbia com a primeira mulher eleita prefeita de Bogotá. Voltaremos!”, escreveu.
Analistas políticos argentinos ouvidos pela BBC News Brasil deram, porém, visões diferentes sobre a aproximação entre Fernández, o PT e Lula. O cientista político e professor da Universidade San Martín (Unsam), Carlos Varetto, entende que essa aproximação tem raiz na relação entre os ex-presidentes Lula e Néstor Kirchner (1950-2010). “Eles tinham uma afinidade muito forte”, disse.
Kirchner, morto em 2013, foi homenageado pelo presidente eleito, que se emocionou ao citar seu nome no palanque e nas entrevistas após a vitória.
“(Na campanha), Alberto Fernández se reuniu com (Pepe) Mujica, e na noite de domingo, além de pedir pela liberdade de Lula, parabenizou Evo Morales, pela vitória. Ele tem uma postura mais ambígua sobre a Venezuela, mas é de não ingerência. Mas o kirchnerismo em geral tem uma aproximação forte com Lula e o PT”, disse Varetto.
Para o cientista político Marcos Novaro, da Universidade de Buenos Aires (UBA), a aproximação de Fernández com o PT pode ser uma mensagem para o grupo político La Cámpora, braço jovem do kirchnerismo, que conta com parlamentares no Congresso Nacional.
Mas ele faz uma ressalva: “Alberto Fernández não terá a mesma energia, as ideias e os recursos fiscais que Lula teve quando foi presidente. Fernández terá que fazer uma administração de ajuste. Ele acha que com essa diplomacia ideológica poderá, a partir desta sua demonstração de força ideológica, ameaçar o FMI e os Estados Unidos, aproximando-se, por exemplo, de Evo, de López Obrador e outros, apesar de nem tanto de (Nicolás) Maduro. Acho que é uma estratégia de negociação, mas não de convicção ideológica”, disse Novaro.
Na sua visão, a aproximação de Fernández com Lula, a quem o argentino visitou na prisão em Curitiba, se chocará com a realidade da crise econômica argentina e a escassez de recursos do país.
“A Argentina precisará de uma negociação rápida com os Estados Unidos e com o Fundo (Monetário Internacional) para receber recursos e gerar algum tipo de confiança (nos mercados) e algum plano de estabilização. Acho que é mais atuação do que convicção ideológica de Alberto Fernández no lulismo. Alberto Fernández vai precisar também do apoio dos parlamentares da La Cámpora no Congresso”, disse Novaro.