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domingo 1 de outubro de 2023 às 08:54h

O que fazer com a casa onde Hitler nasceu?

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Local de nascimento do ditador nazista na Áustria deve virar delegacia de polícia. Mas nem todos acham uma boa medida para evitar iniciativas de culto.Pintada num tom agradável de bege, a discreta casa de pedra no estilo Biedermeier fica na rua Salzburger Vorstadt, nº 15. No andar térreo, barras de ferro obstruem as janelas. Mais adiante, ao lado de um ponto de ônibus, um memorial de granito na altura da cintura chama atenção. Nele, uma inscrição: “Pela paz, liberdade e democracia, fascismo nunca mais, advertem milhões de mortos”. Adolf Hitler, o ditador do Terceiro Reich, nasceu aqui.

Só isso já faz dela uma casa singular – e de Braunau am Inn uma cidade peculiar. Mesmo 78 anos após o suicídio de Hitler no bunker da Chancelaria do Reich em Berlim – com o qual ele se esquivou de qualquer responsabilidade pouco antes da rendição incondicional da Wehrmacht alemã – ainda há discussões sobre o que fazer com o local de seu nascimento. A responsabilidade sobre esse legado nefando cabe à Áustria, que na qualidade de atual proprietária, deve agora instalar uma delegacia de polícia no local para enfim tirar a casa do roteiro de peregrinações neonazistas.

“Uma mensagem completamente errada”

“Transformá-la numa delegacia de polícia é um sinal completamente errado; um tapa na cara das vítimas”, diz Günter Schwaiger. O cineasta de 58 anos é quem está por trás do aclamado documentário Wer hat Angst vor Braunau? (Quem tem medo de Braunau?), que trata justamente da cidade natal de Hitler.

O filme, que levou cinco anos para ser concluído, está em cartaz desde o início de setembro nas salas de cinema austríacas e também será exibido no fim de outubro no Hof International Filmfestival, na Alemanha.

“Braunau não é uma cidade nazista”, garante Schwaiger em entrevista à DW. É só que o fato de Hitler ter nascido aqui obriga seus moradores a encararem o passado mais do que em qualquer outro lugar. “Não é preciso ter medo de Braunau e muito menos de seu povo.”

Enquanto isso, a iniciativa cidadã Diskurs Hitlerhaus decidiu se mobilizar contra os planos do Ministério do Interior da Áustria. “O efeito simbólico seria catastrófico”, disse a porta-voz Eveline Doll, aludindo ao papel questionável da polícia durante a era nazista. “Além disso, há muitas boas ideias e sugestões sobre como usar esta casa de forma inteligente e responsável para com a história contemporânea.”

Comissão busca “solução historicamente correta”

A busca por um uso “apropriado” já vem de longa data. Após a anexação da Áustria ao Reich alemão em 1938, o Partido Nacional-Socialista (NSDAP) adquiriu a casa onde nasceu seu “Führer” e a converteu num centro cultural. Depois da guerra, foi devolvida a seus antigos proprietários, e o Estado se tornou locatário. A partir de então, serviu ora como biblioteca, ora como escola e, finalmente, como oficina para portadores de deficiência. Desde 2011, porém, está vazia, tendo sido expropriada em 2016 para evitar que caísse nas mãos de neonazistas.

Mas o que fazer com ele, afinal? Para responder essa pergunta, o país nomeou uma “Comissão sobre o tratamento historicamente correto da casa natal de Adolf Hitler”, formada por historiadores e políticos. A conclusão: “O mito do Führer e o culto a ele eram e continuam sendo parte da narrativa central sobre Hitler.” Portanto era necessário “romper com o simbolismo do local”, seja por meio de um “uso social-caritativo ou oficial-administrativo”. “Projetos educacionais e exposições de história contemporânea” foram desencorajados.

Contra destino de peregrinação nazista

“A preocupação sempre foi evitar que esta casa se tornasse um local de peregrinação para os nazistas”, explica Oskar Deutsch, presidente da Comunidade Judaica de Viena e também membro da comissão. Ele poderia até imaginar outras utilizações. No entanto, “a ideia é instalar aqui uma delegacia de polícia de um Estado constitucional democrático, cuja tarefa é, entre outras coisas, tomar medidas contra a repetição do passado nazista. Um objetivo, enfim, que todos compartilham.

Em março, uma pesquisa do Market Institut de Linz, encomendada pela iniciativa Diskurs Hitlerhaus, concluiu que 52% dos mil entrevistados era a favor da criação de uma “instituição que lide tematicamente com o nazismo, a memória, o antifascismo, a tolerância e a paz”, 23% eram a favor da demolição da casa e apenas 6% a favor da delegacia de polícia.

Mas Eveline Doll, porta-voz da iniciativa de cidadãos, ainda tem uma carta na manga: a associação vienense Amigos Austríacos de Yad Vashem quer usar o local para abrigar permanentemente a exposição itinerante Die Gerechten – Courage ist eine Frage der Entscheidung (Os justos – Coragem é uma questão de decisão).

A mostra de 400 metros quadrados, que homenageia a bravura de não judeus que arriscaram suas vidas para salvar judeus durante o Holocausto, foi exibida pela última vez no Museu da Baixa Áustria, no município de St. Pölten. “Essa ideia é uma base para discussão”, diz o porta-voz da associação, Georg Schuster, cauteloso, “se não vingar, tudo bem”.

Por enquanto nada parece impedir a concretização do projeto de 20 milhões de euros para converter o local numa delegacia de polícia. Com início das obras previsto para outubro, a proposta prevê também uma sala de treinamento onde os policiais serão instruídos sobre direitos humanos. É bem provável, porém, que a discussão sobre o local de nascimento de Hitler em Braunau continue.

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