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quarta-feira 20 de março de 2019 às 15:11h

O que avançou e o que faltou na viagem do presidente aos EUA

POLÍTICA


A visita do presidente Jair Bolsonaro aos Estados Unidos nesta semana terminou com o que parece ser um saldo robusto de novidades que ele pode exibir como resultado de sua política de aproximação com o governo americano: um acordo que pode viabilizar o uso comercial do centro de lançamento espacial de Alcântara, no Maranhão, e promessas de apoio para o ingresso do Brasil na OCDE (organização que reúne países desenvolvidos) e para garantir ao país o status de aliado extra-Otan (condição que ampliaria as possibilidades de cooperação entre as Forças Armadas brasileiras e americanas).

Os resultados concretos desses anúncios, porém, ainda são incertos, ressaltam analistas de política externa e economia ouvidos pela BBC News Brasil. O acordo de salvaguardas tecnológicas para lançamento de satélites em Alcântara, por exemplo, depende da aprovação do Congresso Nacional.

Uma iniciativa semelhante proposta pelo governo de Fernando Henrique Cardoso no ano 2000 não prosperou devido a cláusulas polêmicas que davam acesso restrito aos americanos à parte da base.

O governo Bolsonaro sustenta que a nova versão, gestada ainda no governo de Michel Temer, é diferente e não fere a soberania nacional. A medida é defendida pelo Aeronáutica, que vê no aluguel do centro uma fonte potencial importante de recursos para o país. A esperança é de que o uso da base, hoje usada apenas para lançamentos de treinamento e de experimentos científicos suborbitais, também contribua para o desenvolvimento do setor espacial brasileiro.

Já a promessa de apoio ao ingresso na OCDE veio atrelada à reivindicação de que o Brasil abra mão do status de “país em desenvolvimento” na Organização Mundial do Comércio. No fim da visita, o governo brasileiro aceitou a proposta. O apoio de Trump é considerado muito importante pelo governo brasileiro, mas não dá acesso livre à organização.

A Argentina, que pleiteia a entrada na OCDE há mais tempo que o Brasil, continua esperando, embora já tenha recebido declaração de apoio do presidente americano em 2017.

Satisfazendo a base

Apesar disso, o professor de Relações Internacionais da FGV Oliver Stuenkel avaliou que a viagem teve um saldo positivo para Bolsonaro ao fortalecê-lo junto a grupos do seu governo.

“Ele enfrentou muitas dúvidas recentemente dentro do governo, de militares e economistas, e com essa visita ele consegue satisfazer esses dois grupos”, acredita.

“Mas a aproximação com os Estados Unidos nesse momento também traz riscos. Trump é muito imprevisível e não sabemos se vai se reeleger (no ano que vem)”, acrescentou.

Stuenkel considerou negativo, porém, o fato de Bolsonaro não ter refutado com mais clareza a possibilidade de uma intervenção militar na Venezuela – alternativa que Trump diz não descartar para derrubar o governo de Nicolás Maduro.

“Ainda acho pouco provável que o Brasil apoie uma ação militar, mas não dá para descartar 100% diante da postura de Bolsonaro nos Estados Unidos”, disse.

‘Resultado muito pobre’, avalia ex-embaixador nos EUA

Já o embaixador aposentado Rubens Ricupero, que comandou a embaixada brasileira em Washington entre 1991 e 1993, acredita que a insistência de Trump em dizer que todas as alternativas contra a Venezuela “estão na mesa” é retórica. Quanto ao saldo da visita de Bolsonaro, considerou o “resultado muito pobre”.

“Houve muita coisa unilateral brasileira, como oferta de cota (de importação) de trigo sem tarifa e a isenção dos vistos (para turistas americanos), mas de concessão americana eu não vi nada. O acordo para uso da base de Alcântara representa o interesse tanto de um lado como do outro”, criticou o diplomata.

“Em alguns aspectos, a viagem pareceu mais uma peregrinação religiosa. Não foi uma visita ao governo Trump, mas à extrema direita americana”, disse também.

Subsecretário geral da ONU por uma década até 2004, Ricupero também não viu ganhos em o Brasil adquirir novo status de aliado militar dos Estados Unidos. Na sua avaliação, isso pode desagradar outros países como Irã, Rússia e China – este último maior parceiro comercial brasileiro.

A Otan – Organização do Tratado do Atlântico Norte – é uma aliança militar entre países da América do Norte e Europa, criada no período da Guerra Fria, quando Estados Unidos e União Soviética polarizavam a liderança dos demais países. Trump sinalizou que estuda dar ao Brasil o status de aliado extra-Otan, ou mesmo apoiar a inclusão do país na organização.

Entrada na OCDE desperta ceticismo

Ricupero minimizou ainda a relevância de uma eventual entrada do Brasil na OCDE, questionando a premissa de que isso atrairia investimentos para o Brasil.

“A OCDE é um think tank (centro de pesquisas). O que atrai investimento é crescimento econômico”, afirmou.

A economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, por sua vez, considera que a entrada do Brasil na OCDE daria acesso a acordos de cooperação e ajuda técnica na área de governança e aprimoramento de políticas públicas. Na sua leitura, porém, as exigências feitas pelo governo americano podem indicar uma falta de disposição concreta de apoiar a entrada do Brasil.

“Eu fico cética. Há uma discussão sobre se o Brasil está na categoria da OCDE do ponto de vista de confiança nas políticas econômicas, nas relações comerciais. É um país que tem oscilações”, ressaltou.

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