O que americanos e europeus têm que brasileiros não têm? A pergunta faz sentido diante do sofrido, atrasado e lento processo de retirada de 7.000 estrangeiros civis da Faixa de Gaza, iniciado na quarta-feira (1º) interrompido três dias depois e reiniciado nesta última segunda-feira (6) sem um único dos 34 cidadãos da lista do Brasil a bordo, 15 crianças aí incluídas, registra Eliane Cantanhêde, do Estadão.
Proliferam versões na internet, onde a verdade é só uma chatice, um detalhe incômodo, e o que importa é um vale-tudo cheio de desinformação e agressões, muitas vezes acionado por robôs, que contamina o debate e as manifestações de leitores, ouvintes e telespectadores das mídias em que as notícias, análises e opiniões têm cara, nome e currículo. A verdade sobre a retirada de Gaza, porém, é uma só: quem pode pode, ou seja, os países ricos e poderosos.
Foi assim também quando o governo Joe Biden, possivelmente na contramão da própria diplomacia americana, derrubou com um veto, único e arrogante, a resolução por uma “trégua humanitária” apresentada pelo Brasil durante seu mês na presidência do Conselho de Segurança da ONU. Depois, o mesmo governo Biden tentou emplacar e capitalizar, solitariamente, o que impediu o conselho de fazer coletivamente.
Não funcionou. Os EUA pediram a trégua a Israel, que deu de ombros e continuou destruindo tudo que bem entendia em Gaza, enquanto o Hamas não devolveu seus reféns. Biden conseguiu retirar seus próprios nacionais da mira dos bombardeios, e só. Pode ser um ganho para ele na política interna, mas uma derrota na política externa.
E mesmo o ganho interno é incerto e a decisão de se associar os EUA a um massacre de civis pode custar caro ao presidente americano, a um ano de disputar a reeleição. Pesquisa do The New York Times que circula pelo mundo afora informa que o republicano Donald Trump tem vantagem sobre o democrata Biden em cinco dos seis “swing states” (Estados pêndulos que definem as eleições). Não é só pela guerra de Israel, mas ela certamente influi, como a da Ucrânia.
A mídia nacional e internacional deixou a tragédia ucraniana para lá, mas ele continua, dura, cristalizada e sem saída à vista. Mesmo a janela de oportunidades da Ucrânia está se fechando. O outono está acabando, o inverno chegando e a contraofensiva do “tudo ou nada”, com o apoio americano, não veio. O governo e a opinião pública dos EUA já desviaram a atenção para Israel.
A cúpula política e a cúpula diplomática do Brasil apontam uma outra derrota para Biden, que deu para a Rússia discurso e argumento para jogar na cara dos EUA, tão ferozes ao defender o “direito internacional” contra a Rússia na invasão da Ucrânia, mas tão condescendentes com o “direito de defesa” de Israel, para tapar olhos, ouvidos e consciência contra famílias e crianças em Gaza. O aceitável é, ou seria: direito de autodefesa contra o terrorista e indesculpável Hamas, sim. Massacre de civis, não.
O Brasil articulou à exaustão e fez muito barulho no seu mês na presidência do Conselho de Segurança e foi derrotado por um único voto. A China o substituiu há uma semana e ninguém sabe, viu ou ouviu sobre suas ações e intenções, mas fontes da diplomacia brasileira elogiam o voto chinês a favor da trégua proposta pelo Brasil, a discrição na ONU e a abertura de canais com os EUA. Xi Jinping, até agora, pelo menos, não levou sua disputa com os EUA para o Conselho de Segurança.
No Brasil, a prioridade das prioridades é resgatar os brasileiros, os de dupla nacionalidade e seus cônjuges e filhos. Numa escala ascendente, o embaixador na ONU, Sérgio Danese, o assessor internacional Celso Amorim e o chanceler Mauro Vieira estão em intensas negociações, principalmente com EUA, Israel e Egito.
O Brasil, porém, é só mais um entre dezenas de países que têm nacionais ali e, até por isso – e não se sabe se só por isso – há um empurra-empurra. Israel joga para o Egito, o Egito devolve para Israel. Quanto mais o tempo passa, maior a crise humanitária e maior o risco das famílias sob ameaça de mísseis. É de arrepiar.