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terça-feira 14 de maio de 2024 às 18:44h

O que acontece no seu cérebro quando você navega no celular (e 3 dicas para evitar que isso se torne compulsivo)

NOTÍCIAS, SAÚDE


Um vídeo de um cachorrinho, uma foto de uma amiga na praia, um meme, uma notícia do outro lado do mundo — os conteúdos vão se intercalando. Se você gosta, você vê; Se você não gosta, você passa.

O hábito de deslizar o dedo pela tela do celular faz parte do dia a dia de muita gente — às vezes por alguns segundos enquanto estamos no elevador, às vezes por horas antes de dormir.

Mas o que acontece a nível neural quando rolamos a tela do celular? Por que é tão viciante? E como podemos evitar que isso se torne um problema?

Éilish Duke, professora de psicologia na Universidade Leeds Beckett, no Reino Unido, diz que a primeira coisa que precisamos entender é que o impulso de pegar o celular e ligar a tela, que desencadeia a rolagem, é automático.

Não temos consciência disso porque construímos esse hábito ao longo do tempo — como fechar a porta ao sair de casa, por exemplo.

“Em uma pesquisa que fizemos há alguns anos, descobrimos que os participantes achavam que verificavam seus telefones a cada 18 minutos, mas quando usamos gravadores de tela, percebemos que, na verdade, eles verificavam (o celular) com muito mais frequência.”

A partir do momento que ligamos a tela, certas funções do nosso cérebro e o design sofisticado dos aplicativos do nosso celular entram em cena em perfeita harmonia.

Segundo a professora Ariane Ling, do departamento de psiquiatria do NYU Langone Health, nos EUA, o hábito da rolagem de tela pode ser explicado pelo comportamento natural dos seres humanos, mas é agravado por fatores ambientais.

Ling explica que o ser humano está programado para querer saber o que está acontecendo. É por isso que lemos as notícias ou, por exemplo, paramos para olhar quando há um acidente na estrada. É algo que faz parte do desenvolvimento evolutivo que nos permitiu sobreviver.

E nosso celular foi projetado para nos alimentar continuamente com informações que nos interessam.

É um casamento perfeito.

A busca constante pelo prazer

Nossos cérebros buscam naturalmente ser recompensados. Temos certos centros neurais que reagem ao prazer — ao sexo, às drogas, a ganhar dinheiro em um cassino —, e esperam que isso se repita várias vezes.

“Estão buscando aquela novidade, aquela próxima dose de prazer, seja lá o que for que possamos realmente desfrutar”, explica Duke.

Isso é conhecido como sistema ou circuito de recompensa do cérebro, e é exatamente o mesmo mecanismo pelo qual uma pessoa se torna dependente de uma substância como o álcool.

“Para muitos de nós, essa novidade vem na forma do nosso telefone.”

As redes sociais, em particular, sempre têm algo novo prazeroso a oferecer: uma foto, um vídeo, uma notícia, uma mensagem.

Mas há outra parte do cérebro que luta contra esses impulsos de busca por prazer e recompensa imediata: o córtex pré-frontal.

É a região do cérebro responsável por fazer você tomar decisões menos impulsivas e mais equilibradas — aquela que faz você, por exemplo, parar de rolar a tela, levantar do sofá e decidir arrumar a casa ou praticar exercício físico.

Mas estas duas funções cerebrais nem sempre estão perfeitamente equilibradas.

O que acontece com muita gente é que “a parte lógica do nosso cérebro que controla os nossos impulsos não está fazendo a sua parte, ou pelo menos não tão bem quanto poderia, está sobrecarregada pela busca por prazer”, afirma Duke.

E, no caso dos jovens, mais ainda.

“O que vemos nos adolescentes é que o circuito de recompensa está em alerta máximo, pronto para funcionar o tempo todo. Mas o córtex pré-frontal só termina de se desenvolver aos 23 ou 24 anos, por isso não consegue realmente controlar certos impulsos, como usar o telefone”, explica a professora de psicologia.

Distorção do tempo

O que acontece quando rolamos a tela do celular, segundo Duke, é que entramos em um estado de fluxo.

O conceito de fluxo em psicologia se refere a um estado mental em que a dificuldade da tarefa que uma pessoa está realizando se ajusta muito bem ao nível de atenção e habilidade que ela tem para oferecer naquele determinado momento.

Aplicativos como o Tiktok, em que o algoritmo muda constantemente e oferece coisas novas especialmente direcionadas a você, alimentam diretamente este estado de fluxo.

“Eles absorvem toda a sua atenção, e você entra em uma fase de distorção do tempo em que não percebe que duas horas se passaram, e você está sentado com a mão dormente, e perdeu todo esse tempo vendo vídeos de cachorrinhos”, acrescenta Duke.

Ariane Ling explica como nosso cérebro começa a adquirir o hábito de rolar a tela do celular excessivamente com uma metáfora.

“Se você pensar em um caminho que já foi percorrido muitas vezes, esse caminho se torna muito mais claro, e continuamos caminhando por ele. É mais fácil.”

“Se você rolar a tela constantemente, esta se torna a experiência padrão. E, assim, fica muito difícil focar sua atenção e seu tempo em outra coisa”, completa.

A dependência do celular não consta no manual de diagnóstico psiquiátrico. Portanto, não existem critérios estabelecidos para diferenciar o uso saudável do uso problemático — e, consequentemente, da dependência.

“Nos baseamos nos critérios clássicos de diagnóstico de dependências, como de que existe um impulso incontrolável ou que o comportamento está tendo um impacto funcional negativo no resto da vida da pessoa; por exemplo, que ela está deixando de fazer as coisas que precisa fazer no dia a dia ou apresenta sintomas de abstinência”, explica Duke.

É importante, portanto, prestar atenção e tentar rever nossos próprios hábitos.

“Se você mesmo tentou parar, e tentou de verdade, mas não conseguiu, eu recomendaria procurar ajuda ou uma intervenção mais significativa”, sugere Ariane Ling.

Como evitar a rolagem de tela compulsiva

1. Passar um tempo longe da tela

“Ter certos rituais que afastem você do celular é sempre muito útil”, diz Ling.

Segundo ela, muitas pesquisas mostram como um exercício tão simples quanto caminhar sem o celular pode ter um grande impacto.

“Sempre que você puder deixar o telefone (em casa) e dar um tempo, seja para uma dar uma caminhada ou para ir à academia, é excelente”, concorda Duke.

E não é só porque impede você de usar o telefone nesse período, mas também porque ajuda você a prestar atenção ao que está ao seu redor, exercitar outras funções do cérebro e ter consciência de como você se sente ao deixar o telefone para trás.

Criar o hábito/regra de não usar o celular à mesa quando estiver com a família ou amigos também é o ideal — uma vez que assim não depende apenas de você, outra pessoa vai te lembrar que não é hora de usar o celular. E ter um reforço visual desta regra, como uma cesta para colocar o celular antes da refeição, pode torná-la ainda mais eficaz.

Em geral, qualquer esforço consciente para diferenciar na sua rotina o tempo com celular do tempo sem celular, pode ajudar a evitar a rolagem de tela sem sentido, por mero hábito.

“Se você puder reservar períodos de tempo em que não vai usar o telefone — mas, sim, se concentrar em uma tarefa ou apenas estar presente com os amigos, é uma boa ideia”, aconselha Duke.

“Outra coisa que, às vezes, eu faço é colocar meu telefone em preto e branco, o que torna menos atraente olhar para a tela”, compartilha Ling.

2. Interagir com o mundo físico

Fazer pequenas mudanças na rotina para realizar as tarefas que você faz no celular sem usar o dispositivo também pode ajudar a ter uma relação mais saudável com a rolagem de tela.

“Em um dos estudos que fizemos há alguns anos, vimos uma grande diferença entre as pessoas que usavam relógios normais, e aquelas que usavam o celular para ver a hora”, conta Duke.

Sem querer, as pessoas que usavam o celular para ver a hora, acabavam “presas” na rolagem de tela.

Além disso, por exemplo, “se você conseguir ler o que for que esteja lendo sem estar online, é maravilhoso”, acrescenta a professora de psicologia.

“Encorajo as pessoas a serem curiosas e buscarem truques para reduzir o tempo de uso do celular, e passar mais tempo no mundo tridimensional”, completa Ling.

“Somos táteis, queremos nos envolver com as coisas do mundo real.”

3. Tentar controlar o impulso

Raramente, quando sentimos o impulso de entrar em um aplicativo para simplesmente ficar rolando a tela ou quando já estamos fazendo isso há horas, paramos para pensar por que estamos fazendo isso ou o quão satisfeitos estamos com essa decisão.

Tentar estar mais conscientes das nossas decisões, de como nos sentimos e de como nossa mente funciona nestes momentos é uma intervenção poderosa que podemos fazer.

“O impulso de pegar o telefone é como ter um desejo. Você percebe que seu corpo começa a desejar aquilo. Seu cérebro diz: ‘Oi, faz um tempo que não consumimos dopamina, vamos consumir um pouco’. E esse desejo pode crescer, como uma onda”, explica Ling.

“Mas você pode resistir a esse impulso, certo? Você pode dizer: OK, é isso que estou percebendo, quero muito olhar meu celular, abrir aquela notificação, mas posso não fazer isso.”

“É necessário muita prática e responsabilidade, mas acho que quem realmente pratica algo do tipo com diligência nota benefícios a longo prazo, como ser capaz de manter a atenção, se sentir melhor, ter experiências fora da tela que tornam sua vida mais rica e significativa”, conclui Ling.

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