Há poucos detalhes sobre a queda do jato particular que teria matado o chefe do grupo mercenário russo Wagner, Yevgeny Prigozhin, na quarta-feira, mas é natural suspeitar que o Kremlin esteja envolvido, disse a ministra do Exterior da Alemanha, Annalena Baerbock, citando o histórico de “fatalidades não esclarecidas na Rússia”.
“Não é coincidência que todos olhem para o Kremlin após um desonrado ex-aliado de Putin ter, repentinamente, caído do céu dois meses depois que tentou um motim”, disse Baerbock em uma coletiva de imprensa na última quinta-feira (24).
Ela relembrou as diversas formas pelas quais adversários do presidente russo, Vladimir Putin, morreram nos últimos anos. “Conhecemos este padrão na Rússia de Putin: mortes, suicídios duvidosos, quedas de janelas, todas não esclarecidas, que revelam um sistema de poder ditatorial baseado na violência”, disse.
A morte presumida de Prigozhin em circunstâncias misteriosas é apenas o mais recente episódio de uma série de desfechos fatais para oposicionistas e críticos do Kremlin.
O envenenamento é a arma preferencial dos serviços de segurança russos para silenciar dissidentes, mas também há muitos casos de suicídios suspeitos, acidentes improváveis e assassinatos à bala.
Em seguida, alguns óbitos nebulosos de pessoas que teriam entrado na mira do Kremlin nas últimas décadas. Nenhuma delas teve a autoria assumida por autoridades russas.
“Suicídio”
Diversos homens de negócios poderosos na Rússia morreram por motivos não esclarecidos após a invasão da Ucrânia.
Sergei Protosenya, um oligarca russo do setor de gás e petróleo que havia sido vice-presidente da empresa de gás natural Novatek, foi encontrado morto por policiais espanhóis em sua casa em Lloret de Mar, na Catalunha, em abril de 2022. Seu corpo estava pendurado nos jardins da casa, como num enforcamento. Sua mulher e sua filha também estavam mortas, esfaqueadas.
Um dia antes, a polícia de Moscou havia encontrado, na capital russa, o corpo do oligarca Vladislav Avayev, morto em seu apartamento de luxo. A agência estatal russa Tass reportou que ele tinha uma pistola na mão, e as autoridades suspeitavam que ele teria se matado após assassinar a mulher e a filha. Avayev havia sido conselheiro de Putin e vice-presidente do Gazprombank, um dos maiores bancos da Rússia.
Em maio de 2022, Alexander Subbotin, um ex-diretor do conselho da Lukoil, segunda maior empresa de petróleo da Rússia, foi encontrado morto em uma casa em Moscou. O conselho diretivo da Lukoil havia se pronunciado publicamente contra a invasão da Ucrânia.
Em janeiro deste ano, um mês antes de os militares russos invadirem a Ucrânia, Leonid Schulman, um diretor da Gazprom, também foi encontrado morto no banheiro de sua casa, com cortes nos pulsos, segundo a mídia russa.
Em fevereiro, Alexander Tyulyakov, outro diretor da estatal russa de energia, foi encontrado enforcado na garagem de sua casa em São Petersburgo.
Alguns anos antes, outras figuras importantes do aparato de poder russo já haviam sido encontradas enforcadas. Em 2018, esse foi o destino de Nikolai Glushkov, que havia sido vice-diretor da empresa de aviação russa Aeroflot, encontrado enforcado em sua casa em Londres.
Glushkov era um notório crítico do Kremlin e amigo do oligarca russo Boris Berezovsky, que também havia sido encontrado enforcado em sua casa na cidade britânica de Berkshire em 2013, depois de ter rompido com Putin e fugido para o Reino Unido.
Quedas misteriosas
Ravil Maganov, o presidente da Lukoil, empresa que havia pedido o fim da guerra na Ucrânia, morreu em setembro de 2022 depois de cair de uma janela no sexto andar de um hospital em Moscou onde a elite política e econômica russa costuma se tratar. A agência estatal russa Tass reportou a morte como suicídio.
No mesmo mês, Ivan Pechorin, diretor de uma agência russa para o desenvolvimento do extremo leste do país e do Ártico, foi encontrado morto em Vladivostok após supostamente cair de seu iate de luxo e se afogar. Segundo relatos da mídia, ele havia sido encarregado de modernizar a indústria de aviação russa e reportava diretamente para Putin.
Anatoly Gerashchenko, que havia sido diretor do Instituto de Aviação de Moscou, também morreu em setembro de 2022 após uma suposta queda de uma escada. O instituto mantinha laços próximos com o Ministério da Defesa russo, inclusive para o desenvolvimento de caças.
Em dezembro de 2022, Pavel Antov, que era um magnata e parlamentar local da região russa de Vladimir, a 200 quilômetros de Moscou, foi encontrado morto após uma queda de uma janela de um hotel em Rayagada, na Índia. Uma mensagem de WhatsApp atribuída a ele havia definido como “terror” um ataque de míssil russo a Kiev que matou um homem e feriu sua mulher e sua filha de 7 anos. Depois que a mensagem veio à público, ele negou a autoria e disse que outra pessoa a havia escrito.
Em maio deste ano, Andrei Krukovsky, diretor de um resort de esqui próximo a Sochi e de propriedade da Gazprom, morreu após supostamente cair em um desfiladeiro enquanto fazia uma caminhada pela região.
Quedas misteriosas com resultados fatais também aconteceram fora da Rússia. Em outubro de 2021, um russo foi encontrado morto após supostamente cair de uma janela da embaixada russa em Berlim – ele estava registrado como diplomata, mas seria um agente do serviço secreto russo.
Em dezembro de 2021, Yegor Prosvirnin, um ativista de direita e autor de blogs nacionalistas que apoiou a anexação da Crimeia e depois tornou-se crítico de Putin, morreu após uma queda da janela de seu apartamento em Moscou.
Envenenamento
Trata-se do causa mais comum de incidentes fatais ou quase fatais envolvendo críticos do Kremlin.
Desde o final de 2022, Natalia Arno, Elena Kostyuchenko e Irina Babloyan, três importantes jornalistas russas que vivem em exílio, uma delas em Munique, foram hospitalizadas por apresentar sintomas que indicam “intoxicação exógena”.
Em março de 2022, o oligarca russo Roman Abramovich, ex-proprietário do clube de futebol inglês Chelsea FC, manifestou sintomas de intoxicação durante conversações de paz na fronteira entre Ucrânia e Belarus, perdendo a visão temporariamente. O grupo holandês de jornalismo investigativo Bellingcat atribuiu o atentado a linhas duras de Moscou que apoiam a guerra contra a Ucrânia, tratando-se antes uma advertência contra negociações de paz do que uma tentativa real de assassinato.
Durante um voo doméstico na Rússia, em agosto de 2020, o ativista anticorrupção Alexei Navalny ficou gravemente doente, o que exigiu um pouso de emergência. Mais tarde foi transferido para tratamento na Alemanha. Diversos laboratórios independentes atestaram a presença em seu organismo do agente dos nervoso Novichok. Recuperado, Navalny retornou a seu país no mês seguinte, sendo preso imediatamente. Já condenado a nove anos de prisão, em agosto de 2023 sua pena foi acrescida de 19 anos, numa sentença amplamente considerada política, que o réu classificou como “stalinista”.
Em março de 2018, o ex-agente duplo russo Sergei Skripal e sua filha Yulia foram envenenados com Novichok em Salisbury, Inglaterra. Ambos sobreviveram, graças a tratamento médico. Theresa May, então primeira-ministra britânica, condenou o atentado, atribuindo-o diretamente à Rússia.
O caso Skripal exacerbou ainda mais as já tensas relações entre Londres e Moscou após a morte por envenenamento por radiação em 2006, na capital britânica, do ex-espião Alexander Litvinenko. Crítico de Putin, ele desertou em 2004 do serviço de inteligência russo, buscando asilo em Londres. No começo de novembro de 2006, depois de tomar chá com outros dois ex-espiões num hotel do centro da capital britânica, ele ficou enfermo, morrendo cerca de três semanas mais tarde. Em seu corpo foram encontrados vestígios de polônio-210: um micrograma desse metal volátil basta para matar um adulto.
Em 2004, o candidato pró-europeu à presidência da Ucrânia, Viktor Yushchenko, foi envenenado com dioxina durante sua campanha eleitoral. Ele sobreviveu, mas ficou permanentemente desfigurado por cicatrizes e manchas no rosto. Seu adversário, o pró-russo Viktor Yanukovych, acabou vencendo, mas acusações de fraude resultaram na série de protestos conhecida como Revolução Laranja. O Supremo Tribunal ucraniano anulou o pleito, decretando um segundo, em dezembro, em que Yushchenko foi eleito presidente.
Assassinato a tiros
A jornalista Anna Politkovskaya, autora de reportagens críticas a Putin, foi morta a tiros do lado de fora de seu apartamento em Moscou em 2006, no dia do aniversário do líder russo.
O advogado de direitos humanos Stanislav Markelov, que defendia Politkovskaya e outros jornalistas que criticavam Putin, foi assassinado a tiros em 2009, depois de participar de uma coletiva de imprensa em Moscou, a menos de 800 metros do Kremlin. A jornalista Anastasia Baburova, que tentou socorrer Markelov, também foi morta a tiros no episódio.
O jornalista americano Paul Klebnikov, que era editor-chefe da edição russa da revista Forbes e reportou casos de corrupção e sobre a vida dos magnatas russos, foi morto em 2004 ao ser atingido por quatro tiros disparados de um carro em movimento após sair de seu escritório, em Moscou.
Sergei Yushenkov era um político russo liberal e foi morto a tiros em 2003, próximo de sua casa em Moscou, horas depois de registrar seu partido político para participar das eleições parlamentares naquele ano.
Boris Nemtsov, que havia sido vice-primeiro-ministro da Rússia durante o governo de Boris Yeltsin e depois se tornou um crítico de Putin, foi morto com quatro tiros nas costas a poucos metros do Kremlin quando voltava de um restaurante para casa em 2015.