O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou ao jornal Folha de S. Paulo, que acha difícil o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vencer as eleições presidenciais de 2022, mas que não há risco de ruptura institucional caso o petista seja eleito.
“É aquela história: o povo é soberano. Se o povo quiser a volta do Lula, paciência. Acho difícil, viu, acho difícil”, disse, ao receber a reportagem em seu gabinete nesta última quarta-feira (10).
Lula recuperou os direitos políticos após decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), anulando as condenações sofridas pelo petista na Lava Jato em Curitiba.
Na entrevista, Mourão disse que faltou uma campanha dos governos federal e estaduais para conscientizar a população no combate à Covid-19.
E que a disputa entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), atrapalhou.
“Essa pandemia foi usada politicamente tanto pelo nosso lado quanto pelas oposições. Esse uso político da pandemia é péssimo”, disse.
Mourão ainda defendeu a atuação do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, general da ativa do Exército, e disse que, de vez em quando, “puxa” sua orelha. “Digo: Faz mais e fala menos.”
O Brasil atingiu a triste marca de 2.000 mortos por dia, 270 mil mortos, número que nenhum país gostaria de atingir. Os erros e omissões do governo não contribuíram para o cenário atual? É uma situação complicada de você dizer: “Se tivesse feito assim, tinha dado certo. E se tivesse feito assado, tinha dado certo”. O que vejo nessa questão da pandemia é que faltou realmente uma campanha intensiva por parte não só do governo federal, mas também pelos demais entes federativos, de conscientização da população. A população tinha de se conscientizar das limitações que essa doença provoca.
O governo não errou ao demorar para comprar vacinas? A gente tem de analisar o que está ocorrendo no mundo. Todos os países estão com problema para adquirir imunizantes. Qual foi o nosso caso? Se apostou as fichas que a AstraZeneca, a vacina de Oxford, realmente conseguiria uma produção consistente e entregaria as nossas necessidades dentro de um cronograma que o Ministério da Saúde havia planejado. Ao mesmo tempo, teve a questão da vacina Coronavac. Não compraram? E ainda tem essa questão aí da Pfizer e da Johnson & Johnson. Principalmente a da Pfizer, que tem gerado mais turbulência. O que soube, desde o primeiro momento em conversa com o ministro Eduardo Pazuello, era que as condições que a Pfizer colocava no contrato não aderiam à nossa legislação.
Mas, no caso da Pfizer, o governo recusou três ofertas. Houve uma falha de planejamento? Se apostou que a AstraZeneca, fabricada aqui por nós na Fiocruz, [faria] a coisa fluir normalmente. Então, acho que, talvez na análise, porque eu não participei disso aí, então só posso fazer ilações sobre isso, na análise que foi feita.
Pela visão de hoje, foi uma aposta equivocada. Não digo dessa forma. Uma coisa é a análise a posteriori. É que nem comentarista de futebol: “Se tivesse colocado fulano, o time teria ganho”. Então, tem de olhar quais eram os dados presentes naquele momento.
Mas o presidente não utiliza máscara e estimula aglomerações. A postura não contribuiu para esse cenário? Se o presidente tem capacidade para isso, ele está reeleito. Acho que aí vocês forçam uma barra. Se o presidente tem capacidade de arrastar 150 ou 160 milhões de pessoas para não usarem máscara e não lavarem as mãos, ele está reeleito, ele não precisa mais se preocupar. Eu acho que há uma forçação de barra em cima do comportamento do presidente.
O movimento de governadores com o Judiciário e o Legislativo em defesa de medidas de restrição não demonstra que o Executivo está isolado no combate à pandemia? Esse movimento interpreto como político. Essa pandemia foi usada politicamente tanto pelo nosso lado quanto pelas oposições. Isso foi até ruim. Esse uso político da pandemia é péssimo. Então, a gente tem de fazer o que é certo porque é certo. Não porque vou ter dividendos políticos na frente. Então, [essa disputa] está muito centrada na dicotomia entre o presidente e o governador de São Paulo [João Doria].
Essa dicotomia atrapalhou as medidas contra o coronavírus? Acho que atrapalhou, porque como hoje, fruto do que se vive no mundo inteiro, a gente vive em um clima de disputa. E é realçado pelo papel que as redes sociais têm.
O presidente deveria se vacinar para dar um bom exemplo? O presidente tem a mesma visão que eu. Nós temos de nos vacinar quando chegar a nossa faixa etária. E não se vacinar na frente. Essa é a nossa visão.
O senhor vai se vacinar? Lógico que vou. Eu vou para a fila normal. Não vai vir ninguém aqui me vacinar não. Eu vou na fila do drive-thru.
O presidente diz que não tomou uma decisão ainda. Ele vai. A mãe dele já foi vacinada. Lógico que ele vai.
A Folha mostrou 11 indícios de que o Ministério da Saúde sabia da situação de Manaus. Causa constrangimento para as Forças Armadas ter um general da ativa causando tantos equívocos de gestão? Quem tem experiência de gestão em uma situação dessas aí? Ninguém. O pessoal costuma enaltecer ministros que saíram, mas não enfrentaram isso aí. A Saúde não é um ministério simples. Vamos lembrar que é um ministério que, ao longo dos últimos anos, se notabilizou mais pelos escândalos de corrupção. O general Pazuello conheço há bastante tempo. É um bom planejador e tem uma boa capacidade.
O senhor tem falado com o ministro? De vez em quando dou uma puxada de orelha nele.
Que puxada de orelha? Eu digo: “Faz mais e fala menos”. Mais ou menos assim.
O senhor teve Covid. Como foi a experiência? Quais remédios tomou? Anitta, hidroxicloroquina e azitromicina.
Mas eles não têm comprovação científica, eficácia comprovada. Eles fizeram efeito comigo.
Mas como o senhor sabe que foram eles que fizeram efeito? Não tomei mais nada além disso. E vitamina D e zinco também. Tive dor de cabeça e febre durante dois dias e diarreia durante cinco dias. Morreu o assunto.
A vacina é hoje a prioridade do governo? Desde o começo, não tenho dúvidas de que a vacina é a solução para que a gente, em primeiro lugar, proteja a saúde das pessoas. E, em segundo, assegure a retomada da economia e do nosso modo de vida. A minha avaliação é de que vamos chegar ao final do ano com 120 ou 130 milhões de pessoas vacinadas.
Uma candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva preocupa o governo federal? Não. Todo mundo pode ser candidato. Quanto ao ex-presidente Lula, nem me preocupo. Podem anular o processo, podem mudar o juiz do jogo, mas uma coisa para mim é clara. O ex-presidente Lula foi condenado em três instâncias por corrupção. Isso aí não muda.
Há um risco de ruptura institucional se o Lula ganhar a eleição em 2022? Em absoluto. É aquela história: o povo é soberano. Se o povo quiser a volta do Lula, paciência. Acho difícil, viu, acho difícil.
Qual a avaliação do senhor sobre a decisão do ministro Edson Fachin? O equilíbrio de Poderes na nossa democracia está rompido. O Judiciário está com um poder acima dos outros dois e, consequentemente, isso leva a uma instabilidade jurídica. Estamos vendo isso acontecer.
Haverá uma polarização entre Bolsonaro e Lula em 2022? Tem muita espuma nesse chope. Tem de dar uma decantada nesse chope. Ele está com quatro dedos de espuma e ainda não chegamos no líquido.
O general da reserva Luiz Rocha Paiva criticou a decisão do ministro Fachin e disse que, a continuar nesse rumo, chegaremos ao ponto de uma ruptura institucional. A tese tem apoio nas Forças Armadas? Não respondo pelas Forças Armadas. Eu estou fora. O que o Rocha Paiva coloca não é que tem algo a ver com as Forças Armadas. O Rocha Paiva é um pensador, um sujeito que tem uma capacidade intelectual extremamente acima da média.
O que ocorre é que quando você começa a tomar determinadas decisões, especificamente em cima de processos judiciais, o que ocorre lamentavelmente no Brasil: quem tem bons advogados e dinheiro não vai ser condenado. É um processo que estamos vendo. Isso gera insegurança. E qual o pensamento da população em geral? É que os maganos, como diz o Elio Gaspari, estão protegidos e a escumalha vai para a cadeia.
Nesta semana, o presidente usou a expressão “meu Exército”. É uma ameaça à democracia? Acho que isso é um troço muito mal interpretado. Não há nenhum pronunciamento dos comandantes das Forças Armadas. O presidente é o comandante constitucional das Forças Armadas. Mas quem dá a ordem no dia a dia dos quartéis são generais, coronéis e capitães. Dessa turma, você ouviu alguém falar alguma coisa? Não. Não vejo no presidente vontade nenhuma de chegar e dizer: “Nós vamos derrubar isso aí”. Agora, por outro lado, já vi alguns formadores de opinião já há algum tempo buscando atacar as Forças Armadas dizendo: “E aí, vocês não vão fazer nada? Vão aceitar o que o presidente está fazendo?”. Ou seja, a ruptura feita pelas Forças Armadas para colocar o presidente para fora serve?
É que o episódio da mensagem divulgada em 2018 pelo ex-comandante Eduardo Villas Bôas criou um fantasma sobre o assunto. Vamos olhar o seguinte. O comandante do Exército era o general Villas Bôas em 2018. Eu não estava mais na ativa. Não acredito que ele tenha reunido todo o Alto Comando para discutir aquele assunto. Ele pode ter falado com os assessores mais próximos, como o chefe do Estado-Maior do Exército. E emitiu aquele tuíte que, para mim, não teve nada de mais. Simplesmente um chamamento à razão.
É papel do chefe do Exército dar opiniões políticas? O comandante do Exército é o representante político do Exército. Os demais não. O Exército não é apolítico, é apartidário. O Exército tem de fazer política. Óbvio que a política em tornos dos interesses nacionais e, em particular, dele, do Exército.
Como está a relação do senhor com o presidente? Falei com o presidente na semana passada, quando apresentei o trabalho que foi feito pelo Conselho Nacional da Amazônia e, mais ainda, o planejamento para 2021 e 2022 a partir do momento em que a Operação Verde Brasil 2 vai terminar. Ainda conversamos mais um pouco de assuntos de caráter geral e pronto.
O presidente tem excluído o senhor de reuniões com ministros. O vice-presidente não faz parte da cadeia executiva do país. Está escrito na Constituição. Não é presidente, vice-presidente e ministros. A Constituição diz que o presidente exerce o Poder Executivo por meio de seus ministros. E outro artigo mostra o papel do vice-presidente, que é substituir o presidente nos afastamentos eventuais dele e ficar em condições de cumprir alguma missão que o presidente lhe der.
O senhor não se sente excluído? Em absoluto. É aquela história: aos 67 anos de idade, não vou ficar: “Pô, não me chamaram para o play”.
O Congresso compara a relação do senhor com Bolsonaro com a relação que a ex-presidente Dilma Rousseff tinha com o seu vice-presidente Michel Temer. Não, acho que não. Essa relação era muito pior. A Dilma era muito mais agressiva. O presidente Bolsonaro não é agressivo comigo.
Nos bastidores, fala-se que o presidente quer outro candidato a vice para a disputa à reeleição. Os senhores já trataram do assunto? Não. Nunca houve uma conversa nesse sentido. Tudo são especulações que saem daqui para lá ou algum arauto que vem e avisa. Então, estou aguardando o que vai acontecer para eu tomar minha decisão se vou continuar na vida política ou não.
E o que pretende fazer se sair da política? Cuidar da minha vida.
RAIO-X
Antonio Hamilton Martins Mourão, 67
Vice-presidente da República e general da reserva do Exército, formou-se na Academia Militar das Agulhas Negras. Em sua carreira militar, cumpriu missão de paz em Angola, atuou como adido militar na embaixada do Brasil na Venezuela e foi Comandante Militar do Sul. Em 2018, filiou-se ao PRTB e ingressou na carreira política.