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domingo 2 de agosto de 2020 às 15:17h

‘O inimigo é o coronavírus, não há tempo para brigas políticas’, diz cientista-chefe da Casa Branca

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Donald Trump não entende completamente por que sua popularidade não é tão alta quanto a do cientista-chefe da equipe especial da Casa Branca contra o coronavírus, Anthony Fauci.

“Ele tem essa alta aprovação, então por que não a tenho? É impressionante”, disse Trump nesta semana.

Não foi o primeiro ataque do governo a Fauci, mas o maior especialista em doenças infecciosas do país e principal epidemiologista da Casa Branca tenta se afastar dos tipos de controvérsias que ele descreve como uma distração do problema real: a pandemia COVID-19.

“Eu me concentro apenas no meu trabalho”, disse ele à BBC em mais de uma ocasião nesta entrevista, na qual evitou qualquer atrito com a Casa Branca.

E, sem querer entrar em polêmica com ninguém, explicou os motivos que, segundo ele, levaram os Estados Unidos a um recrudescimento no número de casos confirmados por dia e listou cinco regras fundamentais que a população deve cumprir para que a curva de infecção seja achatada.

Confira a entrevista de Fauci a Razia Iqbal, do programa Newshour, da BBC.

Vamos falar do número de infecções e mortes nos Estados Unidos.

Anthony Fauci – Quando você olha para a dinâmica das curvas de infecção em nosso país, tivemos muitos casos quando a região metropolitana de Nova York foi o epicentro do surto.

Daí as curvas começaram a descer, mas não como aconteceu em outros países, principalmente na União Europeia e até no Reino Unido. Nunca chegamos a um ponto realmente baixo, mantivemos cerca de 20 mil casos por dia. E ficamos assim por algumas semanas.

O que aconteceu depois, quando suspendemos algumas restrições para reviver a economia, em certas regiões do país, como em alguns Estados do sul, como Flórida, Texas, Arizona ou sul da Califórnia, os contágios começaram a aumentar. Assim, a base passou de 20 mil casos diários para 30 mil, 40 mil, 50 mil, 60 mil e até 70 mil.

As mortes, que haviam caído, começaram a aumentar e agora temos aproximadamente mil mortes por dia.

Ainda temos um número considerável de casos novos, então estamos tentando controlar isso, começando a achatar a curva. Mas nossa preocupação é que outros Estados de outras regiões pareçam estar passando pelo que os Estados do sul passaram.

Existem 12 Estados nos EUA registrando mais de 100 mil casos no momento. Claramente, é um equilíbrio muito difícil, além disso, a emergência de saúde é global. O que o senhor acha que poderia ter sido feito de maneira diferente?

Fauci – O que estamos tentando fazer, e espero que tenhamos sucesso, é reunir diretrizes para as quais trabalhamos com a equipe especial de coronavírus da Casa Branca. Essas diretrizes, que devem ser usadas pelos Estados, são essencialmente um guia passo a passo para a abertura cuidadosa e prudente das restrições.

Um dos problemas é que alguns Estados, não vou mencioná-los, não fizeram essa abertura passo a passo quando viram uma diminuição consistente no número de casos em um determinado período de dias.

Se isso for feito com êxito, permanecemos na fase 1 por um tempo e depois passamos para a segunda e a terceira fases. O que aconteceu em alguns Estados é que alguns dos marcos de controle foram ignorados e eles passaram para a fase seguinte, o que de fato causou o ressurgimento dos casos.

Em outros lugares, os Estados tentaram realizar esse processo adequadamente. No entanto, houve populações que não seguiram as recomendações para evitar multidões, usar máscaras e manter o distanciamento social, e isso também produziu novos surtos.

Fauci sustenta que o uso de máscaras é muito importante(foto: Reuters)

Mas não foi um problema de comunicação? Embora sua equipe tenha preparado um plano sobre como os Estados deveriam reabrir, a mensagem enviada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sugeria que a reabertura não era um problema.

Fauci – Não vou comentar sobre o presidente dos Estados Unidos, apenas estou apontando quais são os fatos e a situação pela qual os Estados Unidos estão passando. Ao contrário de outros países, tradicionalmente em nossa história, os Estados têm muita autonomia.

Obviamente, nós, autoridades da saúde, como é o meu caso e dos meus colegas da equipe especial, somos muito claros sobre o que fazer e falamos sobre isso repetidamente. E esperamos que os Estados vejam os resultados de não seguir as recomendações e que comecem a implementá-las, mas isso ainda é algo que deve acontecer.

Entendo que o senhor não queira criticar diretamente o presidente dos Estados Unidos, mas há uma ligação clara entre o senhor e ele. Na verdade, Trump comentou recentemente sobre o nível de popularidade que o senhor tem e ele não.

Fauci – Acredito que falar sobre esse tipo de coisa é realmente uma distração do que realmente estamos tentando fazer. Prefiro não comentar e focar no meu trabalho e minhas responsabilidades como agente de saúde pública.

Mas o senhor também é uma pessoa conhecida há mais de quatro décadas como interessada em verdade e transparência. Então, quando a mensagem vinda do centro do poder político nos Estados Unidos sugere que o senhor está confundindo as pessoas, acho que se trata de algo de que o senhor queira falar.

Fauci – Fiz isso e acho que o público não presta atenção a esse assunto. Tive a oportunidade de falar sobre isso muitas vezes. Mas, novamente, todas essas idas e vindas da crítica sobre quem estava certo e quem está errado é realmente uma distração da qual eu quero me afastar. Tento manter o foco na mensagem que eu carrego consistentemente.

Então, vamos nos concentrar nas mensagens relacionadas à saúde pública: o uso da hidroxicloroquina. Esta é uma droga que não só foi mencionada pelo presidente, mas é promovida no Twitter e em vídeos no YouTube por médicos que a chamam de cura milagrosa. O que sabemos sobre o uso da hidroxicloroquina?

Fauci – Sabemos que bons estudos, e por bom estudo, quero dizer um com controle aleatório no qual os dados são confiáveis, nos fornecem dados que mostram que o uso da hidroxicloroquina não é eficaz no tratamento da COVID-19.

E sobre o uso de máscaras? Há alguns meses, quando foi decidido tornar obrigatório o uso de máscaras nos Estados Unidos, o presidente Trump disse várias vezes que ninguém deveria ser preso ou até ser multado se decidisse não usá-la. Do seu ponto de vista, é absolutamente necessário que as pessoas usem máscaras?

Fauci – Isso é absolutamente necessário. Existem cinco elementos fundamentais que comunicamos de forma consistente e um deles é o uso constante de uma máscara. Os outros são: afastar-se de multidões, manter distância social de pelo menos 1,80 m e o quarto é tentar evitar bares e outros locais que possam ser fontes de transmissão. O último é manter medidas de higiene, como lavar as mãos com frequência.

Se essas cinco recomendações forem praticadas e isso está claro nos Estados onde isso foi feito, a curva de contágio poderá ser achatada.

Me pergunto por que a pandemia foi tão politizada. É porque os Estados Unidos são um país extremamente polarizado…

Fauci – Acho que qualquer pessoa que preste atenção aos EUA pode ver que há um certo grau de divisão política no país. É algo que, é claro, interfere, mas é apenas mais um fato do que acontece em nosso país.

Como cientista, claramente fico fora do debate político e concentro-me inteiramente em questões de saúde pública. Faço isso há mais de 40 anos e continuarei a fazê-lo. Minha mensagem sempre foi baseada nos dados científicos que tínhamos até então.

Uma das coisas que acho que confunde as pessoas é que não se entende que temos uma situação em constante evolução, pois estamos lidando com uma emergência de saúde com apenas seis meses de idade. Precisamos continuar aprendendo, procurando evidências. E as recomendações são feitas com base nas informações que possuímos, e é isso que causa mudanças nessas diretrizes à medida que obtemos mais dados.

Como essa crise médica pode ser despolitizada para melhor gerenciá-la? O que o sr. aprendeu do que viu?

Fauci – O que aprendi é que qualquer tentativa de se entrar no debate político é recebida como uma distração da principal mensagem de saúde pública. O que se deve tentar fazer individualmente e como sociedade é ter certeza de que entendemos que o inimigo aqui é o vírus, não há tempo para discussões políticas.

Temos um inimigo em comum, um inimigo global em comum. É uma pandemia histórica, não há tempo para se distrair com coisas que não estão relacionadas à luta contra o vírus.

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