Forró que pode servir para qualquer político virou fenômeno pelo interior do país
“No dia da convenção dos partidos era eu falando com alguém no WhatsApp e mais quatro ou cinco chamando ao mesmo tempo”. O relato não é de um político, mas de um empresário musical, Patrício da Costa. As chamadas eram de candidatos querendo usar a música “O homem disparou”.
Quem já viu um evento de campanha em 2020, especialmente no interior do país, tem grande chance de ter ouvido “ele é querido, atencioso, trouxe a liberdade paro o nosso povo” e outros versos elogiosos que podem servir para qualquer candidato.
“O homem disparou” tem melodia de um músico mineiro, feita para uma banda brasiliense, reciclada por um cantor piauiense e encomendada por um agente cearense. Segundo reportagem do G1, o estouro foi no projeto de um empresário paraibano: criar um álbum só com esses jingles genéricos.
O jingle disparou
A ideia colou: basta buscar o nome da música no YouTube para ver cenas de carreatas e comícios com a mesma música – só muda o nome e o número do candidato. O ritmo é o da pisadinha, vertente do forró feita só no teclado que embala festas com caixas potentes, os “paredões de som”.
O jingle genérico que roda o Brasil também tem uma história que cruzou o país. Conheça a jornada de ‘O homem disparou’ em seis passos:
Em 2013, a banda brasiliense Forró Perfeito lançou “Menina pavorô”, escrita pelo mineiro João Silveira, que é cantor, compositor e empresário do grupo. Ela tocou muito no Nordeste na época, mas não chegou a ser hit nacional.
No início de 2020, o empresário cearense Francisco Neto, que mora em São Paulo, foi procurado por um pré-candidato a prefeito no interior do Piauí, em busca de um jingle. Como ainda não era período eleitoral, ele não podia citar o nome do candidato.
O jingle genérico “O homem disparou” foi composto a pedido de Francisco pelo piauiense César Araújo, com letra nova sobre um político qualquer, usando a melodia de “Menina pavorô”.
A faixa se espalhou pela internet e despertou o interesse do empresário paraibano Patrício da Costa, que mora em Recife e agencia o cantor cearense Karkará, do grupo Vilões do Forró.
Patrício e Karkará estavam montando um álbum só com esses jingles genéricos, que pudessem ser usados por vários candidatos. Eles chamaram César para participar e cantar sua faixa.
Regravada por César Araújo, Karkará e os Vilões do Forró, com direito a videoclipe, a faixa estourou de vez, usada até por campanhas que concorrem entre si.
Coletânea genérica
“O povo ficou sete meses parado com a pandemia, sem trabalho. Aí eu pensei: vai ter campanha política, quem sabe a gente consiga vender algo? Vamos arriscar. A gente joga na internet e vê o que dá”, conta Patrício.
O álbum tem outras faixas como “Vamos ganhar de novo”, “Tô com você de novo”, “A vitória chegou” e “O povo quer o novo”. “A ideia era fazer músicas que se pareçam com a história de todo candidato”, explica Patrício.
A prática de divulgar jingles “de demonstração” não é inédita no mercado. Há outras produtoras que fazem estas faixas básicas para os clientes arrematarem com nome e número.
A diferença é que Karkará e os Vilões do Forró, já conhecidos no forró cearense, assinaram o projeto como artistas e trataram como um álbum real. E foi com uma prática comum no forró, de identificar um hit em potencial e armar uma parceria, que eles acertaram.
Rivais na política, unidos no piseiro
“‘O homem disparou’ virou febre. A gente fez também ‘A mulher disparou’. Tem lugar em que os dois partidos querem”, conta Patrício. A fala dele é corroborada por relatos nas redes sociais de gente que diz ouvir a música saindo de caixas de som rivais.
César Araújo, de 26 anos, descreve a criação: “Fui para um estúdio caseiro de um amigo meu na zona rural de Milton Brandão, humilde igual a mim. Só botei o playback de teclado e fui fazendo parte por parte. Acho que em menos de meia hora já estava pronta”, ele conta.
Ele teve medo quando a música feita sem pretensão para uma pré-campanha anônima começou a se espalhar. Ele mora em Pedro II, cidade de 38 mil habitantes no norte do Piauí, mas o jingle era para Milton Brandão, município vizinho, ainda menor, de 7 mil habitantes.
“Do nada a música começou a ser compartilhada. Eu não queria ter meu nome ligado a política, mas não teve jeito. Começou a explodir nas cidades vizinhas. Em um mês, me ligaram do Rio Grande do Norte. Aí me dei conta, e veio a avalanche”, ele lembra.
“A música já teve uma versão compartilhada pelo Ney Lima (influencer baiano com mais de 3,6 milhões de seguidores) e pelo Tirulipa”, ele conta orgulhoso. Os humoristas postaram um vídeo que usa a música para divulgar uma candidata travesti fictícia.