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domingo 17 de março de 2024 às 20:18h

O eleitorado brasileiro está calcificado?

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Felipe Nunes, um dos mais destacados cientistas políticos brasileiros acaba de publicar, em co-autoria com o jornalista Thomas Traumann, “Biografia do Abismo” onde defendem o argumento de que o eleitorado brasileiro está calcificado.

Trata-se de um argumento desenvolvido originalmente para o caso americano. O primeiro pilar da calcificação é que 1) à semelhança do ocorrido entre democratas e republicanos nos EUA a distância ideológica entre bolsonaristas e petistas se ampliou muito, aumentando para o eleitor o custo de mudar o voto. O segundo é que 2) internamente esses dois grupos de eleitores, nos dois países, estariam cada vez mais homogêneos em termos demográficos —religião, raça— e programáticos. O eleitor petista seria nordestino e pobre.

O terceiro pilar é que 3) a disputa política nos EUA e no Brasil girava em torno de questões sócio econômicas deu lugar a questões identitárias. O quarto pilar, 4) a nova e inédita paridade entre as duas forças políticas, convertendo as eleições, nos dois países, em pleitos muito competitivos. Os perdedores quase ganharam as eleições tendo, portanto, fortes incentivos para cristalizar seus programas e não os revisar.

Entendo que o fenômeno, no entanto, seja radicalmente distinto nos dois países. O baixíssimo partidarismo e a alta fragmentação partidária sugerem outro padrão. Décadas de pesquisas empíricas mostraram que o eleitorado brasileiro apresenta comparativamente níveis baixíssimos de identificação partidária. Quase 70% do eleitorado não se identifica com nenhum partido. Cerca de 80% daqueles com simpatia por um partido, o fazem em relação ao PT. Isto se reflete no fato, por exemplo, que Lula obteve quase 70% dos votos em Pernambuco, mas o PT elegeu apenas dois deputados federais no estado (8% da bancada de 25, atualmente restrita a 1 parlamentar). Na região nordeste, a clivagem ideológica é a mesma encontrada fora dela: o percentual dos parlamentares do centrão no Nordeste e no país como um todo é similar.

Substituir petismo por lulismo não resolve a disjunção entre voto presidencial e legislativo. Por outro lado, identificar um campo antagônico, representado por “antipetismo” seria utilizar uma linguagem dos protagonistas como categoria analítica. Mais importante: seria desconsiderar a dinâmica crucial entre incumbente e oposição.

Parece-me que os pilares 1) e 2) não são consistentes com o argumento geral e refletem um padrão maleável e não calcificado. Sim, as questões redistributivas ainda mantêm centralidade. Mas aqui o padrão se inverte: os grotões pobres votam em Trump e os estados de renda mais elevada em Biden, que é uma imagem invertida do mapa do voto entre nós.

Por Marcus André Melo – Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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