O sul-africano Herman Mashaba, 62, define-se como um “cruzado capitalista”, alguém que não tem problemas em professar sua paixão por esse modelo econômico. “Eu amo o capitalismo, sou um capitalista declarado e sem restrições. É ele que vai nos salvar”, diz.
O discurso parece de um curso de coaching, mas é na verdade uma plataforma de governo. Mashaba, empresário do setor de cosméticos, tornou-se uma das principais novidades da política da África do Sul.
Ex-prefeito de Johannesburgo, a maior cidade do país, criou em 2020 o ActionSA, partido cujas prioridades dialogam com o crescente movimento global de expansão da direita radical, embora ele rejeite o rótulo.
Além de defensor implacável do capitalismo, a legenda combate o poder dos sindicatos, denuncia o atraso de políticas socialistas e defende o endurecimento de medidas contra o crime, há décadas um dos maiores problemas do país. De forma mais controversa, pede linha dura contra imigrantes que chegam de modo ilegal à África do Sul vindos de vizinhos bem mais pobres, como Moçambique, Maláui ou Zimbábue.
“A única coisa que as políticas socialistas fizeram pela África foi saquear o continente e enganar a sociedade”, diz Mashaba à Folha. No contexto africano, a declaração é quase uma ousadia. Na formação dos países do continente, a partir dos anos 1950, a ideologia predominante dos novos grupos no poder era o socialismo. Se havia diferenças, era sobre alinhar-se mais à extinta União Soviética ou à China.
Mesmo após o fim da Guerra Fria, as legendas dominantes seguiram se confundindo com o Estado e implementando políticas intervencionistas na economia. Na África do Sul, o Congresso Nacional Africano (CNA), que liderou a luta contra o apartheid e está no poder desde 1994, tem claramente inspiração de esquerda. Entre seus apoiadores estão o Partido Comunista e a maior central sindical do país.
Ajudar a destronar o CNA na eleição prevista para 2024 é o que move o ex-prefeito, que administrou Johannesburgo entre 2016 e 2019. Na época, era filiado à Aliança Democrática, legenda de centro que abandonou por achar tímida na defesa de reformas capitalistas. “O CNA é uma organização criminosa, não um partido político”, afirma Mashaba. Ele se refere às inúmeras denúncias de corrupção envolvendo líderes da sigla, como o ex-presidente Jacob Zuma (2009-18), preso por desacato à Justiça.
O ActionSA teve seu primeiro teste nas urnas nas eleições municipais de novembro do ano passado. Estrategicamente, decidiu centrar esforços apenas em um punhado de grandes cidades e elegeu 90 vereadores. O resultado foi considerado surpreendente para uma legenda estreante.
Mais importante, a sigla se juntou a outros partidos de oposição para impedir que o CNA formasse o governo em Johannesburgo e na capital, Pretória. A ideia é repetir a estratégia em nível nacional. “O CNA não será governo após 2024. Se não vencermos sozinhos, ficaremos felizes em formar coalizões”, diz.
Mashaba se define como um “político acidental”, que entrou nesta arena por ter se cansado de ser um “crítico de poltrona”. Começou a carreira de empresário nos anos 1980 e diz ter sofrido os efeitos do apartheid como qualquer cidadão negro. Mesmo assim, afirma, prosperou à base de esforço pessoal.
Em 1994, votou no ícone Nelson Mandela, do CNA, para presidente, uma eleição que marcou o fim do regime segregacionista branco no país. Mas decepcionou-se posteriormente com a corrupção e as políticas que, segundo ele, servem apenas para favorecer quadros do partido.
Uma delas é um dos pilares da África do Sul pós-apartheid, o BEE, sigla em inglês para Empoderamento Econômico Negro. Trata-se de um ambicioso programa para distribuir riquezas a camadas historicamente desfavorecidas no país. Por meio da iniciativa, cargos de direção em empresas, licitações, contratos públicos e posições na máquina do Estado são destinados prioritariamente a cidadãos negros.
Embora tenha contribuído para criar uma classe média negra, o BEE também gerou acusações de favorecimento a quadros políticos e clientelismo. Se um dia chegar ao poder, o ex-prefeito promete, como uma de suas primeiras medidas, acabar com o programa. “Quando o programa foi criado, acreditamos que era necessário, porque as pessoas tinham sido impedidas de ter oportunidades. Infelizmente, as ações provaram que eram baseadas em corrupção, não tinham nada a ver com fortalecer os sul-africanos”, diz.
O caminho para corrigir injustiças do passado, afirma, é investimento em educação e infraestrutura para gerar empregos. “Precisamos estimular o setor privado, o que levará as pessoas a encontrarem trabalho.”
O desemprego na África do Sul é um problema crônico, atingindo 33% da força de trabalho no ano passado, segundo o FMI. Para que esse número baixe, diz Mashaba, é preciso reduzir drasticamente o poder dos sindicatos no país, cuja militância desencorajaria investimentos.
Mas é no capítulo sobre lei e ordem que o ActionSA atrai o maior número de críticas. O manifesto da sigla, embora não ofereça detalhes, promete medidas para que sejam “criminosos, não os cidadãos seguidores da lei, que vivam em medo”. Manter a ordem, diz o ex-prefeito, inclui lidar com a imigração.
A África do Sul sofre ondas periódicas de xenofobia nas grandes cidades, em que trabalhadores de países vizinhos acabam sendo alvos de ataques, e o discurso da legenda joga mais combustível nesse cenário. “A África do Sul não pode se dar ao luxo de trazer mais encargos para cá”, diz ele, que recusa a pecha de xenofobia. Estrangeiros que venham ao país fazer turismo ou trazer investimentos são bem-vindos, diz.
“A África do Sul foi construída por migrantes, e temos de continuar aceitando que venham, desde que respeitando nossas leis. Não podemos ser um país de anarquia, ou deixar que Estados fracassados terceirizem seus problemas para nós. Já temos problemas suficientes”, afirma.
Admirador do ex-presidente americano Donald Trump, ele rejeita, no entanto, a construção de muros nas fronteiras. “Um muro não vai resolver nossos problemas. Precisamos fazer cumprir a lei”.
Embora já tenha vindo diversas vezes ao Brasil, inclusive desfilando no Carnaval na Marquês de Sapucaí, Mashaba diz não ter muita familiaridade com a política do país e se esquiva de fazer comentários a respeito do presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele afirma que seus modelos internacionais de desenvolvimento são Ruanda e Cingapura, dois países conhecidos por aplicarem uma forma autoritária de desenvolvimento capitalista. “Paul Kagame [presidente de Ruanda] é meu herói”, afirma.
Os próximos anos, diz o ex-prefeito, serão de mobilização intensa e organização do partido em todo o país. E sem a intenção de moderar o discurso. “Antes, todo mundo tinha muito medo de tratar de alguns assuntos.”