O Brasil vive um novo ciclo do ouro. Ao menos dez novos projetos de mineração do metal precioso devem iniciar produção legal entre este ano e 2027, com investimentos de US$ 1,4 bilhão (cerca de R$ 7,6 bilhões) em nove estados. Segundo levantamento feito pela consultoria A&M para o jornal O Globo, o valor é 75% maior que o aplicado nos últimos dez anos. Novos empreendimentos surgem no horizonte, puxados pela valorização de 54% da cotação internacional do ouro nos últimos três anos, segundo levantamento da consultoria Elos Ayta.
Desde o fim de 2022, a China vem comprando ouro num ritmo nunca visto para engordar suas reservas internacionais e ter uma alternativa ao dólar dos EUA. As tensões entre os dois países somadas às guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, mudanças climáticas e o temor de novas pandemias contribuem para a maior demanda global de países, bancos e investidores pelo metal precioso, sinônimo de reserva e segurança há séculos.
Em junho, a onça troy (medida que equivale a 31,1 gramas de ouro) bateu US$ 2,3 mil pela primeira vez e deve chegar a US$ 2,7 mil no fim do ano, estima o Goldman Sachs.
— Sempre que há conflitos geopolíticos e guerras pelo mundo, e o risco aumenta, o ouro desponta como porto seguro. É também uma forma de bancos centrais acumularem reservas internacionais. Portanto, temos um ciclo de novos projetos de mineração de ouro que é global — diz Aline Nunes, diretora de Recursos Minerais do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que reúne as empresas do setor.
O governo do Pará deu no mês passado o sinal verde para a implantação da mina Castelo de Sonhos, uma lavra a céu aberto em Altamira cujas reservas alcançam 1,4 milhão de onças. A TriStar Gold deverá produzir ali por dez anos, com investimentos de US$ 261 milhões (R$ 1,4 bilhão). Ainda no Pará, a canadense GMining inicia no segundo semestre a produção do projeto Tocantinzinho, em Itaituba, com previsão de 175 mil onças anuais até 2034 e aporte de US$ 447 milhões (R$ 2,4 bilhões).
Em Goiás, a britânica Hochshild iniciou, em maio, a operação da mina Mara Rosa, com potencial de até 93 mil onças de ouro por ano. Em relatório a acionistas, a empresa diz que a mina brasileira aumenta suas reservas em 75%, o que ampliará em 34% em sua produção global, que inclui ouro e prata.
Licenças estaduais
A última onda de otimismo em relação ao ouro no Brasil havia sido em 2011, quando o preço do metal disparou em meio à desconfiança em relação ao dólar e à recuperação econômica dos EUA após a crise financeira de 2008.
Agora, a nova alta da commodity estimulou os estados — responsáveis pelo licenciamento de minas de ouro no Brasil — a buscar investimentos no setor, principalmente no exterior. Para especialistas, as novas regras adotadas para coibir o ouro ilegal no país favorecem a atração de grandes mineradoras, que usam novas tecnologias na exploração e produção.
Na Bahia, uma nova área de produção de ouro é ofertada à iniciativa privada pela Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM) nos municípios de Brumado e Aracatu. O estado está entre os três maiores produtores do Brasil, atrás de Minas Gerais e Pará.
A canadense Pan American Silver, dona de um complexo de sete minas de ouro subterrâneas na cidade baiana de Jacobina, está investindo entre US$ 20 milhões e US$ 30 milhões para aumentar a produção, que foi de 195 mil onças de ouro em 2022. Uma nova fase pode alcançar 350 mil onças anuais em 2027.
A Bahia também abriga as minas Fazenda Brasileiro e Santa Luz, nos municípios de Barrocas e Santaluz, ambas da Equinox Gold, autodeclarada maior produtora de ouro das Américas, que também atua em Minas e no Maranhão.
— A mina de Jacobina é explorada desde os tempos do Império, mas a tradição das grandes minas é evoluir. Aumentam a produção com novas tecnologias — diz Manoel Barretto, diretor técnico da (CBPM), que faz o mapeamento e as licitações de áreas de mineração, que rendem royalties de 2% a 6%.
Além da Bahia, Rafael Marchi, sócio-diretor da A&M Infra e especialista em mineração, vê Goiás e Mato Grosso com alto potencial. Na maioria dos casos, o ouro vem da extensão de minas existentes ou de projetos abandonados. Estima-se que o país detenha cerca de 12% das reservas conhecidas de ouro no mundo, mas esse percentual pode ser maior, a depender da qualidade e quantidade de estudos. Há hoje 4.597 autorizações de pesquisa de ouro no país.
— Quanto mais alto o preço do ouro, mais viável se torna a prospecção de depósitos com menor teor, que antes não eram considerados viáveis — afirma David Debruyne, do Instituto de Geociências da Unicamp.
Para Barreto, a mineração ajuda a desenvolver regiões pobres, fixando uma população que vive do plantio de subsistência. Os salários das mineradoras ficam muito acima da média da renda local, estimulando o comércio e prestadores de serviços como alimentação, segurança e transporte, sem falar no impulso ao setor imobiliário, diz:
— Com a mineração, a ciranda econômica começa a girar.
Riscos latentes
Apesar das oportunidades, a extração ilegal e o impacto ambiental da mineração de ouro preocupam. Ainda está parado na Câmara dos Deputados um projeto de lei, já aprovado pelo Senado, que obriga o titular da Permissão de Lavra Garimpeira (PLG) a fazer a primeira venda, impedindo o repasse para terceiros, e determina que as instituições financeiras na outra ponta registrem os dados do vendedor.
O Brasil tem hoje 811 concessões de lavra e lavra garimpeira de ouro. No ano passado, foram reformuladas regras de comércio e transporte de ouro, tornando obrigatória a emissão de nota fiscal eletrônica nas operações de compra e venda. Antes, valia a manifestação da boa-fé do comprador, que podia se fiar na declaração de procedência do vendedor, para legalizar o metal junto ao Banco Central e chegar a joalherias e instituições financeiras em barras.
— Era um prato feito para a fraude — diz Larissa Rodrigues, diretora de Pesquisa do Instituto Escolhas, que calculou em R$ 2,5 bilhões a movimentação do comércio irregular de ouro em 2021.
Um estudo de pesquisadores da UFMG e do Ministério Público Federal em Minas só conseguiu verificar a legalidade de 34% do ouro produzido no país entre 2019 e 2020 e estimou um prejuízo socioambiental de R$ 31,4 bilhões provocado pelo garimpo ilegal no período, bem mais que os R$ 640 milhões arrecadados em impostos com o ouro legal.
Para Larissa, as mudanças provocaram um choque no comércio de ouro, levando a uma queda de 29% nas exportações em 2023 — menos R$ 1,4 bilhão em relação a 2022 — num sinal de freio na legalização de ouro irregular. Mas não há estimativa sobre o metal que escapa da Amazônia pelas fronteiras terrestres com Venezuela, Guiana e Bolívia, em rotas do crime organizado.
Para Rafael Marchi, da A&M, as mudanças na regulação ajudam a atrair investidores:
— Há uma mudança comportamental do setor e da sociedade em relação à mineração. Com rastreabilidade, é possível saber a origem do ouro. As cadeias de produção são mais auditadas, o fluxo de controle está melhorando, o que gera segurança jurídica.
Para as grandes mineradoras na atividade legal, o desafio maior é implementar práticas sustentáveis que não agridam o meio ambiente. O licenciamento ambiental das permissões de lavra é de responsabilidade dos estados, que adotam critérios diferentes. Não há regras de como o ouro deve ser garimpado. A extração nas lavras a céu aberto deixa extensas e profundas cavas no solo. A movimentação de terra e rochas descaracteriza o ecossistemas.
Em maio, o Ministério Público de Minas e a Kinross Brasil firmaram acordo para iniciar a descaracterização das barragens Eustáquio (até 2033) e Santo Antônio (até 2028), em Paracatu, na divisa do estado com Goiás. O processo passa por drenagem da água e plantio de vegetação na área onde havia rejeitos.
De origem canadense, a Kinross explora em Paracatu a Morro do Ouro, maior mina a céu aberto do país. Este ano, vai investir mais US$ 145 milhões (R$ 792 milhões) para ampliar a produção. A prefeitura da cidade de 100 mil habitantes estima que serão gerados 1,8 mil empregos diretos e mais 4 mil indiretos. A arrecadação municipal só com a mineração chegou a R$ 170 milhões em 2023, mas esse negócio tem data de validade: as empresas vão embora quando a mina estiver exaurida.
Por enquanto, Eduardo Vale, ex-pesquisador do Ipea que hoje dirige a Bamburra Planejamento e Economia Mineral, afirma que a atração de investimentos tende a se prolongar:
— Há uma tendência mundial de reduzir a dependência do dólar. A compra de ouro pelos bancos centrais no mundo cresceu 14% no ano passado.