A nova leva de derrotas do governo no Congresso expôs mais uma vez os problemas da articulação política e elevou a pressão por mudanças na estratégia de relação com os parlamentares. Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendem uma postura mais incisiva e que alcance um número maior de pautas, já que há uma crítica de que os esforços hoje estão concentrados somente na agenda econômica. Os reveses vão provocar uma nova rotina de reuniões no Palácio do Planalto, como mostrou a colunista Bela Megale, e levaram o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), a revelar ontem a avaliação externada pelo próprio presidente sobre a necessidade de melhorar a articulação. As informações são de Renata Agostini, Camila Turtelli, Jeniffer Gularte, Alice Cravo, Sérgio Roxo e Júlia Noia, todos do jornal O Globo.
Além da derrubada do veto presidencial ao ponto central da lei que restringe saídas temporárias de presos e da manutenção da decisão, tomada ainda na gestão de Jair Bolsonaro, de dificultar a punição à disseminação de notícias falsas eleitorais, a gestão Lula acumulou outras derrotas na noite de terça-feira.
Na mesma sessão do Congresso foi derrubado o veto a um artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que desestimula a destinação de verbas do Executivo a ações favoráveis ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, ao aborto e à agenda LGBTQIA+. O item foi incluído na norma a partir de uma emenda do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e foi barrado por Lula em seguida.
A sessão da Câmara seguinte à reunião do Congresso também reservou outro resultado negativo: deputados aprovaram um projeto que susta pontos do decreto de armas do Executivo, como proibição de que clubes de tiro fiquem a menos de um quilômetro de escolas. Este texto ainda precisa do aval do Senado, onde a tendência é que não seja pauta prioritária.
Em consequência ao dia negativo, integrantes da base aumentaram o tom das cobranças por mudanças. Apesar de ter minimizado os resultados, Jaques Wagner afirmou que o presidente reconheceu a necessidade de um rearranjo.
— Ele (Lula) está absolutamente tranquilo. O balanço é que a gente precisa melhorar a nossa organização nesse processo de governo e legislativo. Vai envolver uma sistemática de acompanhamento mais próximo — disse o senador, após conversa com Lula.
Em uma linha semelhante, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), ressaltou a importância de o governo se organizar da “melhor forma possível”. Como parte da estratégia, Lula vai intensificar a participação e, a exemplo do que já fez ontem, passará a se reunir toda semana com Wagner e os líderes do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e na Câmara, José Guimarães (PT-CE), além do ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) — até agora, os encontros semanais do presidente ocorriam apenas com o Padilha.
Aliados, no entanto, cobram uma guinada maior. Um grupo ressalta que a estratégia atual do Planalto vem dando à oposição vitórias sem que haja “combate”. À essa percepção, soma-se o diagnóstico de que, como o governo não se posiciona firmemente, fica “barato” para os parlamentares do Centrão aderirem ao lado bolsonarista. No caso específico da sessão do Congresso, a avaliação é que o Planalto se contentou em ganhar com a manutenção do veto ao calendário para o repasse de emendas e não se empenhou como deveria nos outros temas.
A fragmentação da articulação também é apontada como um obstáculo. Padilha conversa com líderes partidários, mas não com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tarefa que cabe ao ministro Rui Costa (Casa Civil). Randolfe já foi alvo também de críticas de Lira e é visto por parte da base como um nome sem a interlocução necessária para a função. Já em relação a Guimarães, uma ala faz o diagnóstico de que seria necessário mais traquejo com a oposição e mais independência em relação a Lira.
No Planalto, existe uma avaliação de que o rompimento de Lira com Padilha sobrecarrega o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que fica obrigado a “descer” com mais frequência para a articulação.
Ao longo do ano passado, mesmo em momentos de tensão com o Congresso, o discurso no governo sempre foi que a agenda econômica estava andando. Neste ano, porém, no Ministério da Fazenda, o sentimento é que os projetos de interesse da pasta também estão travados. Como exemplo são citadas oito propostas de facilitação do crédito, uma das bandeiras de Lula, que estão com a tramitação parada.
Trocas ficam para depois
Ainda que no meio da turbulência, não são esperadas para agora trocas em nomes, tampouco uma reforma ministerial. O Planalto deve segurar a pressão e deixar as mudanças para o segundo semestre. O núcleo mais próximo ao presidente afirma que as alterações no primeiro escalão do governo serão guiadas pela correlação de forças entre os partidos após as eleições e a disputa pelo comando da Câmara.
Esse contexto leva em conta o peso com o qual os partidos sairão das urnas e o cenário acirrado da sucessão de Lira, disputa em que o Planalto quer ao máximo evitar atritos. Os principais pré-candidatos já colocados são de partidos da base: Elmar Nascimento (União-BA), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Antônio Brito (PSD-BA) e Isnaldo Bulhões (MDB-AL). Neste contexto, é avaliada a chance de negociar a entrada no governo de postulantes à cadeira de Lira, reduzindo o número de participantes da corrida.