domingo 19 de maio de 2024
Rodrigo Badaró apresentou proposta para revogar artigo 172 da resolução 281 de dezembro de 2023 Foto: Sergio Almeida / CNMP
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quarta-feira 8 de maio de 2024 às 09:17h

Na contramão da transparência, Ministério Público exigirá dados pessoais de quem quer conferir salário de servidores

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Os Ministérios Públicos do Rio de Janeiro, Acre, Mato Grosso e Pernambuco começaram a exigir documentos pessoais de quem acessar informações de, por exemplo, contracheques de promotores ou servidores. Desse modo, funcionários ligados às instituições estaduais poderão saber quem viu a relação de nomes, salários e benefícios de seus servidores. Para especialistas em transparência pública, o fato é preocupante e pode causar monitoramento de cidadãos comuns que acessam dados públicos.

Os MPs argumentam que a medida não é um empecilho e que cumprem a legislação e as resoluções do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O conselho, por sua vez, acrescentou que a identificação tem como objetivo garantir a segurança dos dados de promotores e procuradores (veja abaixo).

No Ministério Público do Mato Grosso (MP-MT) e no Ministério Público de Pernambuco (MP-PE), qualquer cidadão terá de fornecer CPF, telefone, e-mail e nome completo apenas para saber os salários dos servidores públicos. No Rio de Janeiro, o MP exige nome completo, data de nascimento e e-mail. No Ministério Público do Acre (MP-AC) o fornecimento do número do CPF é obrigatório para o interessado em analisar os dados do órgão.

Juliana Sakai, diretora executiva da Transparência Brasil, organização independente que tenta promover a transparência e o controle social do poder público, disse que a situação é um contínuo movimento contra a transparência. “A gente não consegue nominalizar o contracheque, a gente não consegue saber quem é que está se beneficiando de todas essas regalias que estão sendo dadas no Ministério Público”, disse.

Para a especialista, a exigência de dados de pessoas comuns para acesso a dados públicos é uma medida irregular. “Quando você coloca um formulário, você obviamente está coletando dados, você está dando o recado para o público de que quem está sendo monitorado é o cidadão, e não são eles que devem ser monitorados”, afirma. Juliana considera que ao adotar essa medida, há uma inversão da lógica de transparência e mostra que os Ministérios Públicos não estão dispostos a prestar contas à população.

“Querem colocar empecilhos. Isso traz uma ameaça aos jornalistas, aos cidadãos, deixa um recado nesse sentido. Além disso, inviabiliza ou dificulta muito uma coleta automatizada, e isso fere a legislação”, afirmou.

Com formulário, servidora ligou para cidadão e o chamou de ‘bisbilhoteiro’

Em 2013, uma servidora pública de Brasília foi processada nas esferas cível e criminal por ter questionado um cidadão comum sobre o motivo de olhar seus dados. À época, a funcionária do Senado Federal chamou o popular de “bisbilhoteiro”. O Senado, naquele momento, exigia um formulário com dados da pessoa que acessava os registros públicos. Assim, a servidora teve acesso e identificou quem havia conferido suas informações no site da transparência do Poder Legislativo. Depois de travarem batalhas por e-mail e no tribunal, a servidora fez acordo, pagou 10% de seu salário e os processos foram arquivados.

Um dos receios de especialistas é justamente que casos como o da servidora do Senado se repitam. O monitoramento de dados para saber quem acessa, por exemplo, os salários de servidores públicos também é uma preocupação do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, composto por 30 entidades. No fim do ano passado, a organização enviou um memorial ao CNMP para alertar para o possível problema. O caso do cidadão ofendido pela servidora do Senado foi citado no documento. Eles levantaram, ainda, a questão de fraudes, que ocorrem com frequência no meio digital.

“Sublinhamos que a referida exigência aventada pelo CNMP não resultará em proteção adicional aos seus membros, tendo em vista que a mera identificação autodeclaratória é passível de fraude, aliada a dispositivos de ocultação de Internet Protocol (IP). Por outro lado, resultará acidentalmente em um sinal contrário do Ministério Público à transparência das informações públicas, justamente no direito constitucional em que o órgão tem atuado como imprescindível guardião”, diz trecho do documento obtido pelo Estadão.

Exigência de dados é para ‘garantir segurança de promotores’, diz CNMP

A modificação na permissão de acesso aos dados públicos ocorreu em dezembro do ano passado, quando o CNMP modificou a resolução que tratava do tema para incluir um parágrafo com as novas exigências.

“As informações individuais e nominais da remuneração de membro ou servidor mencionadas no inciso VII serão automaticamente disponibilizadas mediante prévia identificação do interessado, a fim de se garantir a segurança e a vedação ao anonimato, nos termos do art. 5º, caput e inciso IV, da Constituição Federal, salvaguardado o sigilo dos dados pessoais do solicitante, que ficarão sob a custódia e responsabilidade da unidade competente, vedado o seu compartilhamento ou divulgação, sob as penas da lei”, diz o trecho da resolução do Conselho.

A situação, no entanto, ainda será debatida no próprio grupo. Isso porque o conselheiro Rodrigo Badaró apresentou na sessão ordinária do dia 16 de abril uma proposta para excluir a exigência de identificação prévia dos interessados em acessar dados públicos. A mudança foi proposta diante das indagações feitas pelo Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas. Não há, no entanto, data prevista para que a proposta seja avaliada.

De acordo com o setor de comunicação do CNMP, “em sua justificativa, o conselheiro Rodrigo Badaró considera que a exigência de prévia identificação do interessado para acessar informações sobre remuneração de membro ou servidor do Ministério Público ‘cria inequívoco obstáculo ao cumprimento dos princípios que norteiam o rápido, eficaz e impessoal exercício do direito fundamental à informação’”.

Ainda segundo a comunicação do CNMP, “Badaró levou em consideração a simetria entre as carreiras da Magistratura e do Ministério Público e a paridade entre o CNMP e o Conselho Nacional de Justiça para que a questão seja tratada de forma equivalente. O CNJ, por meio da Resolução nº 389/2021, deixou de exigir a identificação prévia do interessado, como condição para disponibilização de informações que tratem de remuneração de membros e servidores do Poder Judiciário”.

Sobre a modalidade atual, o CNMP afirmou ao Estadão que a “previsão de identificação tem como objetivo garantir a segurança dos dados de promotores e procuradores. A medida não cria empecilhos para o acesso às informações, uma vez que elas continuam disponíveis a qualquer cidadão, como determina a Lei de Acesso à Informação”.

Ministérios Públicos não relacionam nomes e salários

No Rio Grando do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, os Ministérios Públicos não publicam planilha com nome de promotores e servidores atrelados aos salários, o que é exigido por resolução de 2019 do CNMP. No MP de Roraima, o sistema para conferir vencimentos de servidores está fora do ar.

O MP de Santa Catarina informou que “permite a busca por cargo e por nome com o respectivo salário de membros e de servidores”. A reportagem fez duas buscas e não encontrou o salário dos funcionários públicos. Ao digitar o nome de um promotor, por exemplo, apareceram “gestão de pessoas”, “diárias e passagens” e “outros benefícios”. Ao acessar o contracheque, aparecem cargos, lotações e salários, mas sem nome dos promotores e servidores. A situação é igual no MP do MS e do RS. A comunicação do MP-MS disse que cumpre a legislação, mas não respondeu o que levou a instituição a retirar nome dos servidores da lista de dados públicos. Já o MP-RS disse que “as informações orçamentárias e financeiras da instituição seguem disponíveis”. A reportagem questionou a não divulgação de salários e nome de servidores, mas não obteve resposta.

Transparência do MP do Rio Grande do Sul não mostra nomes dos funcionários públicos ao acessar remuneração
Transparência do MP do Rio Grande do Sul não mostra nomes dos funcionários públicos ao acessar remuneração Foto: Reprodução via MPRS

O que diz o CNMP:

Em relação à Resolução que institui a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais no Ministério Público, o CNMP informa que a previsão de identificação tem como objetivo garantir a segurança dos dados de promotores e procuradores. A medida não cria empecilhos para o acesso às informações, uma vez que elas continuam disponíveis a qualquer cidadão, como determina a Lei de Acesso à Informação.

O que diz o MP-MT

A solicitação de prévia identificação para consulta individualizada de remuneração no Portal da Transparência do MP-MT obedece à Resolução nº 281/2023 do CNMP, que estabeleceu a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais no Ministério Público brasileiro, e às disposições da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e da Lei de Acesso à Informação (LAI).

O que diz o MP-RJ:

A exigência referida não se constitui em um empecilho, mas, ao revés, decorre de cumprimento do disposto no art. 7° da Resolução CNMP n° 89, de 28 de agosto de 2012, que, por sua vez, teve a sua redação alterada pela Resolução CNMP n° 281, de 12 de dezembro de 2023.

O que diz o MP-PE:

A solicitação de prévia identificação para consulta individualizada de remuneração no Portal da Transparência do MP-PE obedece à Resolução nº 281/2023 do CNMP, que estabeleceu a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais no Ministério Público brasileiro, e às disposições da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e da Lei de Acesso à Informação (LAI).O tratamento dos dados informados pelos cidadãos é feito em conformidade com o estabelecido na LGPD e na Resolução nº 281/2023 do CNMP.

O que diz o MP-SC:

O portal da transparência do MP-SC permite a busca por cargo e por nome com o respectivo salário de membros e de servidores, cumprindo a Lei de Acesso à Informação e a Resolução n. 86/2012, do CNMP, com suas alterações, estando sempre enquadrado no patamar de excelência pelo órgão de controle. O portal, inclusive, vai além e não exige qualquer cadastramento de usuários para o acesso à informação pleiteada.

O que diz o MP-AC

Informamos que a identificação do CPF para consulta de contracheques e de informações salariais de membros e servidores do Ministério Público do Estado do Acre é uma determinação prevista na Resolução nº 89, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O MP-AC cumpre integralmente todas as determinações legais e regimentais do Sistema Tribunais de Contas e do CNMP.

O que diz o MP-MS:

Em resposta à sua solicitação o MP-MS informa que, cumpre estritamente toda legislação federal que rege a matéria sobre a transparência e a Lei Geral de Proteção de Dados, ambos com fundamento constitucional, bem como a regulamentação do Conselho Nacional do Ministério Público e observado o disposto no Conselho Nacional de Justiça.

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