O jovem Matheus Pires, alvo de racismo ao fazer uma entrega num condomínio em Valinhos, no interior de São Paulo, começa na segunda-feira a trabalhar numa grande agência de publicidade, a Avellar. Ele vai fazer o que mais gosta, edição de vídeos, e ganhou um curso da Cria School, escola de marketing e publicidade aberta por Raphael Avellar, dono da agência, cujos professores são executivos de grandes empresas.
– O Matheus estava fazendo entregas porque, no meio da pandemia, perdeu o emprego de jovem aprendiz. Mas ele é um empreendedor e foi um dos primeiros a acompanhar meu trabalho das redes sociais – diz o empresário.
O homem que insultou Matheus já tinha histórico de agressões. O Ministério Público pediu abertura de inquérito contra ele, identificado como Matheus Abreu Almeida Prado
Com 15 anos, Matheus já havia criado uma empresa de marketing e trabalhos digitais. Ele buscava trabalhos como free lancer numa plataforma de internet e, muitas vezes, reunia amigos para ajudar. Em 2018, passou a seguir Rapha Avellar nas redes sociais, em busca das dicas e ensinamentos que o empresário oferece sobre marketing e comunicação.
Segundo Raphael, é comum que milhares de pessoas conversem com ele pelas plataformas e Matheus foi uma delas. Quando o ataque racista ganhou repercussão na mídia, o empresário identificou o rapaz.
– Ele é de um garoto muito diferente. Com 15 anos já estava empreendendo e é autodidata no que faz. Ele não é a única pessoa que contratei pela internet, mas é de fato especial – afirma o empresário.
Matheus nasceu em Arapongas, no Paraná, e se mudou para a região de Jundiaí, no interior de São Paulo, aos 9 anos, quando os pais migraram para trabalhar no plantio e colheita de uvas. Hoje, os pais deles são caseiros em uma vinícola. Há um mês, Matheus havia alugado com um amigo uma casa na cidade.
O garoto chegou a cuidar da irmã mais nova, hoje com 7 anos, para que os pais pudessem trabalhar. Além dos trabalhos que fazia pela internet, já foi empacotador em supermercado e motoboy. O último emprego foi de aprendiz de auxiliar de escritório em uma transportadora. Ficou por mais de um ano, mas foi dispensado no início da pandemia. Por isso, passou a trabalhar como entregador.
Ele terminou o Ensino Médio em 2018, mas não se interessa em fazer faculdade. Acredita que aprende mais trabalhando. A edição de vídeo, por exemplo, ele aprendeu com tutoriais na internet.
Nos últimos tempos, teve de vender o computador, porque não conseguia pagar as prestações.
Testemunha de Jeová, Matheus estuda a Bíblia diariamente e também estuda linguagem de libras. É extremamente organizado e montou até mesmo uma agenda no Google para cumprir suas metas. Acorda 6h20 da manhã e faz caminhada até 6h45, ainda em jejum. Não gosta de acordar cedo, mas passou a fazer isso quando descobriu que não teria tempo para fazer tudo o que se propõe se ficasse na cama até mais tarde.
Quando foi insultado pelo cliente, Matheus ficou calado. Aos colegas da agência, disse que tinha de se controlar, porque era o seu único trabalho e também porque não queria desrespeitar as regras do aplicativo e, muito menos, ser mal educado ou violento.
Disse que jamais pensou em passar por uma situação como aquela e acredita que a religião o ajudou. Mas também não ficou submisso: foi ele quem chamou a polícia e não saiu do local até chegar a viatura. Pensou que, se não fizesse nada, o cliente iria fazer a mesma coisa com outroas pessoas.
Matheus não se considera negro, mas moreno, pardo. Ele acha que o cliente nem olhou para ele, associou direto: “motoboy, pobre, negro”.
Apesar do pedido de desculpa feito pelo pai do agressor, que diz que o filho é esquizofrênico, Matheus processou o homem.
A cena da agressão foi gravada por um morador do condomínio, que a entregou a Matheus para que ele pudesse processar o agressor. Ele mostrou apenas para a mãe dele. Quem colocou na internet foi ela, para mostrar que seu filho havia sido vítima de violência. As imagens caíram em grupos de motoboys e viralizaram.
O primeiro a entrar em contato com a mãe dele foi o apresentador Luciano Huck. Matheus chegou a achar que era “fake”. Não era. Desde então, já ganhou duas motos, cerca de R$ 200 mil de uma vaquinha online e milhares se seguidores em suas redes sociais.