Ao denunciar o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR), a Procuradoria-Geral da República (PGR) concluiu que ele caluniou o ministro Gilmar Mendes por dar a entender conforme Rayssa Motta, do Estadão, que o decano do Supremo Tribunal Federal (STF) venderia decisões judiciais.
“Não, isso é fiança, instituto… pra comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes”, afirma o ex-juiz em um vídeo antigo que repercutiu nas redes sociais na semana passada.
Moro, por sua vez, diz que a declaração não passou de uma ‘brincadeira’ e que o vídeo foi tirado do contexto por ‘pessoas inescrupulosas’ que tentam alimentar uma ‘indisposição’ com o STF.
“Ainda que a fala possa ser considerada infeliz, não contém nenhuma acusação contra qualquer ministro”, afirmou em um pronunciamento divulgado mais cedo.
Caberá à ministra Cármen Lúcia decidir o destino das acusações e, em alguma medida, o futuro político do senador. Se a denúncia for aceita, Moro vai responder a um processo e corre o risco de perder o mandato em caso de condenação.
Entenda principais pontos da denúncia
Delimitação temporal
A denúncia fala em ‘dia, hora e local não sabidos’. Especialistas ouvidos pelo Estadão afirmam que a PGR precisa delimitar quando o vídeo foi gravado, mas concordam que isso não precisa ser feito na hora de oferecer a denúncia. O órgão pode pedir o aditamento e incluir essa informação ao longo da instrução do processo.
A cota menciona ainda que o vídeo ganhou repercussão em 14 de abril. Essa data, no entanto, não pode ser considerada como alternativa ao dia em que a declaração foi de fato feita. Isso porque o marco para a contagem da prescrição é o momento do suposto crime.
Foro privilegiado
A delimitação temporal também será importante para definir se, no caso de recebimento da denúncia, Moro será processado no STF, onde o clima é desfavorável.
Gilmar Mendes é o ministro mais antigo do tribunal e, embora não vá participar do julgamento, tem grande capacidade de articulação e ascendência sobre os colegas. O decano foi um dos responsáveis pela decisão que declarou o ex-juiz parcial para julgar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A declaração de Moro teria sido dada em uma festa junina no ano passado, quando ele ainda não era senador e não tinha direito ao foro privilegiado. O STF já decidiu que a prerrogativa só vale para crimes cometidos no mandato e relacionados ao cargo.
Se o tribunal entender que o caso deve ir para a justiça comum, Moro pode ser processado em Curitiba, onde o vídeo teria sido gravado. O endereço de domicílio do réu também pode ser usado como critério se o local do suposto crime for indefinido.
Calúnia, difamação ou injúria?
Os três são crimes contra a honra. O Código Penal define calúnia como a falsa imputação de um fato criminoso. Difamação é imputar um fato ‘ofensivo’. Injúria, por fim, consiste na ofensa à honra ou decoro.
Para a PGR, o caso é de calúnia porque Moro teria acusado o ministro de corrupção passiva. A denúncia diz que o ex-juiz afirmou que Gilmar Mendes ‘solicita ou recebe, em razão de sua função pública, vantagem indevida para conceder habeas corpus, ou aceita promessa de tal vantagem’.
O entendimento não é unânime. Um criminalista experiente ouvido reservadamente pelo blog avalia que o mais adequado seria um processo por injúria, ‘que não exige imputação de fato, abrangendo meras ofensas’.
A pena para o crime de calúnia é maior, pode chegar a dois anos, enquanto réus por difamação podem ser sentenciados a no máximo um ano de prisão. Para casos de injúria, a pena máxima é de seis meses.
Agravantes
A PGR sugere que, em caso de condenação, a pena deve ser endurecida porque 1) a vítima é um ministro do STF com mais de 60 anos; 2) a declaração foi dada na presença de várias pessoas; 3) o vídeo foi divulgado na internet.
O criminalista Marco Antônio Nahum, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), explica que, nesse caso, não importa se não foi o próprio Moro quem divulgou a gravação das redes sociais.
“Para efeito desse específico aumento não importa identificar quem divulgou na internet. Apenas o fato de ter sido divulgado fundamenta o pedido da acusação”, afirma.
Acordo de não-persecução penal
Duas condições autorizam a proposta de acordo de não-persecução penal: crimes que não envolvam violência ou ameaça grave e pena máxima prevista inferior a quatro anos.
A PGR poderia ter oferecido o acordo, mas essa é uma atribuição exclusiva da instituição. A defesa do senador pode pedir, desde que ele confesse o crime.