Ao mencionar na semana passada, de forma elogiosa, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, afirmando que ele “tem feito política”, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não jogou palavras ao vento.
Integrante de um governo que se mantém avesso à articulação com o Congresso, o sisudo ex-juiz da Lava Jato que mandou prender nomes de peso da política nacional não poupa esforços para aprovar o seu pacote anticrime e manter a estrutura de “superministério” da sua pasta.
Em menos de cinco meses de governo, ele já se reuniu com 106 parlamentares, segundo levantamento publicado pelo jornal Estado de SP com base apenas em sua agenda oficial.
O ministro teve encontros com mais de um sexto do Congresso e rivaliza no governo com o ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, responsável pela articulação política do Palácio do Planalto. Onyx, deputado federal licenciado, esteve com 125 deputados e senadores.
Moro mostra empenho em deixar uma marca na sua passagem pelo Executivo. O ministro já colecionou constrangimentos e derrotas no governo – a última delas no dia 9 deste mês, quando a comissão especial que analisa a medida provisória da reforma administrativa decidiu devolver o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ao Ministério da Economia. Ter o comando do órgão tinha sido um dos pedidos de Moro ao presidente Jair Bolsonaro antes de assumir a pasta.
Após o revés, Moro intensificou ainda mais os encontros com parlamentares, que já haviam marcado presença de forma massiva no seu gabinete em abril, com média de mais de uma audiência por dia.
Nesses quatro meses e meio de governo, o ministro reservou mais espaço em sua agenda para reuniões com integrantes da chamada “bancada da bala”, como é conhecida a Frente Parlamentar da Segurança Pública. Foram 44 encontros com deputados ligados à frente, que tem algumas reivindicações abarcadas no pacote anticrime.
O presidente do grupo, deputado Capitão Augusto (PR-SP), foi quem mais visitou o gabinete de Moro no período: quatro vezes, empatado com o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP).
“(O pacote) É uma bandeira dos parlamentares, não tem nada a ver com o governo. Então, esse problema de articulação que hoje existe do Executivo com o Legislativo não vai afetar a votação do pacote porque ele é uma bandeira nossa”, disse Capitão Augusto, que renunciou à vice-liderança do governo em abril com críticas à relação entre o Planalto e o Congresso.
Entre parte dos parlamentares, no entanto, persiste a resistência à figura de Moro. Deputados mais experientes costumam dizer que o ministro da Justiça ainda não abandonou o estilo de juiz, que o faz querer impor ao Parlamento, sem muita paciência para o processo de tramitação, suas ideias para o combate à criminalidade.
“Moro deveria ter tido um diálogo anterior com vários setores da sociedade, inclusive dentro do próprio Ministério da Justiça, antes de formular esta proposta. Agora fica recebendo parlamentares”, afirmou o deputado Rui Falcão (PT-SP).
“O governo utiliza ele como instrumento de propaganda. O governo não fez um gesto, não moveu uma palha para manter o Coaf no Ministério da Justiça”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que se encontrou com o ministro uma vez e conversou sobre o pacote anticrime e a permanência do Coaf na pasta. “O governo está perdendo apoio popular e ele está indo junto. Se ele ainda quer salvar a biografia, acho que deveria cair fora do governo”, declarou.
No início da semana passada, Moro foi obrigado a negar uma declaração do presidente e disse que não assumiu compromisso com Bolsonaro para ser indicado futuramente a uma cadeira no Supremo Tribunal Federal – a primeira vaga será aberta em novembro de 2020. O presidente recuou da declaração dias depois e negou que a ida do ex-juiz para o governo foi fechada com essa condição.
Uma condição, porém, admitida em público por Moro para encarar o trabalho é a recusa a se tornar um “advogado” do governo. O ministro costuma dar essa resposta quando questionado sobre as investigações que envolvem o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente, e Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar na época em que ele ocupava cargo de deputado estadual no Rio de Janeiro.
Além dos parlamentares, Moro já se reuniu até o momento com oito governadores – é nos Estados que a maioria das políticas de segurança pública é adotada. Mas o ministro mantém o foco de atuação no seu pacote anticrime no Congresso.
Propostas
Para a cientista política Lara Mesquita, da FGV, a articulação do ministro é natural, já que ele optou por fazer parte do mundo da política. “Como o ministro tem uma agenda que depende do apoio legislativo, ele está fazendo o que me parece razoável, que é conversar com parlamentares e apresentar as propostas que tem.”
Antes de intensificar as reuniões políticas em sua agenda oficial, Moro foi alvo de Maia, que o chamou de “funcionário do Bolsonaro” e desqualificou o projeto anticrime (“copia e cola” do ex-ministro da Justiça e ministro do Supremo Alexandre de Moraes). O ministro havia cobrado mais celeridade à tramitação do pacote, o que irritou o presidente da Câmara.
Dois meses depois, Maia avalia “que a política tem de olhar o ministro Moro, hoje, de outra forma”. “A gente está reclamando muito que o governo não faz política, e esse ministro, por mais que alguns tenham restrição ou não a ele, ele fez política, tem feito política.”
Procurado, o Ministério da Justiça e Segurança Pública afirmou em nota que as audiências são solicitadas pelos deputados e senadores para tratar de pautas como a “segurança pública em suas bases, investimentos, apoio para projetos de autoria dos parlamentares, contribuições para melhorias legislativas (o que inclui o pacote anticrime) e ações do ministério”. / Colaboraram Marianna Holanda e Ricardo Galhardo