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quarta-feira 1 de janeiro de 2020 às 18:58h

Moro perde status e sofre derrotas, mas segue popular no governo

POLÍTICA


O jornal Folha de SP publicou reportagem afirmando que Sergio Moro migrou em 2019 para o papel que seus adversários dizem que ele sempre exerceu, o de político.

O saldo ao final do primeiro ano como ministro da Justiça de Jair Bolsonaro reúne derrotas, a perda do status de “superministro”, a revelação de indícios de conduta parcial como juiz da Lava Jato e ouvidos moucos a suspeitas de corrupção em torno de integrantes do governo.

Mas, apesar de tudo isso, a manutenção de uma popularidade que o coloca, segundo o próprio chefe, como forte opção à sua sucessão em 2022.

“O Moro tem um potencial enorme. Ele é adorado no Brasil. Pessoal fala que ele deve encarar como presidente. Se o Moro vier, que seja feliz, não tem problema, vai estar em boas mãos o Brasil”, disse Bolsonaro na última quinta-feira (26). Ele já citou Moro como um vice que tornaria a chapa de ambos “imbatível”.

O ex-juiz da Lava Jato acabou de ser eleito pelo jornal britânico Financial Times como uma das 50 personalidades mundiais que moldaram os anos de 2010. Ele é o único brasileiro nessa lista.

E também é o ministro mais bem avaliado do governo, segundo o Datafolha -53% dos que dizem conhecê-lo consideram seu trabalho bom ou ótimo, 17 pontos percentuais a mais dos que avaliam positivamente o governo Bolsonaro.

Em junho a Folha de S.Paulo e outros veículos de comunicação começaram a publicar a análise feita com o site The Intercept Brasil do vasto material recebido após o vazamento das mensagens trocadas por integrantes da Lava Jato no aplicativo Telegram.

Em vários pontos, as mensagens indicam alinhamento entre o Ministério Público, responsável pela acusação, e o juiz -autor da condenação que, após confirmação das instâncias superiores, mandou para a cadeia e tirou da disputa eleitoral de 2018 o ex-presidente Lula (PT).

Moro sempre negou ter agido de forma parcial na Lava Jato, ressaltando a confirmação pelas instâncias superiores da maioria de suas sentenças. Ele diz ainda não reconhecer a autenticidade dos diálogos vazados e diz que, mesmo que eles sejam verdadeiros, não caracterizam nenhum desvio de conduta. As conversas obtidas pelo Intercept não foram a única dor de cabeça de Moro.

Logo no início da gestão ele teve ignoradas recomendações sobre a aplicação de uma das principais bandeiras de campanha de Bolsonaro, o afrouxamento das regras para o porte e a posse de armas no Brasil. Embora tenha saído do seu ministério, o texto nunca foi bancado de fato por Moro.

A sua bandeira pública anticorrupção também foi colocada à prova quando a Folha de S.Paulo revelou a existência de um esquema de candidaturas laranjas patrocinado pelo então partido de Bolsonaro, o PSL, em Pernambuco e Minas Gerais -neste estado comandado à época pelo atual ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.

Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, na época da transição, Moro havia dito que não assumiria o papel de ministro da Justiça com risco de comprometer sua biografia. “E isso foi objeto de discussão e a afirmação do senhor presidente eleito, que ninguém seria protegido se surgissem casos de corrupção dentro do governo”, afirmou, à época.

Com a eclosão do escândalo das candidaturas de laranjas do PSL e a manutenção de Álvaro Antônio no ministério por Bolsonaro, Moro passou a adotar o discurso de que não faria o papel de ministro da Justiça de outros governos, que atuaram como advogados do presidente e de colegas -apesar disso, chegou a se manifestar publicamente em defesa de Bolsonaro após a Folha de S.Paulo publicar reportagem mostrando haver documentos e depoimento levantando a suspeita de caixa dois na campanha do presidente.

Ainda na questão da corrupção, Moro conviveu em 2019 com as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro que apontam a existência de um esquema de desvio de dinheiro público por meio de funcionários fantasmas e “rachadinhas” (devolução, por assessores, de parte ou a totalidade do salário) em gabinetes da família Bolsonaro, em especial o de Flávio, então deputado estadual e hoje senador.

As suspeitas em torno do caso, cujo pivô é Fabrício Queiroz, amigo de longa data da família, levaram a defesa de Flávio a conseguir uma liminar no Supremo Tribunal Federal que paralisou por cerca de cinco meses investigações envolvendo dados detalhados do antigo Coaf, o órgão de controle de atividades financeiras.

A suspensão determinada por Dias Toffoli, presidente do STF, foi motivo de desentendimento entre Moro e Bolsonaro, em um dos momentos mais tensos do ano. O ex-juiz se mobilizou para reverter a decisão, o que irritou o presidente.

Antes disso, o órgão já era razão de outros desgastes. Embora não tenha sido sua ideia, o ministro da Justiça encampou o projeto de colocá-lo sob seu comando, com o argumento de que no seu guarda-chuva o funcionamento seria mais dinâmico, auxiliando ainda mais investigações em andamento.

A resistência do Congresso, no entanto, acabou levando Bolsonaro a manejá-lo, primeiro, de volta à Economia e, depois, para o Banco Central.

O nome escolhido por Moro para o Coaf, o do auditor Roberto Leonel, um de seus principais aliados na Lava Jato, também foi trocado por outro, escolhido pela equipe econômica e de agrado da maior parte do mundo político.

Moro assumiu com uma prometida “carta branca” de Bolsonaro para agir e montar equipes, mas em diversos casos essa realidade não se concretizou. Em agosto, Bolsonaro quase atropelou a escolha da Polícia Federal para o comando de superintendências estaduais e ameaçou até trocar o comandante do órgão, Maurício Valeixo.

A PF é subordinada ao Ministério da Justiça, e Valeixo virou chefe por escolha de Moro. Os dois se conhecem há vários anos e trabalharam juntos na Lava Jato.

Antes, Moro havia sido atropelado por Bolsonaro em pelo menos outros cinco casos, entre eles a ordem de revogação da nomeação de uma suplente para um cargo de conselho vinculado ao ministério, Ilona Szabó, após pressão de bolsonaristas nas redes sociais.

Segundo interlocutores, Moro aceitou o convite de Bolsonaro para integrar o seu ministério, e abandonar 22 anos de magistratura, com o intuito de não permitir, no Brasil, a reedição do que ocorreu com a Operação Mãos Limpas, na Itália, que desbaratou um gigantesco esquema de corrupção no país, devastou o mundo político, mas posteriormente foi sufocada por ele.

Nesse ponto, o ministro da Justiça tentou em 2019 emplacar uma série de medidas no Congresso, batizadas de pacote anticrime.

Além de ter que ceder a prioridade legislativa para a reforma da Previdência, Moro viu seu pacote ser esvaziado em vários pontos, entre eles a prisão logo após a segunda instância e a ampliação do excludente de ilicitude para policiais, o que abrandaria a possibilidade de punição a excessos da polícia.

O pacote aprovado foi recentemente sancionado por Bolsonaro, com mais uma derrota a Moro -contra a posição pública de seu ministro, o presidente deu aval à medida incluída pelos congressistas que estabelece a figura do juiz das garantias, tirando do magistrado que preside a investigação a responsabilidade sobre a sentença.

A medida é apontada no Congresso como uma resposta a excessos de Moro na Lava Jato e pode tirar do caso Flávio Bolsonaro o juiz Flávio Itabaiana, criticado pela família do presidente -ele nega que tenha tido essa motivação.

No campo da segurança pública, Moro tem comemorado publicamente, seguidas vezes, a redução dos homicídios nas estatísticas oficiais consolidadas pelo Ministério da Justiça.

Apesar de a segurança pública ser atribuição majoritária dos estados e de a redução ter começado antes da gestão Bolsonaro, o ministro aponta um maior rigor contra as facções criminosas no período como fator que contribui para esse quadro.

Moro tem também como uma de suas apostas um projeto-piloto de ação concreta do governo federal no combate à criminalidade violenta no país, o “Em Frente, Brasil”.

Cinco cidades, uma de cada região, receberam policiamento e recursos extras para o combate à criminalidade. A ideia do ministro é estender a medida para mais municípios.

Em várias manifestações que fez ao longo do ano, Moro manifestou lealdade a Bolsonaro e não se colocou como possível adversário dele. O ministro pode também ser indicado para uma das duas vagas que se abrirão no STF na gestão de Bolsonaro, a de Celso de Mello em novembro de 2020 e a de Marco Aurélio em julho de 2021.

O caso das mensagens do Telegram, aliado a críticas que ele fez ao STF pela decisão que barrou a prisão de condenados logo após a segunda instância, podem representar empecilhos a isso.

ALTOS E BAIXOS DE MORO EM 2019

Atritos

A divulgação de mensagens trocadas entre o então juiz da Lava Jato e procuradores da operação colocou em dúvida a imparcialidade de Moro como magistradoPor 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal voltou a barrar a prisão de condenados logo após a segunda instância, instrumento defendido por Moro.

Decisão permitiu a soltura do ex-presidente Lula

Pacote anticrime foi desidratado na Câmara, perdendo medidas como o excludente de ilicitude, e sancionado por Bolsonaro, que ignorou sugestões de Moro, mantendo a criação do juiz das garantias, por exemplo, instrumento criticado pelo ministro da Justiça.

Fôlego

Popularidade de Moro segue estável; com 53% de aprovação, é o ministro mais bem avaliado do governo Bolsonaro e tem números melhores que os do próprio presidente.

Após decisão do Supremo, ministro tem liderado esforço no Congresso para nova legislação que permita a prisão de condenados em segunda instância.

Manifestações de rua têm sido convocadas desde a metade do ano em todo o país para demonstrar apoio ao ex-juiz e à Lava Jato.

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