Dezenas de milhares de franceses saíram às ruas neste sábado para protestar contra um projeto de lei sobre segurança, considerado uma mordaça por seus críticos, em um país abalado por um novo caso de violência policial que deixou o governo sob pressão.
As manifestações contra o texto – que restringiria o direito de filmar a polícia – aconteceram em todo o país, apesar das restrições pela pandemia de coronavírus.
“Polícia em todos os lugares, justiça em nenhum lugar”, “Estado policial” e “sorria enquanto te agridem” eram algumas frases gritadas no protesto de Paris, que reuniu milhares de pessoas.
Momentos de tensão foram registrados durante a manifestação na capital. Alguns ativistas queimaram veículos e incendiaram barricadas.
Milhares de pessoas também protestaram nas cidades de Lille (norte), Marselha e Montpellier (sudeste).
Os protestos se concentram em três artigos do projeto de lei de Segurança Global que foi aprovado na Assembleia Nacional na semana passada, que enquadram a divulgação de imagens da polícia, o uso de drones, assim como imagens das forças de segurança feitas pelos cidadãos com seus telefones celulares.
As organizações que convocaram os protestos afirmam que o “projeto de lei pretende restringir a liberdade de imprensa, a liberdade de informar e de ser informado, a liberdade de expressão, as liberdades públicas fundamentais de nossa República”.
O artigo 24 – o que mais chamou atenção – pune com um ano de prisão e multa de até 45.000 euros (54.000 dólares) a divulgação “mal-intencionada” de imagens das forças de segurança.
O governo alega que o dispositivo pretende proteger a polícia de mensagens de ódio e pedidos de morte nas redes sociais, com revelações sobre detalhes de sua vida privada.
Mas os críticos afirmam que muitos casos de violência policial ficariam impunes se não fossem gravados pelas câmeras dos jornalistas ou pelos telefones dos cidadãos.
Também alegam que é uma medida inútil, pois o arsenal jurídico atual é suficiente para reprimir os delitos e o direito francês “pune os atos, não as intenções”.
Dois casos de violência policial esta semana atiçaram o debate e transformaram uma decisão política em uma autêntica crise para o governo do presidente Emmanuel Macron.
Na segunda-feira, durante uma ação de organizações pró-imigrantes, a polícia desalojou com violência um acampamento improvisado em uma praça do centro de Paris, ao mesmo tempo que perseguiram jornalistas que estavam com câmeras e smartphones.
Espancamento
Na quinta-feira, câmeras de segurança registraram o espancamento de um produtor musical negro por três policiais.
A imprensa, as redes sociais e alguns atletas famosos denunciaram a violência policial.
“Imagens que nos envergonham”, afirmou na sexta-feira o presidente Macron, que pediu ao governo que apresente rapidamente propostas para “lutar com mais eficácia contra todas as discriminações”.
No dia da divulgação das imagens, ele pediu ao ministro do Interior, Gérald Darmanin, que aplicasse sanções aos policiais envolvidos.
Diante da indignação provocada pelo artigo 24, o primeiro-ministro Jean Castex tentou encontrar uma alternativa com a criação de uma “comissão independente responsável por apresentar um novo texto”, mas a iniciativa irritou os parlamentares de todos os partidos, que consideraram a medida uma forma de “menosprezo”.
A coordenação dos protestos deseja “a retirada dos artigos 21, 22 e 24” do projeto de lei, assim como o fim do “novo sistema nacional de manutenção da ordem” publicado em setembro.
Durante as manifestações, este sistema obriga a dispersão dos jornalistas quando as forças de segurança exigirem, o que impede a cobertura do desenvolvimento dos eventos, com frequência turbulentos.
A imprensa francesa e estrangeira denunciam uma “guinada na segurança” e a “violação de direitos”. Entre as vozes críticas estão os defensores dos direitos humanos e os relatores de direitos humanos da ONU. O debate chegou ao Parlamento Europeu.
Além das tradicionais estruturas de esquerda, sindicais ou da sociedade civil, muitas personalidades também se uniram aos protestos, assim como os ‘coletes amarelos’, grupo que sacudiu o país com suas manifestações em 2018 e 2019.