No código de comunicações aeronáuticas, mayday é a expressão utilizada pelos pilotos para designar uma situação de emergência que coloca a aeronave, tripulação e passageiros em risco. A origem vem do francês “m’aidez” (“me ajudem”), pedido bem mais direto do que o dramático “salvem nossas almas” (“save our souls”), como ficou conhecida a sequência SOS utilizada anteriormente pelo código Morse.
Passadas as festas de fim de ano, as férias escolares e o carnaval, encerra-se oficialmente o período de alta temporada do turismo nacional. Com a tendência de queda sazonal da demanda, as empresas aéreas elevam a pressão por apoio governamental para enfrentar uma crise.
As companhias culpam a covid-19 e a guerra na Ucrânia pela piora na sua situação econômica. Segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o número de passageiros em voos domésticos caiu de 95 milhões em 2019 para 45,2 milhões no primeiro ano da pandemia e foi se recuperando lentamente. Já o preço do petróleo, matéria-prima para o querosene de aviação, subiu de uma média de US$ 70,85 em 2021 para US$ 100,88 no ano seguinte, em função da invasão do território ucraniano pela Rússia e pelo reaquecimento da economia mundial.
É bem verdade que houve alguma ajuda do governo. Por meio da Lei nº 14.034/2020, foi permitido utilizar os recursos do Fundo Nacional da Aviação Civil como garantia de empréstimos às companhias aéreas, remunerados pela Taxa de Longo Prazo (TLP) – que na época estava em sua mínima histórica -, carência de 30 meses e prazo de quitação até o fim de 2031.
Mesmo assim, uma forte crise se abateu sobre companhias aéreas de todo o mundo e com as líderes do mercado brasileiro não foi diferente. Antes do pedido de recuperação da Gol na Justiça americana no mês passado, a Latam buscou socorro similar em 2022 e mesmo a Azul recentemente entrou numa disputa com a Petrobras a respeito do preço do combustível. Atuando em conjunto, as três empresas pressionam o governo por uma nova rodada de auxílio financeiro. Fala-se num fundo emergencial de R$ 6 bilhões.
Olhando no radar, porém, parece que o pior já passou. Neste ano, o preço do Brent está gravitando em torno do patamar de US$ 80,50. Ainda está 13,6% mais caro do que no início do conflito na Ucrânia, mas, as empresas precisam reconhecer, boa parte desse aumento de custos foi repassado a seus clientes. Segundo os dados mais recentes da agência reguladora, a tarifa média praticada nos voos domésticos em novembro de 2023 foi de R$ 702,70 – quase 40% acima do verificado quatro anos antes (R$ 503,52), antes da eclosão da pandemia e da guerra na Ucrânia, já descontada a inflação.
Além disso, a demanda vem se recuperando bem. Ainda não é um céu de brigadeiro, mas de acordo com a Anac, em 2023 foram vendidos 91,4 milhões de bilhetes, apenas 3,8% abaixo do nível pré-pandêmico.
Empresas aéreas vivem tempos difíceis em todo o mundo, gerando uma onda de fusões, aquisições e até estatização de companhias. Em função dos elevados custos de capital envolvidos (o arrendamento das aeronaves), do uso intensivo de mão de obra, das altas despesas com combustíveis e das rigorosas exigências de segurança, manter-se lucrativo é um grande desafio.
No Brasil, o quadro é mais grave por um fator pouco discutido: o câmbio. Numa entrevista ao podcast Freakonomics Radio, que foi ao ar em fevereiro de 2023, David Neeleman, fundador da americana JetBlue e da brasileira Azul, fez o seguinte diagnóstico sobre o mercado doméstico: “Quando nós investimos no Brasil, [o dólar] estava R$ 1,60. E houve época durante a pandemia que ele chegou a R$ 6. 65% dos nossos custos são em dólares. Se a taxa ainda estivesse em R$ 1,60, nós teríamos 1 mil aeronaves voando lá, com 300 milhões de passageiros por ano.”
Assim como a Azul, suas principais concorrentes também surgiram num contexto cambial favorável. A Gol iniciou suas operações em agosto de 2000, quando o dólar estava em R$ 1,80. Dez anos depois ocorreu a fusão entre a chilena LAN e a brasileira TAM, formando a Latam – e, naquele momento, a taxa de câmbio havia refluído para R$ 1,75 depois da crise financeira mundial de 2008-2009.
Vê-se, portanto, que as dificuldades enfrentadas hoje por Gol, Latam e Azul não se devem apenas à pandemia ou à elevação do preço dos combustíveis. Os planos de negócios das três companhias foram elaborados num contexto macroeconômico bastante otimista, com o dólar muito mais barato do que a cotação atual – e certamente essas companhias não tinham um plano de contingência para tal despressurização da economia brasileira.
O bilionário Richard Branson, do conglomerado Virgin, resume bem o desafio de atuar no mercado de aviação: “Para se tornar um milionário, comece com um bilhão de dólares e crie uma companhia aérea”.
No caso da Latam, da Gol e da Azul, não é justo convocar os contribuintes para salvar bilionários americanos, chilenos e brasileiros que, ao traçarem o mapa de voo de seus empreendimentos, não levaram em conta as fortes turbulências de nossa economia.