O anúncio da retomada de exercícios militares da Marinha do Brasil no Arquipélago de Alcatrazes, no litoral norte de São Paulo, inicialmente marcados conforme o jornal Estado de S. Paulo, para os dias 16 e 17 deste mês, incluiu um novo capítulo na contenda entre militares, órgãos de Estado e ambientalistas – e que até o final do ano passado parecia encerrada. Desta vez, após a mobilização de ativistas e pressões oficiais, o treinamento de tiro no local foi suspenso. Oficialmente, de acordo com informação da Marinha ao Estadão, a suspensão ocorreu devido às condições meteorológicas previstas para o período.
No conjunto de 13 ilhas, a cerca de 50 quilômetros da costa de São Sebastião, foram catalogadas 1.300 espécies de fauna e flora, 93 delas consideradas em algum grau de ameaça de extinção. São animais como a perereca, a jararaca e o antúrio. Ali é também o maior ninhal de aves do Atlântico Sul, o que explica a preocupação de quem se opõe ao exercício militar em Alcatrazes. Entre maio e agosto, abre-se também a temporada de avistamentos de baleias, como a Jubarte.
O local passou a ser utilizado para as manobras militares ainda durante a ditadura militar. Em 2013, após anos de reivindicações e um período de cessar-fogo forçado pela Justiça, a Marinha parou de usar o Saco do Funil, na ilha principal, para os treinamentos. Restaram os alvos pintados na encosta de rocha nua e as marcas de um incêndio de 2004, resultado de um disparo que causou o fogo e destruiu 14 hectares de mata nativa.
Unidade de conservação
Em 2016, Alcatrazes se transformou em Refúgio da Vida Silvestre (Revis), uma unidade de conservação instituída pelo governo federal para a proteção de ambientes que abrigam condições de vida e migração de espécies da flora e da fauna. A administração é do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o turismo é vetado, mas desde 2018 a visitação guiada permite o mergulho de snorkel ou de cilindro em dez locais do arquipélago.
A transformação em Revis deixou de fora uma das ilhas, a da Sapata. Nela, a Marinha poderia, quando achasse necessário, voltar a fazer seus treinamentos. No final do ano passado, a Força anunciou que ainda tinha planos para isso e, agora, marcou data para voltar a bombardear o santuário da vida selvagem.
Reação
Advogada do Instituto de Conservação Costeira (ICC), Fernanda Carbonelli afirma que a reação da sociedade civil estava sendo preparada e que os prejuízos para a fauna do arquipélago seriam enormes. “Foi feito um acordo com o ICMBio e a Marinha estava cumprindo esse acordo, exceto por uma situação em que fizeram um exercício e não comunicaram o conselho gestor do Refúgio Alcatraz”, diz. “Agora fizemos manifestações na Ilha (Bela) e em São Sebastião, ofícios para o Ministério Público Estadual e Ministério Público Federal, Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), o próprio ICMBio e prefeituras e estávamos preparando um material para entrar com uma ação caso a Marinha não voltasse atrás.”
Assinado por seis biólogos, um relatório do Instituto Viva Verde Azul, que trabalha com a pesquisa e conscientização sobre a preservação de baleias e golfinhos, foi enviado à Marinha e ICMBio e destaca que a região do refúgio de Alcatrazes “é habitat, abrigo e local de reprodução de diversas espécies animais e vegetais terrestres e marinhas, inclusive 20 espécies endêmicas, que só existem lá e mais nenhum outro local do planeta”.
O documento afirma que o impacto sonoro dos explosivos “poderá trazer inúmeras consequências negativas, não somente para os cetáceos, mas para todo o ecossistema marinho adjacente e cidades costeiras que estão se beneficiando economicamente da presença desses animais e rica biodiversidade local”.
Desde março de 2020, em atividades do instituto foram registradas 686 avistagens de cetáceos na região em todos os meses do ano. Em três anos de pesquisa, já foram registrados 379 grupos de baleias-jubarte, num total de pelo menos 486 indivíduos.