Lula perdeu na rodada final na eleição presidencial argentina. Apostou tudo no peronista Sergio Massa, ministro da Economia, derrotado neste último domingo (19) pelo deputado de extrema direita Javier Milei.
A vitória de Milei, conhecido como “El Loco”, foi acachapante e com apoio da maioria pobre, diz José Casado, da Veja. Ele obteve três milhões de votos de vantagem, correspondentes a 11,4% dos 27 milhões contados como válidos, numa eleição com participação significativa (76%) dos argentinos.
É uma proeza para um economista e deputado de primeiro mandato, com 53 anos de vida e apenas um triênio de experiência política.
O êxito eleitoral de Milei possui fragilidades intrínsecas. Elegeu-se com promessa de riqueza a um eleitorado encolerizado nas urnas com a disseminação da pobreza entre quatro de cada dez argentinos, queda do salário real pela metade e inflação de alimentos próxima de 300% ao ano.
Suas ideias sobre economia, porém, sugerem um governo convertido numa espécie de talibã do liberalismo — “não há lugar para gradualismos”, avisou em discurso logo depois de eleito.
Como não possui maioria parlamentar e enfrentará forte oposição peronista no Congresso, será obrigado a modular retórica e atitudes recorrentes com pitadas de psicopatia.
Para governar com mínima estabilidade precisará negociar cada passo na condução da economia. Isso, naturalmente, depois de responder à pergunta-chave na política econômica: quem vai pagar a conta do ajuste das contas públicas, fonte da superinflação que empobreceu o país? Ao isentar um segmento do eleitorado, incendiará ânimos de outros.
O mapa eleitoral dá a dimensão do desastre de Massa nas urnas: em Córdoba, maior centro industrial, o ministro da Economia foi vencido por Milei com mais de 74% dos votos. E em Mendoza, região de agroindústria, a derrota foi além dos 71%.
Massa teve desempenho débil até em Buenos Aires, que abriga 40% dos eleitores e onde o peronismo prevalece há 78 anos: venceu Milei com vantagem mínima (1,5%). Surpreendente, porque, um mês atrás, a metrópole portenha garantiu-lhe a liderança no primeiro turno.
Esse resultado indica grande deserção eleitoral e uma evidente rejeição a Massa na liderança da renovação do partido peronista, ao menos nesta etapa da crise.
Lula ficou no prejuízo com Massa. Jogou o peso do seu prestígio, mobilizou o governo, o Partido dos Trabalhadores e assessores no apoio ao candidato do governo de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner.
Promoveu uma interferência política sem precedentes, indevida e explícita, nas relações com o principal sócio do Brasil no Mercosul, destino de dois terços das exportações das indústrias brasileiras. Deu errado.
Lula escolheu hostilizar Milei, e acabou hostilizado por ele em comícios. Atacou, também, o ex-presidente Mauricio Macri, líder da centro-direita, com suspeitas de corrupção — sem provas — numa operação de megaempréstimo (40 bilhões de dólares) do Fundo Monetário Internacional à Argentina. Arquiteto e fiador da aliança de Milei com partidos de centro-direita, no segundo turno, Macri deverá ter influência no novo governo a partir do domingo 10 de dezembro.
Lula, agora, vai enfrentar as consequências políticas de uma intervenção externa que, certamente, não aceitaria em eleições brasileiras.
Uma delas é o realinhamento da Argentina com os Estados Unidos em contraponto a interesses específicos do Brasil na política externa para a América do Sul.
Outra é o preço alto que o Brasil pode vir a pagar numa ação diplomática para evitar a implosão do Mercosul, como já ensaia o futuro governo argentino em negociações discretas com o Paraguai e o Uruguai.